Meio Ambiente
Movimentos denunciam os impactos do mercado de carbono aprovado pelo Senado
Por Lays Furtado
Da Página do MST
O Senado aprovou na última quarta-feira (4), o Projeto de Lei (PL 412/2022), que regula o mercado de crédito de carbono, a partir da criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
A proposta foi apresentada por meio de um texto substitutivo da Senadora Leila Barros (PDT-DF). E sua proposição visa a implementação do mercado de crédito de carbono como uma forma de reduzir as emissões na atmosfera, com o estabelecimento de metas de redução e a possibilidade de venda da quantidade excedente.
Porém, o texto aprovado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) atende a uma demanda da bancada ruralista, isentando o agronegócio do mercado regulado, sendo enquadradas no mercado voluntário de carbono. Ou seja, isentando o setor que mais emite poluentes no país de se submeter ao projeto de lei aprovado e que seguirá para votação na Câmara dos Deputados.
“Nesse caso, o governo deverá enfrentar a dura discussão sobre a proibição da extração de carbono das áreas de reserva legal e de preservação permanente em nome da adicionalidade dos projetos. Infelizmente, a fragilidade do governo no Legislativo não permite imaginar uma ação robusta nesse campo, deixando para todo mundo a sensação de uma trágica falta de ambição para enfrentar as manifestações da questão climática no nível nacional”, cita Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e membro do Grupo Carta de Belém.
A celeridade de todo esse processo por parte de governistas, segue a intenção de que a proposta esteja pronta e aprovada no Congresso Nacional antes da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que acontece entre novembro e dezembro deste ano, em Dubai. Evento em que as lideranças mundiais discutirão o financiamento climático, cortes de emissões e implantação do mercado global de carbono.
Como funcionará o mercado de carbono?
“De maneira geral, por meio desse instrumento, o governo estabelece limites de poluição para os setores da economia que apresentam os maiores índices de poluição atmosférica, isto é, que emitem mais gases de efeito estufa, e, com isso, contribuem para o aquecimento global e para as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, por se tratar de um sistema de comércio, abre-se a possibilidade de troca (compra e venda) de certificados de redução de emissões e de créditos de carbono”, explica Tatiana.
A partir deste mecanismo será institucionalizado um mercado onde as empresas que não conseguirem se manter dentro dos limites legais de poluição poderão comprar créditos de poluição.
“Obviamente, os créditos de poluição não fazem desaparecer a emissão efetivamente lançada à atmosfera. O que acontece é que o ‘orçamento de carbono’ da empresa ou do setor é ‘esverdeado’ pelo abatimento contábil da poluição gerada via a aquisição de créditos de carbono”, conta Oliveira, sinalizando que a engenharia para o funcionamento de um sistema como esse é complexa e não combate o desmatamento, efetivamente.
Regulamentação sem participação popular
Além de atender aos interesses do agronegócio e ignorar o meio ambiente e a população brasileira, o PL 412 que regulamenta o mercado de carbono, cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) sem ampla participação popular.
O Grupo Carta de Belém que acompanha a agenda climática global e a montagem da arquitetura de financeirização da natureza desde 2009, quando o assunto começou a ganhar projeção internacional; denuncia a exclusão da participação de organizações populares no processo de elaboração da normativa, já que a mesma impactará diretamente na vida e no território dessas populações.
As organizações do campo popular do Grupo Carta de Belém se posicionaram sobre a medida no documento divulgado como “Parecer dos Povos sobre a Proposta para Criação de um Sistema de Cotas e Comércio de Poluição no Brasil”, após um longo debate sobre o tema.
No parecer, as organizações populares chamam atenção para a falta de diálogo sobre a construção do mercado de crédito de carbono, que denominam como “Sistema de Cotas e Comércio de Poluição no Brasil”. Considerando que uma medida como essa não deveria ser reduzida apenas aos especialistas da academia, da sociedade civil e da iniciativa privada. E reafirmam que o tema precisa ser discutido com os movimentos sociais do campo, das águas, florestas e cidades.
Falta participação social nas definições e também nas construções. É uma linguagem de uma perspectiva muito distante do que os territórios também têm construído no âmbito da conservação dos biomas, que não segue a lógica da financeirização da natureza”, assinala Bárbara Loureiro, coordenadora do Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis do MST.
Impactos do comércio de poluição
A coordenadora também cita que o projeto aprovado do mercado de créditos de carbono desvia as reais causas da crise ambiental.
“Primeiro, porque ele reduz todo o problema dos impactos da crise ambiental apenas à emissão de carbono na atmosfera. E esse sistema aprovado no Senado apenas regula uma prática poluente e predatória de um modelo de produção e consumo emissor de CO2. Ele não mexe em nenhuma estrutura fundamental de mudança de padrão de produção e consumo desse sistema hegemônico”, comenta Bárbara.
Segundo ela, há todo um contexto de disputa na sociedade sobre quais setores precisam ser incluídos ou não nessa regulação.
Então isso já demonstra a fragilidade desse PL aprovado, ao não incluir dentro de uma regulação o principal setor emissor de CO2, que é o agronegócio e sua prática predatória de ampliar o desmatamento e as queimadas”, salienta Loureiro.
Além disso, a coordenadora explica que há um contexto bastante importante, que se relaciona com a pauta da reforma agrária e dos assentamentos, mas também com os demais territórios indígenas, quilombolas e camponeses, em relação à situação fundiária.
“Nós já vivemos no Brasil um contexto histórico e muito vulnerável de acesso à terra e ao território, de reforma agrária, de demarcação e reconhecimento dos territórios. Então, o fato de a gente não ter a questão fundiária bem construída como um direito fundamental dos povos do campo, você permite também que esse mercado possa atuar em uma perspectiva de especulação imobiliária, de grilagem de terras, na lógica de transformar em a natureza em ativo financeiro, como o carbono que é capturado pelas florestas”, conta Bárbara.
Isso porque o carbono tem um lastro. Ele depende da terra e do território também para ser sequestrado e não pode ser reduzido às suas emissões.
“E essa terra e território, tem gente vivendo e habitando há muito tempo. Então, o projeto como um todo não está vinculado a um processo de proteção e ampliação dos direitos desses povos do campo, das águas e das florestas. Então há um impacto bastante importante, sobretudo com esse público”, expõe Loureiro.
Em concordância com essas preocupações, Tatiana Oliveira descreve a dimensão em que este problema pode chegar.
O risco de um projeto de lei como esse fragilizar ainda mais os direitos à terra e território no país, contribuindo para a concentração fundiária, grilagem de terras e expulsões é alvo de análise e denúncia não só no Brasil, mas em diversos países do Sul Global.”
Esse aspecto da discussão não tem tido a seriedade necessária pelos proponentes do projeto, incluindo o Executivo, que formou um grupo interministerial para debater a proposta.
“O projeto de lei não veda o acoplamento do mercado voluntário de carbono ao mercado regulado de carbono, que está sendo proposto agora pelo governo. Essa vinculação é preocupante porque impulsiona processos graves de violação de direitos já conhecidos cujas principais vítimas são povos indígenas, comunidades tradicionais e camponesas”, destaca Tatiana.
*Editado por Solange Engelmann