Segurança Alimentar
MST serve arroz e feijão para Conferência Nacional de Segurança Alimentar
Da Página do MST
Terminou nesta quinta-feira (14), a 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que ocorreu em Brasília, DF. Iniciada na última segunda-feira (11), a Conferência reuniu mais de duas mil pessoas. Representantes de organizações e movimentos sociais e de governos – federal, estaduais e municipais – participaram do evento, que apresentou recomendações para a elaboração do 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
“Vivemos uma sociedade capitalista, com raízes escravocratas e que nos deixa como herança uma das maiores desigualdades do mundo, com 33 milhões de pessoas com fome”, afirmou João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, durante discurso na Conferência.
“Para enfrentar esta tragédia é necessário um esforço de toda a sociedade”, afirmou o militante. Segundo Stedile, além de medidas de segurança, são necessárias medidas de soberania alimentar. “São medidas que dão condições para o povo produzir os alimentos que necessita em todas as regiões do Brasil”, apontou.
De acordo com Stedile, o agronegócio e o latifúndio não produzem alimentos. “Destroem a natureza, acumulam capital, produzem commodities, que não comemos no café da manhã”, explicou. Segundo o militante do MST, a Reforma Agrária é uma medida para reestruturar a propriedade da terra no país para que ela volte a ter a sua função primordial de produzir alimentos e proteger a natureza.
“Precisamos de um amplo programa de agroecologia, para além dos exemplos pontuais”, sinalizou Stedile. O militante afirmou ainda que alimento saudável para o povo só é possível com agroecologia e em escala.
Em sua plenária final, a Conferência lançou o “Manifesto da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional à Sociedade Brasileira sobre Erradicar a Fome e Garantir Direitos com Comida de Verdade, Democracia e Equidade”. Em seu conteúdo, destacou a importância da Reforma Agrária. “O Brasil precisa produzir comida de verdade. Realizar a reforma agrária popular, a reforma urbana e garantir os territórios indígenas e tradicionais, assegurando condições de vida digna e trabalho”, destacou o texto.
Além disso, deu ênfase à importância da agroecologia para a alimentação da população. “Urge a implementação de ampla transição agroecológica e transição energética com participação popular e justiça socioambiental”, apontou o Manifesto.
Entre outros itens, o documento apresentado pela Conferência aponta que os sistemas agroalimentares hegemônicos desconsideram os povos tradicionais, privatizam os bens comuns, além de gerarem fome e escassez, enquanto alimentos saudáveis são comercializados a preços caros e inacessíveis.
“O avanço da produção de commodities alimentares intensiva no uso de agrotóxicos e transgênicos, voltada para o mercado externo e a indústria de alimentos, sobretudo de ultraprocessados, provoca erosão genética, empobrecimento nutricional, comprometimento das culturas alimentares, degradação da sociobiodiversidade, contaminação dos solos e das águas, concentração fundiária, conflitos agrários, fome e agravamento da crise climática”, denuncia.
Por outro lado, o Manifesto defende a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), um preço justo ao consumidor e produtor pelo alimento saudável, políticas públicas para promoção de uma alimentação adequada.
MST forneceu arroz e feijão para Conferência
Trinta e oito anos antes da 6ª Conferência, 1985, em Fraiburgo, no oeste de Santa Catarina, famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizaram uma ocupação de terra que, no ano seguinte, se tornou o assentamento União da Vitória. “Chegando na terra, as famílias começaram a produzir feijão”, conta Miguel da Silva, morador do assentamento e que participou das lutas na década de 1980.
No entanto, Silva destaca que a produção logo enfrentou um primeiro problema: a comercialização. “Foi um momento muito difícil porque as famílias vendiam sua produção para atravessadores sem nenhuma garantia”, lembra.
“Em 1987, as famílias assentadas resolveram criar uma Cooperativa para tentar resolver esta questão”, conta o assentado. Assim, surgia a Cooperativa dos Assentados da Região do Contestado – Coopercontestado.
“Com a Cooperativa, resolvemos então criar uma agroindústria de beneficiamento e comercialização do feijão”, aponta Miguel da Silva, que também é dirigente da Cooperativa. Desta forma, a Coopercontestado beneficia o feijão produzido pelas famílias assentadas utilizando a marca Terra Viva, que pertence à Cooperativa Central da Reforma Agrária em Santa Catarina.
“Hoje, 80% do feijão vem das famílias assentadas vinculadas à Cooperativa”, explica Silva. Com isto, a Cooperativa tem condições de garantir uma renda digna às famílias associadas. “Além de trabalharmos a produção do feijão, trabalhamos também a conscientização e proteção da natureza, alertando, principalmente, para o uso de agrotóxicos”, ressalta.
Em 2023, o feijão produzido pelas famílias da Coopercontestado foi servido na 6ª Conferência. Além do feijão, o arroz do MST também serviu de alimento para a atividade. Ao todo, cerca de 1,5 toneladas de arroz orgânico da marca Terra Livre Agroecológica, produzido no Rio Grande do Sul, e o feijão orgânico Terra Viva, foram preparados no evento.
“Apesar da situação difícil que nossas famílias passam no Rio Grande do Sul por conta das últimas chuvas no estado, fizemos questão de garantir que esse alimento chegasse até esta importante Conferência”, afirma Diego Moreira, da direção nacional do Setor de Produção do MST.
De acordo com o dirigente, a produção de arroz e feijão do MST em escala só é possível por conta da estratégia de agroindustrialização do Movimento. “O Estado brasileiro tem um papel muito importante na implementação de uma política de Reforma Agrária e de agroindustrialização, pois é somente assim que conseguiremos alimentar todo o povo brasileiro”, destaca Moreira.
Área plantada de arroz e feijão diminuiu no Brasil
No Brasil, ainda há 21 milhões de pessoas que não tem o que comer todos os dias. Além destes, mais de 70 milhões de pessoas estão em algum nível de insegurança alimentar. É o que indica o relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), organizado por agências vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU).
Contudo, mesmo com este cenário e o arroz e feijão serem itens básicos do prato das famílias brasileiras, a área plantada de ambos tem diminuído significativamente nos últimos anos.
“Tem muitas espécies ameaçadas de extinção no Brasil e o arroz e feijão são uma delas”, afirma Diego Moreira. Segundo o dirigente, o agronegócio tem ação direta neste cenário. “Em função do monocultivo do agronegócio, cada vez mais a área plantada de arroz e feijão está menor”, explica.
Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), IBGE e Ministério da Agricultura, em 16 anos, a área de plantio de arroz caiu 44% e o feijão reduziu 32%. Se, em 2006, o arroz era cultivado em pouco mais de 3 milhões de hectares, esta área passou a ser de 1,6 milhões em 2022. No caso do feijão, a área passou de 4,1 milhões de hectares em 2006 para 2,8 milhões em 2022.
A maior parte desta diminuição se deu em função da expansão do monocultivo de soja e milho pelo agronegócio. No mesmo período (entre 2006 e 2022), a área plantada de soja cresceu 86% (passou de 22 milhões para 41 milhões de hectares) e o milho 66% (de 12,8 milhões para 21,4 milhões de hectares).
E se depender do agronegócio a tendência é que estas variações se mantenham até 2030. Durante a gestão Bolsonaro, o seu Ministério da Agricultura publicou o relatório “Projeções do Agronegócio”, em que há a previsão de redução de área de arroz em 60%, com estimativa total de somente 600 mil hectares plantados. Já o feijão teria um terço de redução da área total, passando para 1,8 milhão de hectares.
Segundo Diego Moreira, este contexto vai contra a estratégia de combate à fome do governo Lula. “Para um país que quer combater a insegurança alimentar e a fome, ter os dois itens principais do prato das famílias ameaçados é uma grande contradição”, destaca.
*Editado por Fernanda Alcântara