Agroecologia É o Caminho
Entenda o significado de ‘Agroecologia na boca do povo’
Por Daniel Lamir
Do Brasil de Fato
O termo ‘agroecologia’ foi utilizado pela primeira vez em 1928 pelo agrônomo russo Basil Bensin, de acordo com os apontamentos de historiadores. Quase um século depois, as disputas por uma “agricultura mais sustentável” permanecem em jogo, porém dentro de uma agenda bem mais ampla e complexa.
De uma origem de preocupações com os impactos da modernidade na natureza, hoje a agroecologia é defendida como proposta concreta diante dos desafios das mudanças climáticas e outros desafios mundiais, como o combate à fome.
Demarcando o momento histórico da agroecologia, o que antes era um debate restrito à produção de alimentos no campo ganhou raízes nos espaços urbanos, favorecendo, por exemplo, direitos populares em periferias de grandes cidades.
No Brasil, os primeiros debates científicos na área são da década de 1970 e estavam restritos ao espaço das ciências agrárias.
“A agroecologia nasce primeiro com uma perspectiva do campo da produção [de alimentos], e a partir de uma crítica à industrialização da agricultura, da química e de como o trabalho na agricultura é organizado – uma dependência muito grande da indústria. Mas pouco a pouco esse olhar vai se ampliando e complexificando. Hoje a agroecologia fala sobre o sistema alimentar como um todo, desde a produção até o consumo”, explica Paulo Petersen, da organização AS-PTA.
Do avanço no debate, a agroecologia passou a ser entendida por pelo menos três linhas. Uma delas é enquanto prática, com as diversas atividades em sistemas alimentares, como sistemas agroflorestais (SAFs), quintais produtivos, hortas comunitárias, feiras agroecológicas e cooperativas. A organização militante em redes e organizações também é outra dimensão que amplia o olhar para o conceito de agroecologia. Completando as linhas de abordagem, a ciência permanece com atividades em espaços como academia, institutos de pesquisa e escolas.
ABA
Com a semente brotada da cientificidade, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) nasceu em 2004, mas regando as linhas da prática e da militância ao longo dessas quase duas décadas. A Associação reúne profissionais e estudantes de diversas áreas do conhecimento para realizar e apoiar ações dedicadas à construção do conhecimento agroecológico.
“É uma associação científica que trabalha na defesa da ciência que a agroecologia aposta, e que acredita que só é possível fazer isso em diálogo. Só é possível enfrentar os desafios do fortalecimento da ciência fazendo diálogos com diferentes campos do conhecimento”, define Natália Almeida, representante da ABA Sudeste.
A partir de uma articulação interseccional e multidisciplinar, a ABA é composta por 12 Grupos Temáticos (GTs) que debatem os seguintes temas: agrotóxicos e transgênicos; campesinato e soberania alimentar; construção do conhecimento; cultura e comunicação; economia solidária; educação; infâncias; juventudes; manejo; mulheres; ancestralidades e saúde.
“A partir dessa perspectiva ampliada é que se começou diálogos mais amplos, que justifiquem essa diversificação de GTs. Por exemplo, se discutir a questão da saúde e a perspectiva da ancestralidade. Isso é uma coisa muito recente dentro da ABA. E por que discutir a perspectiva da ancestralidade? Isso tem muito a ver com a própria crítica à ciência positivista, que não reconhece outras perspectivas. Então você tem toda uma contribuição do pensamento decolonial na própria academia”, explica Paulo.
Além dos GTs, a Associação está dividida por territórios, favorecendo a diversidade de realidades e saberes locais. Também integram a ABA uma quantidade de 126 Núcleos de Estudo de Agroecologia (NEAs), que funcionam em instituições de ensino em todas as regiões do país. Enquanto rede, a Associação integra a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), entre os espaços de intervenção e debate público.
Congresso Brasileiro de Agroecologia
Um dos espaços que movimenta o diálogo e a construção do conhecimento dentro da ABA são as edições do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). A primeira delas foi realizada antes mesmo do surgimento da Articulação, em 2003, em Porto Alegre, com o lema “Conquistando a Soberania Alimentar”.
Vinte anos depois da primeira edição, o 12º CBA será realizado de 20 a 23 de novembro deste ano, na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com a comissão organizadora, o lema desta edição é sugestivo na caminhada da ABA, do movimento agroecológico e do próprio contexto econômico e social do país, considerando os desafios acentuados nos últimos anos: “Agroecologia na boca do povo”.
“Não seria possível construir esse processo sem interagir com a volta do Brasil ao Mapa da Fome, sem enfrentar questões centrais e estruturais para a democracia no Brasil. O lema do Congresso esse ano é uma tradução da ciência que a gente acredita. É uma tradução da articulação no campo da ciência, do movimento e da prática para que a gente não só pense em uma atuação em rede, mas que a gente pense caminhos e propostas”, afirma Natália, que também integra a Agenda de Saúde e Agroecologia da Fiocruz.
Considerado como o maior congresso de agroecologia da América Latina, o CBA deve contar com cerca de 5 mil pessoas inscritas. Ao longo de suas edições, a metodologia dos encontros prevê diversas atividades para trocas de conhecimentos, considerando a diversidade povos, lugares e saberes. A última edição realizada foi em 2019, em Aracaju.
“Estamos vindo de uma crise sanitária e de um processo onde a ciência foi muito deslegitimada. Então esse CBA [de 2023] também é uma retomada da ciência como um campo de parceria, de lutas populares”, aponta Natália.
Além do negacionismo, o Congresso pretende denunciar o que pode ser considerado como “falsas soluções” para o mundo.
“O CBA tem um papel muito importante para desmistificar a ideia de que a ciência inexoravelmente aponta na direção do agronegócio. Isso não é verdade. O agronegócio está nos levando na verdade a um calabouço da civilização. Então esse é o lugar de colocar a ‘agroecologia na boca do povo’, não só como no sentido do direito à alimentação, mas da agroecologia como enunciado político, que está felizmente se disseminando nas instituições científicas”, defende Paulo.
Para o 12º CBA, estão previstas programações paralelas, com um festival de arte e cultura e outro de cinema.
“É preciso fazer essa disputa na sociedade, e, portanto, o diálogo com a cultura, a comunicação popular e a educação popular é fundamental para não ficarmos avançando simplesmente em uma dimensão da construção da agroecologia que eu diria mais racional, científica e acadêmica. É preciso dialogar mais amplamente com a sociedade”, define Paulo.
Agroecologia para gritar
Além da intensificação da agricultura industrial que ameaçava a natureza há mais de um século, a agroecologia acompanha, ao longo do tempo, uma crítica a expansão do capitalismo. Aos poucos, esse processo se agarra ao embate com outras faces de lutas sociais, como a colonialidade, o patriarcado e o racismo, por exemplo.
Dessa forma, na “boca do povo”, sugere tanto vozes que religam ancestralidades dos povos originários e camponeses quanto bandeiras de lutas sociais contemporâneas. “Nós estamos falando de um Povo, e quando colocamos essa categoria, queremos fazer uma anteposição às elites. Quer dizer, as elites que se beneficiam de uma dominação sobre os sistemas alimentares, e que precisa ser denunciada e combatida. E quem se beneficia desse sistema é uma minoria, que inclusive uma boa parte nem sequer está no Brasil, que acumula pelo sistema financeiro”, aponta Paulo, que também faz parte da Comissão organizadora do CBA.
Além do Congresso, o “Agroecologia na boca do povo” também batiza um trabalho de incidência política da ANA. Depois das experiências do “Agroecologia nos Municípios” e das campanhas do “Agroecologia nas Eleições”, o “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo” tem o “objetivo é fortalecer a luta por políticas e planos de agroecologia, tanto em nível federal quanto estadual. Buscar entender os processos desenvolvidos nas localidades e saber em que pé estão esses instrumentos. Conhecer quem pode contribuir para que eles se fortaleçam e, onde não existem, o que é preciso fazer para que sejam criados”, de acordo com informe da Articulação. A ação deve acontecer em todos os estados brasileiros, a partir de mobilização social.
Edição: Rodrigo Chagas