Luta pela terra
A transversalidade da questão racial na democratização do acesso a terra
Por Isy Sales
Da Página do MST
O que tem a ver a Questão Agrária com a questão racial? Por que o MST precisa debater a questão racial nas suas instâncias?
Essas foram algumas perguntas que provocaram o diálogo em torno da mesa “A transversalidade da questão racial na democratização do acesso à terra”, ocorrida durante na tarde desta quinta-feira (21), no 36º Encontro Estadual do MST na Bahia, no Parque de Exposições Agropecuárias de Salvador. O Encontro conta com a presença de 2 mil trabalhadores e trabalhadoras Sem terra de dez regiões do estado da Bahia.
Participaram do debate Lucineia Durães, da coordenação nacional do MST, Dr. Ailton Ferreira, assessor da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Governo da Bahia, e a secretária da pasta Fabya Reis. Com o entendimento de ser um tema estruturante da sociedade, o MST se propõe a incluir o debate do tema na programação do Encontro, nesse período histórico, com foco nas atividades rumo aos 40 anos de luta e resistência do Movimento, em um contexto de regressão da sociedade que recentemente tem avançado com o fascismo e o autoritarismo, ameaçando os direitos conquistados e a naturalização das violências.
Segundo a secretária Fabya Reis, o processo de Colonização formatou o Brasil de hoje. “As elites agrárias e colonialistas planejaram esse futuro para nós, por isso a questão racial e a questão da luta pela terra não pode ser vista de forma separada. Pensar em um outro projeto de país é pensar o enfrentamento ao racismo e às desigualdades”, explicou.
Ela afirmou ainda que “se o racismo é uma questão estrutural [citando o ministro dos Direitos humanos, Silvio Almeida e tendo como referências Milton Santos e Florestan Fernandes] temos que pensar em políticas também estruturantes, como educação, acesso à terra, saúde, a fim de reverter as consequências do processo de escravização.”
O colonialismo no Brasil de hoje
O racismo que estruturou o Brasil, formatou privilégios ainda hoje. Nesse sentido, a mesa realizou um resgate histórico da herança colonial, de homens e mulheres sequestrados de África, colocados em situação de mercadoria e explorados, tendo como base, a ausência de reparação histórica do Brasil, onde os negros são a maioria (60%) da população, e ainda mais na Bahia, aonde 80% da população é negra, mas é pouca a representação nos espaços de poder e de decisões.
Lucinéia Durães provocou uma reflexão a partir da necessidade de trabalhar as lutas na contramão dessa realidade. “A prática do MST na Bahia sempre foi norteada pelo protagonismo do povo preto. Nosso primeiro dirigente nacional foi um homem preto e os atuais também são, nosso primeiro candidato eleito deputado também é um homem preto.”
Durães acrescentou ao debate o questionamento de que a reforma agrária clássica não foi feita no Brasil, justamente porque a majoritária parte da população sem-terra era formada pela população preta e sua superexploração era justificada. O Dr. Ailton complementa essa hipótese, quando afirmou que “é importante reconhecer que a terra e as desigualdades justificaram a escravização dos negros e que na atualidade ainda repercutem esses processos de exclusão”.
“A população negra desde a Lei de Terras é a mais excluída do acesso à terra no Brasil, então a luta do MST é fundamental para combater essa exclusão”, afirmou Ailton.
Parabenizando a iniciativa do MST no estado, de por em debate a questão racial, o assessor lembrou também de Milton Santos, homem preto e baiano, que foi um dos intelectuais que mais estudou as consequências dessa exclusão ao mostrar a forma desorganizada com que as cidades cresceram após décadas de negação do acesso à terra, principalmente para a população preta.
Reforma Agrária Popular na luta antirracista
O projeto de Reforma Agrária Popular do MST lança as bases para o enfrentamento às violências, entre elas o racismo, o machismo, com uma proposta de distribuição de terra para as coletividades, para a produção da vida, a partir da luta contra o modelo do agronegócio exportador.
Inclusive não é por acaso, que as denúncias e notícias de resgate de trabalhadores e trabalhadoras em situação análoga a escravidão, vitimadas pela falta de uma política de Reforma Agrária no Brasil, refém das mazelas do sistema e do seu principal modo de produção que é o agronegócio, tem crescido nos últimos anos.
A centralidade da Reforma Agrária Popular propõe uma aliança de classes com os povos indígenas, quilombolas, para incomodar a sociedade e radicalizar a democracia, pois a democracia clássica não nos serve. “Aqui estão reunidos homens e mulheres pretos e pretas, que se somam nessa perspectiva de construção coletiva, contra um sistema opressor que nos coloca em situações de vulnerabilidade”, concluiu Durães.
*Editado por Carolina Sisla