Terras Indígenas
Governo cancela 406 pedidos de mineração na Terra Indígena Yanomami
Por Fábio Bispo
Do Infoamazônia
Desde o início de fevereiro deste ano, a Agência Nacional de Mineração (ANM) já anulou 406 processos de mineração na Terra Indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas. A decisão pelas anulações está em sintonia com a diretriz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de não permitir garimpo e mineração em terras indígenas e leva em conta um parecer jurídico de 2015 que já orientava o indeferimento de processos minerários em territórios indígenas.
Segundo a ANM, o cancelamento dos processos de mineração com interferência em terras indígenas estão sendo analisados “periodicamente” e que “os indeferimentos estão sendo publicados desde o mês de fevereiro”. Por enquanto, somente pedidos com interferência na Terra Yanomami foram cancelados com base no novo entendido da ANM.
O cancelamento de projetos de mineração dentro de terra indígena frustrou as intenções de mineradoras e garimpeiros que apostavam na liberação da da exploração das terras indígenas. Em 2020, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou projeto para liberar a mineração nesses territórios (PL 191/2020). Os processos que já estavam cadastrados na ANM funcionariam como uma espécie de reserva de áreas, caso a proposta do governo avançasse.
A área dos 406 processos minerários cancelados na Terra Yanomami somam mais de 3 milhões de hectares. Esses pedidos se concentravam na região norte do território, onde garimpos ilegais já exploram ouro e cassiterita. Alguns desses pedidos estavam registrados há mais de 30 anos na ANM aguardando movimentação.
Em novo entendimento, ANM passa a adotar parecer de 2015 que prevê cancelamento de pedidos de mineração sobrepostos em terras indígenas.
A mineração em terras indígenas no Brasil é ilegal e só poderia ocorrer por meio de aprovação do Congresso. O Ministério Público Federal (MPF) tem denunciado a ilegalidade desses pedidos em áreas protegidas e emitido diversas recomendações à ANM nos últimos anos.
Para o MPF, o simples registro e cadastramento desses processos –ainda que não deferidos ou mesmo apreciados– sobre os territórios indígenas contraria a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil e garante o direito à consulta prévia, livre e informada aos indígenas sobre esses projetos.
Mesmo assim, a ANM vinha considerando que a falta de lei regulamentadora não impedia que os processos minerários fossem sobrestados, ou seja, abertos e colocados em espera.
Pelo menos 103 processos minerários com alguma interferência na Terra Yanomami ainda seguem ativos na ANM, esses pedidos se concentram nas áreas da borda da terra indígena, em área contígua ao território.
Fora dos limites da terra indígena, ainda há centenas de outros pedidos ativos e que pela proximidade podem causar impacto na TI. Esses processos só deveriam tramitar nos órgãos licenciadores mediante consulta aos povos indígenas, como prevê a Convenção 169 e a portaria interministerial 60/2015. Em todo o estado de Roraima são 1.639 pedidos de mineração ativos, com uma concentração maior no norte do estado.
A metodologia do Minada considera requerimento em terra indígena todos os pedidos com áreas sobrepostas a terras indígenas ou que toquem em qualquer parte de seus limites.
Em janeiro deste ano, durante visita ao povo Yanomami em Roraima, que enfrenta grave crise humanitária provocada pelas constantes invasões e destruição do território pelo garimpo ilegal, o presidente Lula foi taxativo sobre a mineração e o garimpo em terras indígenas:
“Resolvemos tomar uma decisão: parar com a brincadeira. Não terá mais garimpo”, anunciou o presidente. As primeiras medidas apontadas por ele foram a proibição de sobrevoos na região, bem como a entrada de barcas de transporte de combustível.
Resolvemos tomar uma decisão: parar com a brincadeira. Não terá mais garimpo” Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Presidente da República
Agência do governo ainda mantém 3 mil pedidos ilegais
Desde 2019, o projeto Amazônia Minada, da InfoAmazonia, analisa de forma sistemática os dados de mineração da ANM e faz o mapeamento dos pedidos sobrepostos ou em áreas contíguas às terras indígenas e Unidades de Conservação (UC) de proteção integral.
Segundo dados do projeto, existem 3.097 pedidos de mineração em áreas protegidas da Amazônia, sendo que 2.025 processos em terras indígenas e 1.192 em UCs de proteção integral.
Esses pedidos estão ativos em 216 terras indígenas e 74 UCs. Até o momento, nenhum processo minerário nas demais terras indígenas foi cancelado com base no novo entendimento da ANM, segundo informou o órgão.
Com o cancelamento dos processos de mineração no território Yanomami, a Terra Indígena Kayapó, no Pará, passa a ser a primeira em pedidos de mineração, com 117 requerimentos ativos na ANM, seguida da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima, com 104 requerimentos, e a Yanomami (103).
Quase metade dos pedidos de mineração em terras indígenas, 954 requerimentos, são para explorar ouro.
Denúncia e pressão
Os seguidos levantamentos e denúncias sobre a existência desses processos registrados na ANM já revelaram as intenções de gigantes do setor minerário em explorar terras indígenas brasileiras.
Em novembro de 2021, a Vale, que está entre as três maiores mineradoras do mundo, teve que se explicar sobre dois pedidos de mineração colados nos limites da Terra Indígena Xikrin do Rio Cateté, no Pará, onde vivem os Xikrin e os Kayapó. Na época, o caso foi identificado pelo robô do Amazônia Minada, que divulga novos requerimentos em terras indígenas no Twitter.
Um ano antes, a Vale havia prometido aos seus investidores que pediria o cancelamento de todos os pedidos de mineração em terras indígenas. A empresa chegou a ser punida e foi excluída, em maio de 2020, da carteira de investimento do Fundo Soberano da Noruega sob a acusação de que suas operações ofereciam danos ambientais graves.
Em fevereiro de 2022, a InfoAmazonia mostrou que três bancos dos Estados Unidos investiram USD 14,8 bilhões em mineradoras com processos ativos em terras indígenas na Amazônia. As informações foram compiladas pela Amazon Watch no relatório “Cumplicidade na Destruição”, em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), onde fazem um apelo para os riscos que grandes empresas oferecem aos povos indígenas e à preservação da floresta.
Mesmo com cancelamento em massa, TI Yanomami ainda tem 103 processos com interferência no território; TI Kayapó, no Pará, passou a liderar a lista em março deste ano.
Pelo menos nove gigantes da mineração mundial mantêm processos ativos para mineração em terras indígenas brasileiras receberam receberam USD 54,1 bilhões em financiamentos de bancos do Brasil e do exterior.