História

Independência de Moçambique: um marco histórico e seu significado atual

Relembre o processo de independência de Moçambique e entenda como essa luta reverbera até hoje
Desfile público em comemoração à vitória da Frente de Libertação de Moçambique na Guerra de Independência. Foto: José Chasin/Wikimedia

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

A independência de Moçambique, proclamada em 25 de junho de 1975, foi um evento de extrema importância na história do país africano. Após séculos de colonização, o povo moçambicano conquistou sua liberdade e soberania, iniciando um novo capítulo em sua trajetória como nação. Mas quais os principais aspectos desse marco histórico e seu contexto colonial, os movimentos de libertação, as consequências da independência e o legado deixado até os dias atuais?

Moçambique foi uma colônia portuguesa por quase 500 anos e, durante esse período, a administração colonial impôs seu domínio sobre a população nativa, explorando seus recursos naturais e restringindo suas liberdades. O sistema colonial trouxe impactos profundos em várias áreas, incluindo a economia, a cultura e a política, perpetuando desigualdades sociais e econômicas.

A luta pela independência em Moçambique foi conduzida por movimentos de libertação, sendo o mais proeminente a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), fundada em 1962. Liderada por figuras icônicas como Samora Machel, a FRELIMO adotou uma estratégia de resistência armada contra o domínio colonial português. O conflito armado durou mais de uma década, resultando em significativas perdas humanas e destruição, mas também fortalecendo a determinação do povo moçambicano em buscar sua independência.

Samora Michel em discurso da Independência de Moçambique. Foto: Reprodução

“O processo de independência de Moçambique foi extremamente difícil. Portugal tentou esconder a realidade das suas colônias, criando uma imagem de paz e cordialidade. No entanto, a crueldade do regime português era evidente, com práticas semelhantes ao apartheid da África do Sul. Gilberto Freyre também contribuiu para a imagem positiva de Portugal, ao divulgar teorias favoráveis, mesmo sabendo das explorações cruéis nas colônias”, conta Augusto Juncal, do Coletivo Terra, Raça e Classe, do MST.

Apesar das pressões internacionais, Portugal resistiu, mas a FRELIMO, organizada na Zâmbia vizinha, iniciou a luta armada em 1964. Durante os dez anos seguintes, os moçambicanos enfrentaram o poderoso império português, utilizando estratégias de guerrilha e táticas inteligentes. A luta pela independência avançou de Cabo Delgado até Maputo, conhecida como “do Rovuma ao Maputo”, abrangendo as áreas conquistadas ao longo do caminho.

Augusto conta que, após a independência de Portugal em 1974, o país percebeu que não poderia mais manter a guerra e decidiu buscar acordos de paz para evitar mais humilhação. A Revolução dos Cravos, em Portugal, também contribuiu para o fim da guerra, com apelos pelo fim dos conflitos em Moçambique.

Mesmo enfrentando desafios, Moçambique estava vencendo a guerra e humilhando o poderoso exército português, contando com o apoio da África do Sul na época”, afirma Augusto.

Após anos de conflito e negociações, Moçambique finalmente conquistou sua independência em 25 de junho de 1975. A proclamação marcou o fim do domínio colonial português e o estabelecimento de um governo soberano. Samora Machel tornou-se o primeiro presidente do país recém independente, assumindo a liderança na reconstrução da nação e na busca pela igualdade, justiça social e desenvolvimento econômico.

A independência trouxe consigo uma série de desafios para Moçambique. O país enfrentou a necessidade de reconstrução pós-guerra, a consolidação de uma identidade nacional e a superação das divisões étnicas e culturais criadas durante o período colonial. Além disso, Moçambique enfrentou dificuldades econômicas, como a falta de infraestrutura adequada, altos índices de pobreza e um sistema educacional em desenvolvimento.

“A polícia colonial portuguesa e as forças da África do Sul financiaram uma guerra civil em Moçambique. Após dez anos de guerra pela independência contra o império português, o país mergulhou em uma guerra civil de 12 anos”, lembra Augusto. O tratado de paz foi assinado apenas em 1992, em Roma, Itália, e essa guerra cruel devastou Moçambique, levando 22 anos para o país se recuperar.

Augusto lembra que a FRELIMO lutou contra a Renamo, apoiada por Portugal e pela África do Sul, durante a guerra civil. “A Renamo não tinha propostas de governo e a rivalidade persiste até hoje. A FRELIMO, com sua ideologia marxista e socialista, liderou a luta e estabeleceu-se como governo, com líderes como Samora Machel e Joaquim Chissano. No entanto, Samora Machel foi vítima de um acidente aéreo organizado pela África do Sul”, explica Augusto.

Apesar dos desafios, Moçambique progrediu consideravelmente desde sua independência. O país tem desfrutado de uma relativa estabilidade política, fortalecendo suas instituições democráticas ao longo dos anos. Além disso, houve investimentos em infraestrutura, saúde, educação e desenvolvimento rural, visando melhorar as condições de vida da população moçambicana. Atualmente, o país é reconhecido como um ator importante na região da África.

Brasil, Moçambique, África

Mulher camponesa em Moçambique. Foto: USAID/Reprodução

Mesmo geograficamente distantes e com histórias coloniais diferentes, é possível traçar alguns paralelos entre Brasil e Moçambique. Ambos foram colônias europeias por séculos, com Portugal exercendo seu domínio imperial e tiveram que lidar com a herança do passado colonial, superar desigualdades sociais e econômicas, promover o desenvolvimento sustentável e consolidar instituições democráticas. Os países foram submetidos a um sistema colonial que visava explorar seus recursos naturais, forçar o trabalho indígena e estabelecer estruturas de poder colonial.

Embora os portugueses tenham chegado à África em 1498, eles estabeleceram apenas postos de abastecimento ao longo da costa africana em sua rota para as Índias. A colonização real ocorreu mais tarde. A presença portuguesa em Moçambique data do século 15, por volta de 1498. Os portugueses estabeleceram feitorias e capitanias para fins comerciais.

O processo de colonização na África ocorreu principalmente no século 19, durante a corrida europeia. Os portugueses já estavam lá, colonizando e comercializando, mas esse processo mais intenso ocorreu décadas depois. A colonização da África durante a Revolução Industrial foi extremamente agressiva e rápida, deixando terríveis sequelas até hoje. A colonização no Brasil, por outro lado, começou em 1500 e foi mais gradual, com 500 anos de impacto. A ocupação efetiva do território moçambicano ocorreu posteriormente, mas no início era apenas uma ocupação das terras, sem um processo de colonização propriamente dito.

Moçambique hoje

Foto: Fabio Andrey Pimentel

A identidade nacional moçambicana é fortemente influenciada por sua história colonial, lutas pela independência e o processo de construção de uma nação unificada e plural. A cultura moçambicana é um reflexo dessas influências, combinando elementos tradicionais com contribuições modernas.

A diversidade étnica em Moçambique é notável, com diversos grupos étnicos que possuem sua própria língua, tradições, costumes e práticas culturais únicas. Alguns dos grupos étnicos mais proeminentes incluem os macua, tsonga, shangaan, chewa, yao, maconde e muitos outros. Essa diversidade é uma fonte de riqueza cultural para o país, contribuindo para a formação da identidade nacional moçambicana.

A questão da identidade nacional em Moçambique foi bastante complexa. “Existem 78 grupos étnico-linguísticos no país, cada um com suas próprias culturas e diferenças internas. O tribalismo foi explorado pela colonização para dividir e dominar. As fronteiras traçadas na África durante a colonização foram arbitrárias e não levaram em consideração as identidades das tribos. Foi um processo irreversível, e as pessoas tiveram que se identificar com o país em que estavam”, completa Augusto. Ele reforça que escritores como Craveirinha e Mia Couto contribuíram para a construção da identidade moçambicana.

Foto: Reprodução

Moçambique também possui recursos naturais abundantes, mas a distribuição desigual da riqueza e a falta de infraestrutura adequada representaram obstáculos para o crescimento sustentável até hoje. Augusto explica que governos independentistas, como a FRELIMO, acabaram se tornando “marionetes do capitalismo internacional, enriquecendo uma elite corrupta enquanto a maioria da população vivia na miséria”.

“Não houve valorização das diferentes etnias e culturas, e o acesso à terra não foi acompanhado por políticas de desenvolvimento agrícola. A infraestrutura em Moçambique é precária, com dificuldades nos transportes e nas estradas. A inclusão e valorização do povo foram negligenciadas pelos líderes corruptos que sucederam Samora Machel”, denuncia Augusto.

Por fim, Augusto pontua ainda que é importante destacar dois grandes projetos do capital internacional em Moçambique, conectados ao Brasil. “Um deles é a presença da Vale, explorando as minas de carvão em Moatize. Outro projeto é o Pró Savana, que está expulsando os camponeses de suas terras e destruindo a savana para a produção de commodities para exportação; uma adaptação do processo de desenvolvimento do cerrado brasileiro nos anos 70, onde a vegetação foi destruída para dar lugar à produção de soja. Os camponeses em Moçambique têm direito de uso da terra, mas são expulsos para dar espaço aos interesses do mercado internacional”, conclui.

*Editado por Solange Engelmann