Crise Ambiental
Ebulição ambiental e Pantanal: desafios, impactos e perspectivas para a sobrevivência
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
A biodiversidade do Pantanal, uma das maiores áreas úmidas do planeta, está enfrentando uma crise ambiental alarmante – e não é de hoje. Impulsionada pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas, esta emergência é resultado de diferentes políticas que tem impactos devastadores na fauna e flora da região.
O desmatamento descontrolado, alimentado pela expansão da fronteira agrícola e atividades ilegais, surge como o fator principal na degradação do Pantanal. Mas dizer que a remoção massiva da cobertura vegetal compromete habitats naturais é reducionismo quando falamos desta extração que resulta na perda de biodiversidade na região; pois associado a esse cenário, o aumento das temperaturas médias, consequência direta das mudanças climáticas globais, intensifica eventos extremos como secas prolongadas e incêndios florestais.
Estes incêndios já consumiram mais de um milhão de hectares do Pantanal em 2023, o triplo do registrado em 2022, de acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa/UFRJ). Somente nos primeiros 15 dias deste mês de novembro, foram 3.024 focos, o pior registro para o mês na série histórica desde 2002.
Esses fenômenos agravam ainda mais os desafios enfrentados pelo Pantanal, já fragilizado pelo desmatamento. Nos últimos anos, incêndios devastadores têm varrido vastas áreas do Pantanal. A seca prolongada, agravada pelo aquecimento global, proporciona condições ideais para a rápida propagação do fogo, comprometendo ecossistemas cruciais.
Em 2020, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelavam que o número de queimadas eram os piores já registrados desde o final dos anos 90. Entidades de preservação ressaltam que, infelizmente, a fiscalização por parte do poder público diminuiu, intensificando os desafios ambientais enfrentados pelo Pantanal.
Somente este ano, o fogo já queimou mais de 40 mil hectares, o que representa 37.7% do Parque Estadual Encontro das Águas, no Mato Grosso, segundo estimativas da plataforma do Lasa. O parque já perdeu 23,6% da cobertura vegetal somente em 2023.
Assim, a perda de biodiversidade é evidente, com espécies únicas e adaptadas ao ambiente pantaneiro enfrentando riscos iminentes de extinção devido à degradação do habitat. A morte em massa de animais, incluindo jacarés, capivaras e aves, é um triste sintoma da crise ambiental que assola a região.
Além da devastação ambiental, comunidades ribeirinhas e povos tradicionais que dependem diretamente dos recursos do Pantanal enfrentam desafios crescentes para sua subsistência. Especialistas e organizações ambientais enfatizam a necessidade de medidas imediatas para conter o desmatamento, promover a restauração de ecossistemas e fortalecer a fiscalização contra atividades ilegais.
Diante destas perspectivas, a Página do MST entrevistou a professora Solange Ikeda, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), no Mato Grosso, que estuda políticas ambientais de recursos hídricos e processos de mobilização social, ligados à conservação da biodiversidade e sociedades sustentáveis. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre desafios enfrentados pelo Pantanal em termos de ebulição ambiental e políticas ambientais, a importância das águas para o Pantanal e o impacto das políticas ambientais. Confira!
A ebulição ambiental no Pantanal serve como alerta urgente para a necessidade de ações concretas. O tempo para preservar esse ecossistema vital está se esgotando, exigindo a colaboração de todos para garantir um futuro sustentável para o Pantanal e suas comunidades.
Página do MST: Quais são os principais desafios enfrentados pelo Pantanal em termos de ebulição ambiental e políticas ambientais?
Solange: O Pantanal é uma planície de inundação inserida na bacia do rio Paraguai, conhecida por suas vastas extensões de água e pulso de inundação que determina toda a vida do local. Perder essas águas é dramático para o Pantanal, e isso já é uma realidade. Nos últimos dez anos, houve redução de chuvas na parte norte, diminuindo a massa e a superfície de água no Pantanal.
Em termos de políticas ambientais, mudanças no licenciamento e leis que não preservem as águas e a biodiversidade têm consequências para um sistema frágil, como a ampliação indiscriminada da lista de agrotóxicos.”
Como as políticas ambientais têm impactado a conservação da biodiversidade no Pantanal?
Políticas ambientais, de modo geral, tendem a conservar a biodiversidade, como as políticas de recursos hídricos e meio ambiente. Alterações nessas leis no sentido de afrouxamento resultam em degradação e ameaças ao sistema.
Como as questões de recursos hídricos se entrelaçam com os problemas ambientais enfrentados pelo Pantanal?
De forma direta, uma vez que toda a biodiversidade é regida pelas águas.
Como se dá a relação entre as comunidades locais e as ações de conservação ambiental no Pantanal, considerando o trabalho do grupo de pesquisa? Quais iniciativas de mobilização social podem ser apontadas na promoção da conservação da água e da biodiversidade no Pantanal?
As comunidades historicamente conservam o Pantanal, compreendendo e convivendo com o ciclo das águas. Estamos envolvidos em uma iniciativa de restauração sócio participativa, atuando junto às comunidades. Participamos de um pacto pela restauração do Pantanal, com a restauração e a agroecologia como ciência e bandeira dos movimentos sociais.
Em sua opinião, qual é o papel das políticas públicas na promoção de práticas sustentáveis no Pantanal, e quais são as lacunas que ainda precisam ser abordadas?
As políticas públicas, como concebidas, não são exclusivamente do estado, mas dependem da participação social. Se as vozes das comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores locais forem ouvidas, há a possibilidade de construir políticas públicas que levem à sustentabilidade.”
Essas comunidades viveram de maneira sustentável por centenas de anos, em harmonia com as águas do Pantanal. As políticas devem ser formuladas ouvindo essas vozes.
Diante dos desafios atuais, como você visualiza o futuro da ebulição ambiental no Pantanal e quais seriam as medidas prioritárias a serem tomadas?
A conservação das áreas que fornecem água para o Pantanal são cruciais. É necessário preservar o planalto, onde chove mais e tem as nascentes, para garantir água de qualidade na planície de inundação. Manter as águas na planície, sem drenagem e monoculturas, é essencial para a resiliência do Pantanal.
Infelizmente, em 2020, mais de 4 milhões de hectares queimaram, e em 2023, mais um milhão de hectares foi perdido nos incêndios.“
*Editado por Solange Engelmann