Conquista da Terra
Vitória da agroecologia! MST conquista assentamento para 63 famílias em Castro (PR)
Da Página do MST
Esta sexta-feira (15) foi um dia de grande emoção e celebração para o povo Sem Terra no Paraná. Mais de 500 pessoas participaram da celebração pela conquista do assentamento 100% agroecológico Maria Rosa do Contestado, em Castro, região dos Campos Gerais do Paraná.
A área pública da União que antes era explorada pelo agronegócio de forma ilegal e com uso de veneno, agora torna-se um assentamento da Reforma Agrária com certificação 100% agroecológica. Após 8 anos desde a formação do acampamento, este é o primeiro assentamento da reforma agrária criado no estado durante o primeiro ano do terceiro governo Lula.
A comunidade ofereceu churrasco e almoço gratuito a centenas de militantes do MST de todo o estado, autoridades federais, estaduais e locais, e aliados e amigos das 63 famílias assentadas. A atividade também marcou o encerramento do Encontro Estadual do Movimento do MST, iniciado no dia 13, também na sede da comunidade, a antiga fazenda Capão do Cipó.
Participaram da celebração o Bispo da Arquidiocese de Ponta Grossa, Sergio Arthur Braschi; o superintendente do INCRA-PR, Nilton Bezerra Guedes; a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores e deputada federal pelo Paraná, Gleisi Hoffmann; o deputado estadual Professor Lemos; a vereadora de Curitiba, professora Josete; Maurício Kusdra, vereador de Castro; o professor e coordenador do Plantear – Coletivo Planejamento Territorial e Assessoria Popular da Universidade Federal do Paraná, Jorge Montenegro; além de autoridades estaduais, regionais, membros de universidades e organizações parceiras e amigas/os do MST.
A produção de alimentos saudáveis é a grande marca da comunidade, como conta Célio Meira, produtor agroecológico, integrante da coordenação da comunidade Maria Rosa e dirigente estadual do MST: “A emoção é muito grande pela efetivação do assentamento. A nossa cooperativa a partir do acampamento Maria Rosa do Contestado já tem garantia de renda de centenas de famílias castrenses nesse momento, então é um simbolismo muito grande, uma satisfação imensa, imensurável o valor e a conquista que isso representa”.
Após anos de congelamento da reforma agrária no Brasil, a efetivação do primeiro assentamento no Paraná trouxe muita emoção e reacendeu a esperança para as centenas de camponeses e camponesas Sem Terra. Dilce Noronha, integrante da Direção Estadual do MST e moradora do acampamento Chico Mendes, em Matelândia – uma das 83 áreas que lutam pela efetivação da reforma agrária no estado -, explica a importância da conquista celebrada hoje:
“Para o MST, o assentamento Maria Rosa é o reconhecimento desse projeto, que é um projeto de vida que vocês [famílias da comunidade] construíram aqui ao longo desses 8 anos. Também não é um projeto de vida só pra vocês, é um projeto de vida para a sociedade como um todo, principalmente para nós da classe trabalhadora do campo e da cidade”, afirma se referindo à produção de alimentos saudáveis para toda a população, um pilar central da atuação do MST em todo o Brasil.
O superintendente do INCRA-PR, Nilton Bezerra Guedes, garantiu haver um esforço institucional para acelerar a efetivação das mais de 80 áreas de acampamentos no estado, por uma decisão institucional do governo federal. “Todos os processos de obtenção de área estavam arquivados e os acampamentos eram tratados como criminosos, e já estavam excluídos do processo de reforma agrária, Graças a decisão do povo brasileiro de mudar os rumos do país e de colocar o presidente Lula de volta, que a gente está fazendo parte do governo e muita coisa já mudou. Uma delas é realmente fazer esses todos esses processos andarem”, se referindo aos acampamentos.
“A gente vai dar o máximo que a gente puder para poder avançar […]. A gente quer fazer diferente, quer o Incra mais próximo de vocês, mais presente, considerando cada um vocês como deve ser”, disse, ao lembrar das 22 assembleias populares já realizadas no Paraná, com participação massiva em diversas cidades. “Se não houvesse o movimento, e não houvesse vocês, não haveria reforma agrária, porque é uma política em disputa”, garantiu. Também estava presente na festa o ex-presidente nacional do Incra, Celso Lacerda.
Bispo de Ponta Grosso é homenageado
O Bispo da Arquidiocese de Ponta Grossa, Sergio Arthur Braschi, foi um dos homenageados durante a celebração, ao ser recebido pelas crianças da comunidade, que traziam bandeiras do Brasil e do MST. Ao longo dos 8 anos de resistência da comunidade, Dom Sérgio celebrou missas no local e esteve junto com lideranças camponesas em reuniões com o governo federal em Brasília, em 2019, período de acirramento das ameaças de desejo.
Dom Sérgio agradeceu a Deus e às lideranças locais do MST e também as falas da comunidade Maria Rosado Contestado “que não desistiram, não desanimaram, continuaram lutando, continuaram acreditando, às vezes errando e muitas vezes acertando”. E completou, valorizando a diversidade de alimentos livres de veneno produzidos pela comunidade, representados em frente ao palco.
“Isso aqui que está aqui na frente é muito importante, que é o dom de Deus, que é o fruto da Terra, do trabalho e da luta das mãos das mulheres, dos homens que trabalham e produzem para levar para as merendas escolar, para as escolas do município. E no tempo da pandemia, quanto alimento foi partilhado, partilhado com amor, foi muito importante para fazer esse alimento chegar às pessoas”, afirmou durante a celebração.
Cooperativa dos Trabalhadores Rurais da Reforma Agrária Maria Rosa Contestado (Confran) foi criada em 2016 e fortaleceu a produção e comercialização de forma cooperada, melhorando a renda de 157 sócios, abrangendo também famílias de outras comunidades do MST na região. É a partir dela que a comunidade organiza a entrega de alimentos agroecológicos para o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) municipal de 42 escolas no município de Castro, PNAE estadual para 21 escolas da região. São alimentos saudáveis da Reforma Agrária chegando para crianças estudantes de escolas públicas.
Além de hortaliças, tubérculos e frutas, a comunidade também avança na produção de grãos. O feijão e o arroz já tem mercado garantido, parte vai para exportação. Em novembro deste ano, a comunidade festejou a primeira colheita do trigo, em 10 hectares, com produção de 20 toneladas. No próximo ano, a estimativa é ampliar a produção de grãos. A novidade para este ano é a entrega de alimentos para o programa Compra Direta, para entidades sociais de Castro e outros oito municípios da região, com a entrega de 60 toneladas de feijão no próximo ano.
O bispo também participou da inauguração da placa da comunidade e do plantio de árvores, que oficializou a criação do assentamento. A liderança ressaltou a necessidade de efetivar o assentamento de outras 83 comunidades da reforma agrária no estado, somando ao todo cerca de 7 mil famílias Sem Terra. “Então, vamos continuar lutando, unindo forças, toda sociedade, sociedade civil, pessoal de governos, dos movimentos populares, porque nós precisamos dar o exemplo de que dá certo, e de que nós precisamos de alimentos”. Até agora, nove assentamentos foram criados em todo Brasil neste primeiro ano do terceiro governo Lula.
Conquista do assentamento
A confirmação do assentamento das famílias ocorreu em uma audiência judicial, realizada no último dia 07, coordenada pelo juiz Antônio César Bochenek, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa. Nesta reunião, se firmou o acordo entre as famílias Sem Terra, o INCRA-PR, Superintendência do Patrimônio da União no Paraná (SPU), Defensoria Pública da União no Paraná (DPU), Centro de Treinamento para Pecuaristas (CTP). A homologação do acordo ocorreu nesta segunda-feira (11), e encerrou uma disputa que se estendia há oito anos.
A área de 450 hectares foi transferida para o INCRA, que fará a concessão de 150 hectares para a CTP e destinará o restante para o assentamento das famílias Sem Terra. Ainda como parte do acordo, 30% dos cursos oferecidos pelo Centro deverão ser voltados a beneficiários da Reforma Agrária.
Histórico de transformação da área
Antes de se transformar em local de moradia e produção de alimentos saudáveis, a área da União, conhecida como Fazenda Capão do Cipó, era usada ilegalmente pela Fundação ABC, entidade privada formada por cooperativas do agronegócio e pelo Centro de Treinamento Pecuário (CTP), também coordenado pelas cooperativas. Desde abril de 2014, havia um pedido de reintegração de posse por parte da União contra a Fundação, com multa diária de R$ 20 mil reais. Além de usar a terra de forma irregular, o Centro degradava o solo com o uso de agrotóxicos.
Nestes cinco anos a comunidade já alcançou muitas conquistas. Uma delas é a certificação 100% agroecológica e orgânica veio em 2018, pela Rede Ecovida. A comercialização é feita a partir da cooperativa da comunidade.
Em 2021, quase 100% das famílias acampadas já conquistaram o Cadastro de Produtor Rural (CAD-Pro). Com este cadastro, as famílias moradoras de áreas ainda não regularizadas tiveram suas atividades agropecuárias reconhecidas, passando a ter o direito de venderem formalmente os alimentos que produzem e a pagar tributos ao município. No mesmo ano, o Coletivo de Mulheres organizado na comunidade conquistou a agroindústria de produção de panificados, macarrão caseiro e beneficiamento de hortaliças.
A comercialização dos produtos é feita a partir de parceria com a Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESol) e o Laboratório de Mecanização Agrícola da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Lama/UEPG), o Mercado do produtor e a alimentação escolar de Castro, além de feiras. A iniciativa garante geração de renda e fortalecimento da participação e da autonomia das mulheres.
No Maria Rosa do Contestado, nove camponesas e camponeses são guardiões/guardiãs de sementes crioulas, e cultivam e preservam dezenas de variedades. Além disso, durante a pandemia da Covid-19, as famílias da comunidade se uniram para partilhar alimentos com moradores da cidade que enfrentavam a fome. Foram dezenas de toneladas de alimentos agroecológicos doados, somando com a grande campanha nacional de solidariedade feita pelo MST naquele período, que no Paraná ultrapassou as 1200 toneladas de alimentos.
“Aqui é o melhor lugar para criar uma criança”
A família de Rosângela Rosa Teles está entre 63 que foram assentadas no Maria Rosa do Contestado. Ela chegou na comunidade há sete anos com o esposo e dois filhos, e lá teve a terceira filha, que chama de “legítima Sem Terrinha”, por ter nascido em um território do MST.
“No começo falavam que a gente não ia permanecer, que não ia dar certo, daí a gente pensava de ir, mas na mesma hora ficava, e desde então a gente tá aqui até hoje e graças a Deus conseguimos, porque nós estava lutando e persistindo, nós conquistamos com muita luta e dificuldade”, conta, lembrando dos quatro primeiros anos vivendo em uma construção feita com lona preta.
“Agora nós construímos uma casinha melhor, por enquanto é de madeira, mas em vista do que era antes tá muito melhor. Tudo que nós plantamos, nós vendemos, vai para a merenda escolar, então tudo que é produzido a gente já sabe que vai ser vendido”, conta orgulhosa. A casa de Rosângela e de seu esposo, Daniel, foi uma das que recebeu a visita do Juiz federal Antônio César Bochenek, durante uma inspeção judicial realizada em novembro de 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19. Foi a primeira vez que um juiz federal visitou um acampamento do MST do estado.
E há muito o que melhorar: “O nosso sonho é ter uma escola aqui dentro, que fosse mais perto, a saúde e o ônibus pra levar as crianças, pois é muito longe. Meu sonho é crescer mais, produzir mais e vender as minhas verduras e ver meus filhos crescerem em um lugar que nem esse, é o melhor lugar para criar uma criança, eu já penso assim. O meu sonho daqui pra frente é evoluir cada vez mais”, completa Rosângela, que tem 31 anos.
Dona Irani Vieira mora na comunidade desde o início da ocupação, e produz de tudo um pouco: “a gente trabalha com verduras e hortaliças, e plantamos feijão, arroz, milho, e tem um pouquinho de tudo, tem galinha também”.
Ela fez parte do grande coletivo que preparou o almoço comunitário servido gratuitamente nesta sexta-feira, durante os festejos. “Foi muito gratificante a gente conseguir, porque foi com muita luta e peleja que a gente conseguiu, a gente ficou muito feliz essa semana, comemoramos muito, ajudamos bastante pra ter essa festa, pra ser bem bonita e veio bastante gente pra somar com a gente”.
A vida daqui para frente promete ser de trabalho na terra, com muita produção de alimentos saudáveis para consumo próprio e para comercialização: “É o meu sonho agora é tocar a vida, trabalhandinho, ter galinha, criar minhas vaquinhas de leite pra gente fazer queijo, ter leite e plantar feijão e milho e sobreviver da terra, mandioca, batata, tudo um pouquinho. Quero fazer meu lote muito lindo, de todas as plantações, de tudo um pouquinho, mas junto dos meus filhos. E agora precisa avançar também para as outras famílias que precisam, ainda tem muita gente acampada e que precisa da terra”, completou, lembrando as quase 7 mil famílias que seguem acampadas no Paraná.
Herdeiros do Contestado
O novo assentamento leva o nome de uma das lideranças da Guerra do Contestado, Maria Rosa, que comandou os caboclos após a morte do Monge José Maria, atribuindo-se a ela tanto o papel de liderança como o de vidente.
Aos 15 anos, em meio às orações, ela entrava em transe e tinha visões de batalhas. Após a morte do monge, ela passou a organizar os caboclos. Em 1913, Maria Rosa tornou-se a chefe-militar, comandando a retirada estratégica para o reduto de Caraguatá, após a primeira batalha em Taquaruçu.
A Guerra do Contestado foi a maior guerra civil camponesa, ocorrida entre 1912 e 1916, em uma área de disputa entre os estados do Paraná e Santa Catarina. Empresas estrangeiras entraram de forma violenta em território caboclo camponês, para avançar na exploração de riquezas naturais e implementaram a colonização europeia na região. Foi um conflito em que o povo humilde e pobre, unido, foi capaz de enfrentar os ataques das forças opressoras.
*Editado por Fernanda Alcântara