Produção
É possível produzir soja de forma sustentável? Conheça experiência do MST no PR
Por Iolanda Depizzol e Lucas Weber
Do Brasil de Fato
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou a primeira colheita de soja não transgênica em Centenário do Sul (PR) em fevereiro deste ano, apresentando uma proposta mais sustentável para a produção no setor.
“Você pega um milho convencional e um milho transgênico e dá para as galinhas, o gado, o porco. O convencional [sem transgenia] eles comem muito melhor. Então, com a soja não vai ser diferente”, observa Edivan Guizone, do Setor de Produção MST no Paraná.
A produção de soja convencional (não transgênica) no acampamento Fidel Castro, do MST, segue na contramão da maior parte das áreas destinadas à oleaginosa no Brasil. Ainda na década de 1990, a soja transgênica começou a ser cultivada no país, dominando o setor poucos anos depois, a partir de plantas resistentes aos agrotóxicos e de olho nas cifras comerciais.
A experiência do MST no interior do Paraná é um avanço na agricultura sem uso intensivo de agrotóxicos e uma prova de que é possível produzir e gerar renda em mesma quantidade, ou até mais, sem ameaçar a saúde humana e toda a cadeia do meio ambiente.
“Foram oito hectares de experimento no início, na safra passada, e nesta safra agora [em 2023] foram 200 hectares. A expectativa é a gente colher uns 180 hectares, vamos dizer, por alqueire. Essa é a expectativa”, afirma o estudante de agronomia Victor Hugo Gafo da Silva, do Setor de Produção do MST, sobre a primeira colheita de soja não transgênica no local após fases experimentais.
“Esse ano aqui na nossa região [norte do Paraná] choveu bem, que foi um ano que o clima ocorreu como esperado para a lavoura. Ela [a soja convencional] se mostrou como uma planta totalmente competitiva do ponto de vista da produtividade e até melhor do que a soja transgênica”, destaca Diego Moreira, da direção nacional do Setor de Produção do MST.
Soja transgênica e não transgênica
A soja transgênica é geneticamente modificada para suportar agrotóxicos, como o glifosato, comprovadamente prejudicial à saúde, e com forte relação ao desenvolvimento do câncer. Soja convencional é como é chamado o plantio quando o grão não é geneticamente modificado. Diferentemente da soja transgênica, que significa que houve uma alteração não natural na planta.
A produção de soja geneticamente modificada se intensificou no início dos anos 2000. De acordo com dados recentes do Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral), 95% da soja cultivada no estado é de origem transgênica.
“Estamos falando de plantas geneticamente modificadas em laboratório. Não se trata de uma evolução natural, onde se mistura o código genético dessa planta com genes de outras espécies. Podem ser bactérias, podem ser outras espécies, doadoras de algum gene, que vai trazer alguma característica para essa planta. Elas basicamente são desses dois tipos. Ou são modificadas para aguentar banhos de herbicidas e agrotóxicos, ou são modificadas para elas mesmo produzirem agrotóxicos”, explica Alan Tygel, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos.
.A transgenia na soja, basicamente, é feita por conta de um agrotóxico específico, o Roundup, produto criado pela multinacional Monsanto, composto pelo glifosato. Diversos países do mundo estão no caminho de banir a utilização dessa composição. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já emitiu um comunicado considerando o glifosato como potencialmente cancerígeno. A substância é tão forte, que mesmo a soja transgênica, criada para ser resistente, é afetada pela aplicação do produto.
Livre da transgenia?
Mesmo quem pensa que não consome soja, transgênica ou não, acaba ingerindo esse alimento no dia a dia, mesmo que indiretamente. A soja é muito utilizada como ração animal. O consumo de carne, por exemplo, significa ter contato com soja transgênica. Além disso, o óleo de cozinha mais popular é composto de soja e, na maioria das opções, com o alerta de “T” na embalagem.
“Você prefere comprar um produto com glifosato ou sem? Eu acho que ninguém vai falar: ‘não, eu quero glifosato na minha mesa’. Só que as grandes commodities, os grandes fazendeiros querem conforto. Se tem mato, eles querem meter Roundup, glifosato. Mas ele vai comprar do soja convencional, se tiver um óleo de soja”, questiona Guizone.
Assim como outras espécies, a semente de soja transgênica funciona como um produto comercial. Ou seja, tem patente e tem dono, além de ser impossível reproduzir em novas lavouras. Isso, na prática, encarece a produção e também põe os agricultores como dependentes dessas multinacionais que têm o controle sobre a produção da soja transgênica.
Rumo ao orgânico
O plantio da soja não transgênica é considerado apenas o primeiro passo do MST nesta missão de ressignificar o valor do grão. Ceres Hadich, integrante da direção Nacional do MST, explica que “é preciso investir também no beneficiamento, apostando na agroindústria, para que vire, também, alimento direto para as famílias.”
“Neste ano, finalmente, pudemos dar um passo a mais, mostrando que é possível produzir uma soja não transgênica em larga escala”, explica a liderança, lembrando que no ano anterior o acampamento Fidel Castro colheu 8 hectares de soja não transgênica em um experimento com o grão. A promessa para o ano que vem é que chegue a 1.500 hectares.
“Com custo mais baixo você tem a mesma produção”, defende Edivan Ghizoni.
Para explicar a diferença da soja transgênica e a convencional, o agricultor compara usar agrotóxico a ficar doente.
“Você pode comparar o Roundup a uma gripe. Quando nós pegamos uma gripe, nós ficamos baqueados, mais fracos, demora pra se recuperar. E pra isso, precisamos tomar ainda mais remédios. É o mesmo com a soja quando você aplica o Roundup, ela fica fraca, cresce menos. E para voltar a crescer precisa de mais agrotóxicos. E mesmo assim o resultado não é o mesmo.”
A produção do MST não utiliza agrotóxicos na planta. No entanto, para preparar o solo são utilizados produtos que impedem o crescimento de plantas indesejadas na produção.
“Estamos olhando no horizonte, com o empenho de ciência, tecnologia e ferramentas, transformar essa produção em orgânica”, afirma Diego Moreira.
Décadas de luta
O acampamento Fidel Castro existe desde 2008, quando trabalhadores e trabalhadoras sem-terra ocuparam uma área deixada pelo grupo Atalla, grande produtora de cana-de-açúcar da região, que não atua mais. Além dele, mais quatro acampamentos do Movimento surgiram nesta mesma região.
“Aqui a gente é herdeiro de uma luta histórica, que foi de posseiros e posseiras que lutaram contra grileiros na década de 1940. Quando ressurge, nos anos 2000, nos acampamentos da região, a gente vem com essa missão de libertar a terra para aqueles e aquelas que trabalham”, define Ceres Hadich.
Em referência ao nome do acampamento, Diego Moreira finaliza: “tenho certeza que se o Fidel Castro passasse por aqui ele nos daria um muy bien compañeros, porque nós estamos indo no caminho certo”.
Confira a reportagem em vídeo no Bem Viver na TV:
Edição: Daniel Lamir