Comida de Verdade!
Mobilizações do MST pautam a criação de novos assentamentos para combater a fome no país
Por Solange Engelmann e Mariana Motta (ES)
Da Página do MST
Como parte da resistência ativa e busca pela sobrevivência em áreas provisórias e em disputa com os latifúndios pelos país, milhares de famílias Sem Terra, que vivem em acampamentos do MST, produzem e comercializam alimentos saudáveis paralelo ao processo de luta pela terra, como pode ser comprovado em acampamentos capixabas.
Militante do MST e acampado no acampamento Índio Galdino, no município de Aracruz (ES), Rodrigo Gonçalves afirma que “uma das tarefas dos acampamentos produtivos é denunciar o agronegócio das papeleiras que em sua expansão no Espírito Santo, que grila terras indígenas, quilombolas e da população local, inclusive com apoio do judiciário e legislativo no estado.”
Entre os dez acampamentos do MST no Espírito Santo, sete estão em áreas de disputa com a empresa Suzano. São eles os acampamentos Índio Galdino e Padre Gabriel em Aracruz, Egídio Brunetto, Paulo Damião 1 e 2 em Linhares, Fidel Castro em Pinheiros e Aguinaldo Pereira Prates, em Montanha.
Os acampamentos produtivos tem se tornado uma nova metodologia de organização nos latifúndios ocupados pelo MST, que buscam aliar a luta pela a terra com a produção de alimentos saudáveis, melhorando a condição de subsistência das famílias acampadas e ampliando o diálogo com a sociedade, quanto à importância da Reforma Agrária para o combate à fome e o desenvolvimento do país.
Nesses acampamentos, a produção é destinada para o autoconsumo das famílias acampadas e o excedente vai para a comercialização nas feiras livres, em outras formas de comércio local e em ações de solidariedade, em que são doados alimentos à família em situação de vulnerabilidade social e fome, nas periferias de centros urbanos e rurais.
Essas áreas de acampamentos do MST vem cumprindo o que o agronegócio não tem tido a capacidade de realizar no país, a produção de alimentos para abastecer os comércios locais, o mercado interno de comida, bem como fornecem alimentos às populações com fome e em situação de venerabilidade, auxiliando no combate à fome no Brasil. Diante disso, torna-se tão necessária a destinação desses territórios ocupados pelas famílias Sem Terra, para fins de reforma agrária pelo governo federal.
Por isso, para a produção em alimentos em quantidade suficiente e de boa qualidade, é preciso garantir que terras que não cumprem a função social e muitas vezes são dedicadas ao monocultivo de commodities possam ser destinadas à Reforma Agrária Popular, permitindo que as famílias Sem Terra tenham acesso a essas terras onde possam cultivar alimentos de forma sustentável, garantir o próprio sustento e contribuir para a produção de comida suficiente em nosso país.
“Já está provado que o agronegócio não produz alimento. Mais de 70% da produção de alimentos do Brasil vem da agricultura familiar. Então, se o governo federal tem o compromisso de acabar com a fome no Brasil, a reforma agrária é fundamental, e pra isso é essencial que se assente as famílias acampadas. E nós, do MST, estamos dispostos com essa tarefa de produzir alimentos e desenvolver o campo brasileiro para ajudar a matar a fome dos 33 milhões de brasileiros, que estão na extrema miséria”, argumenta José Damaceno, da coordenação Nacional do MST.
“Por Terra e Comida de Verdade para o Povo”
Neste sentido, nesta segunda-feira (16), Dia Internacional da Soberania Alimentar, o MST realiza Jornada de Mobilização Nacional, por “Por Terra e Comida de Verdade para o Povo”, cobrando junto ao governo federal e aos governos estaduais o assentamento das famílias acampadas, com a criação de novos assentamentos e o investimento em políticas públicas para estruturação dos assentamentos e produção de alimentos, e o combate à fome por meio da Reforma Agrária no Brasil. A Jornada acontece até terça-feira (17), em todo país.
A mobilização ocorre em órgãos públicos, com negociações e um conjunto de ações de solidariedade, como a doação de alimentos, que em grande parte também são produzidos por famílias acampadas em áreas de ocupação, em que os Sem Terra vivem em barracas de lona, em situação provisória, aguardando o assentamento para fins de reforma agrária.
Ceres Hadich, da direção nacional do MST, explica que a Jornada pretende dialogar com o Governo Lula, a sociedade e a própria base Sem Terra sobre a centralidade da promoção e produção de alimentos no país para contribuir no combate à fome e gerar vida e dignidade no campo e na cidade. “O dia 16 é bastante simbólico, que demarca a visibilidade da luta pelo direito à alimentação e à alimentação saudável. A jornada tem objetivo de retomar, junto à sociedade brasileira e também com o governo esse debate de vincular a reforma agrária, o direito do acesso à terra, ao desenvolvimento dos territórios e à luta pela produção de alimentos saudáveis, consequentemente no enfrentamento à fome”.
Damasceno também ressalta que a realização da Reforma Agrária no país passa, principalmente pela aquisição de terras pelo Governo Lula, para assentar um passivo de famílias Sem Terra paralisado nos governos anteriores (Temer e Bolsonaro). Mas, para isso o governo precisa apresentar um Plano Nacional de Reforma Agrária de curto, médio e longo prazo.
“Outro elemento fundamental com relação à necessidade da reforma agrária no Brasil são as 65 mil famílias acampadas do MST em todo o Brasil. Esses acampamentos são de dez a trinta anos de espera. Então é importante que o governo apresente um programa para assentar essas famílias, num curto espaço de tempo, num plano de emergência. E além disso, o governo teria que apresentar uma proposta mínima, de assentar entre 200 mil a 100 mil família quatro anos”, destaca.
O dirigente argumenta que a desapropriação de novas áreas para a criação de assentamentos é fundamental para avançar na pauta da reforma agrária, com o cultivo de alimentos. “A reforma agrária cumpre um papel essencial para a produção de alimentos, pois, a família assentada gera emprego, gera renda e produz comida”, analisa Damasceno.
Após a criação do assentamento, para a produção de alimentos nos territórios de Reforma Agrária necessita-se de um conjunto de políticas públicas estruturais e permanentes para que isso se torne realidade e promova o desenvolvimento desses territórios. Nesse contexto, Ceres aponta que para resolver a problemática da fome no país pela raiz, a partir da reforma agrária, o Governo Lula precisa retomar e criar novas políticas públicas, onde for necessário, com impacto de médio e longo prazo.
A reforma agrária tem um impacto mais profundo porque permite a estruturação de cadeias produtivas, fortalecimento de territórios, comunidades e o impacto sobre a produção real de comida no país. Temos também indicado ao governo saídas mais emergenciais, como o fortalecimento dos programas que já existem de segurança alimentar, como o PPA [Programa de Aquisição de Alimentos]”.
– Ceres Hadich
E complementa: “outras medidas também podem ser criadas, como um plano de fomento para estimular a produção de comida, de incentivo financeiro aos agricultores, que possa abastecer os estoques da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], responsável pela regulação do preço, mas também de estoque da alimentação no nosso país”, destaca a dirigente.
Além de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento dos assentamentos de Reforma Agrária, Damasceno chama atenção para a necessidade de investimentos no desenvolvimento humano e cultural, para fomentar um programa mais completo para o campo brasileiro, nos territórios da Reforma Agrária Popular. “Passa pelo governo investir em elevar o nível cultural, educacional com investimentos no Pronera [Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária] para formar técnicos, em diversas áreas de nível médio e superior. Estimular a cooperação, com convênios com as universidades para elevar o nível de conhecimento da juventude camponesa, para contribuir no desenvolvimento dos assentamentos através do conhecimento técnico-científico”, defende.
Contudo, para Ceres a medida em que o Governo Lula consiga criar políticas emergenciais para a retomada dos assentamentos com políticas públicas emergenciais, de médio e longo prazo, será possível avançar na pauta da Reforma Agrária e no combate à fome no país. “Promover a reforma agrária pode ajudar o país a estrutura um plano mais profundo de soberania e segurança alimentar, políticas públicas de incentivo à produção e comercialização de alimentos, com o fortalecimento das agroindústrias.”
Produção diversificada
A espera da desapropriação e de políticas públicas de reforma agrária, nos territórios ocupados pelo MST as famílias exercitam a experiência de produção diversificada de alimentos, mesmo antes da conquista da terra e em pequenas áreas.
Além do aipim, que é a principal cultura, produzimos batata doce, banana, maracujá, abóbora, milho e hortaliças. A parte de criações de porcos e galinhas é para o consumo próprio e venda dos excedentes no próprio local”, fala com entusiasmo Eric Oliveira, militante do MST e acampado no acampamento Fidel Castro, em Pinheiros.
Portanto, os acampamentos produtivos do MST representam uma mostra de como essas políticas públicas, aliadas a realização de uma ampla reforma agrária no país podem se tornar uma potência na produção de comida saudável, geração de renda e combate à miséria no campo e nas periferias urbanas.
Os acampamentos produtivos também protagonizaram diversos momentos de ação de solidariedade de maneira especial durante a pandemia da Covid-19, com a doação de diversos alimentos produzidos pelas famílias acampadas no Espírito Santo, por exemplo, e em todo país. Porém, com a paralisação da reforma agrária, a criação de novos assentamentos torna-se ainda mais urgente, atualmente são mais 1.300 famílias acampadas na luta pela terra somente no Espírito Santo, em que os últimos assentamentos conquistados são de 2012, ou seja, há mais de dez anos.
*Editado por Fernanda Alcântara