Aromas de Março
É necessário reescrever a história da mulher e da jovem Sem Terra
Por Sara Ferreira Cabreira*
Da Página do MST
A história nunca foi gentil com as mulheres. Hoje tampouco temos a gentileza também ao nosso favor, mas nós, quando organizadas em movimento, com a expressão do ser mulher, transmitimos toda a nossa verdade.
Uma vez ouvi uma história em um encontro de mulheres… uma companheira contou que, em uma vivência no front da luta das mulheres Sem Terra, ela se viu dizendo ao policial que elas eram apenas mulheres se defendendo e que a polícia deveria deixá-las passar e que ele respondeu: “vocês não são qualquer mulheres”. Dá um certo orgulho escutar isso.
A história nunca foi gentil com as mulheres. A nós mulheres restou nosso corpo, que é nosso lar, que também é lar de muitos sentimentos distantes, doidos, insurgentes, resistentes e pacientes.
A força da mulher Sem Terra é passada para muitas outras, transmitida de geração em geração, de luta em luta, das mulheres às jovens, meninas que compõem este nosso Movimento.
Aprendemos que quando nos depararmos com a dura realidade, temos um horizonte a conquistar, e por isso, resistimos contra o capitalismo, resistimos contra o machismo, impregnado nos corpos e mentes de nossos companheiros. Quando são os nossos que nos violentam sentimos como se andássemos um passo pra frente e um passo para trás.
É angustiante pensar que a sociedade, por vezes, repõe suas movimentações e os ciclos de violência parecem se repetir contra as mulheres. A resposta para a melhora da vida das mulheres, jovens, crianças e adultas presentes hoje no campo, nas águas e nas florestas não é uma resposta única, mas um caminho de resistência contínua, porque a história nunca foi gentil com as mulheres, mas nós mudamos a história cotidianamente, invisivelmente.
A gente que vive no campo, sempre interferiu na natureza com a produção, mas a natureza social quase sempre foi a mesma, reprodutiva e submissa para com as mulheres, nós, sem as outras, ficamos isoladas.
É necessário reescrever a história da mulher e da jovem Sem Terra, porque nós precisamos ser mais gentis com nossa história, com nosso querer, amar e viver.
Nós não seremos gentis com a história patriarcal e racista quando a reescrevermos.
Um dia escutei em uma mística a frase: “o nosso corpo é uma arma e eles não suportam a nossa alegria rebelde”. Essa frase me emocionou, porque faz tanto sentido a nossa alegria incomodar, porque, no limite – a nossa alegria rebelde é o que nos faz resistir, nos empoderar e nos amar, porque o corpo é a nossa arma, mas também o nosso lar.
Se hoje é dia de luta, o futuro a nós pertence!!
Entre os dias 13 e 17 de outubro, as juventudes do campo, das águas e das florestas articuladas politicamente em movimentos sociais unificados na VIA CAMPESINA BRASIL estará reunida em Brasília. Compreendendo que nesse momento de reconstrução da democracia é necessário que as juventudes camponesas, muitas vezes marginalizadas, invisibilizadas e anuladas nas políticas públicas, se mostrem como ator político com sede e fome de participação e transformação.
O acampamento tem como objetivo projetar processos concretos de luta, para contribuir com a organização da juventude nos territórios, no campo e na cidade, denunciando o projeto de fome imposto à classe trabalhadora, o genocídio da juventude negra e a criminalização dos movimentos populares pela extrema-direita, que tem concentrado suas forças no legislativo e judiciário. Também pretende denunciar o avanço do agronegócio na exploração e destruição dos bens comuns da natureza que resultam em desastres ambientais, mudanças climáticas, e uma profunda crise ambiental.
Reescrevendo a história das mulheres, através das lutas do presente, nosso acampamento pretende se construir como um espaço de respeito pelas pessoas, por sua dignidade, sua moral e integridade é um princípio fundamental em que se baseiam os direitos humanos, o assédio sexual, a exploração e os abusos ofendem a dignidade humana e são forma de discriminação contra os indivíduos e os coletivos.
Não toleraremos mais qualquer tipo de violência patriarcal, LGBTI+fóbica, racista! E ao gritarmos “Juventude em Luta: Por Terra e Soberania Popular!”, nós, jovens mulheres Sem Terra, carregamos conosco a alegria rebelde destas mulheres, que não são qualquer mulheres, são as mulheres com as quais ousamos reescrever a história, na luta pela emancipação humana.
*Militante do Coletivo Nacional de Juventude do MST-RS, em colaboração com o Setor de Gênero
**Editado por Erica Vanzin