Contra a Fome
Josué de Castro: vida e legado em defesa da Reforma Agrária
Por Daiane Paz*
Da Página do MST
Josué de Castro dedicou grande parte de sua vida ao estudo das questões de alimentação, fome e desigualdade no mundo. Pesquisou sobre a distribuição desigual de terras e recursos agrícolas no Brasil e em outros países, identificando como a concentração de terras contribuiu para a fome e a miséria em muitas regiões. Além de suas pesquisas, Josué de Castro foi um defensor ativo da reforma agrária. Ele acreditava que uma redistribuição mais justa de terras era essencial para combater a fome e a pobreza. Sua influência tornou pública a importância da reforma agrária como uma estratégia para promover a justiça social e melhorar a segurança alimentar. Também teve uma influência significativa em organizações internacionais, como a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), onde defendeu políticas e ações que promovessem a reforma agrária como um meio de garantir a segurança alimentar global. Lutou ativamente pelas reformas de base, sobretudo a reforma agrária considerada como imperativo para superar a exclusão de enormes parcelas da população brasileira impedidos de sentar-se à mesa.
Josué de Castro falava claramente sobre a fome. Falava de fome tanto crônica quanto aguda, evidente ou oculta. Tratamos agora de insegurança alimentar em diferentes níveis (endividamento, corte em despesas essenciais, até a carência de alimentos em quantidade e qualidade suficiente). Apenas 44,8% da população brasileira vive sem nenhum grau de insegurança alimentar e isso é muito agravado pelo aumento brutal dos preços dos alimentos da cesta básica. A insegurança alimentar e a fome retornaram no Brasil aos parâmetros de 2004, de uma forma muito rápida, as políticas públicas de garantia do direito básico à alimentação tiveram um regresso de 15 anos em apenas 5 anos, com restrições de orçamento e fim de políticas públicas importantes. Inclusive o CONSEA foi extinto.
Durante a pandemia nos deparamos com situações em que parcelas grandes da população passaram a depender da doação de ossos para ter acesso às proteínas. O capitalismo brasileiro chegou a um ponto em que a fome virou instrumento de lucro (venda de subprodutos, restos e sobras). Era e é incomodo ainda falar que existe na sociedade brasileira uma grande parcela da população com alto índice de miserabilidade e de exclusão social. Josué de Castro acreditava no conhecimento como um caminho de denúncia e de luta contra as mazelas sociais. Foi corajoso e questionador de seu tempo, que ousou pensar de fato sobre o fim do fenômeno da Fome, um sonhador e apaixonado a ponto de perseguir obstinadamente a solução para esse problema que tanto o instigava e incomodava. Acreditava firmemente na relação entre a teoria e a prática. Caráter profundamente humanista, pois se relacionava com seu compromisso político e social com as classes despossuídas dos bens da terra.
Uma formulação de Josué de Castro que aponta a atualidade de sua defesa é o “Programa de dez pontos para vencer a fome”:
Combate ao latifúndio
Combate à monocultura
Aproveitamento racional de todas as terras cultiváveis circunvizinhas aos centros urbanos
Intensificação do cultivo de alimentos sob a forma de policultura em pequenas propriedades
Mecanização da lavoura
Financiamento bancário adequado e suficiente da agricultura
Progressiva diminuição até extinção absoluta isenção de impostos para as terras destinadas à produção de alimentos
Amparo e fomento ao cooperativismo
Estudos técnicos para o conhecimento mais amplo do valor dos recursos ambientais
Planejamento de uma campanha de âmbito nacional para a formação de bons hábitos alimentares.
Josué de Castro apresentou estes 10 pontos em 1953. As ideias de Josué de Castro incomodavam e incomodam a classe dominante brasileira que não gostava e não gosta de admitir que a fome existe e que a sua solução passa por mudanças profundas na produção e no comércio mundial.
O combate a fome e a miséria passa pela reforma agrária e pelo acesso aos alimentos (para que, para quem e como estamos produzindo e para que, para quem e como o agronegócio está produzindo). O agronegócio gera fome e pobreza. Denunciamos esse modelo ao mesmo tempo em que propomos para a sociedade uma nova sociabilidade e uma forma de produzir baseada na agroecologia e na justiça social.
Nossa escola leva o nome de Josué de Castro como homenagem, mas sobretudo como compromisso. Compromisso de defender a reforma agrária, de buscar obstinadamente a superação desta sociedade de classes que explora e exclui, da firme convicção de que os problemas como a fome são construções sociais e que, por isso nossa prática e nossa teoria (construção do conhecimento) precisam estar a serviço da superação dessas mazelas.
*Daiane Paz é educadora do Instituto de Educação Josué de Castro
**Editado por Fernanda Alcântara