Coluna
Semeando a emancipação
Por Leonardo Melgarejo
Do Brasil de fato
Nesta semana, apenas um dia depois de relembrarmos a data do martírio de nosso maior herói, o guerreiro Sepé Tiaraju, aquele que dizia “esta terra tem dono”, a PF deflagrava operação que vai desmascarar, desmontar de vez o universo paralelo do rebanho bolsonarista e prender seu líder, nosso maior traidor, aquele que se empenhou em desmoralizar esta Nação perante o mundo civilizado e liderou a semeadura de ódios que ainda separa irmãos e primos em todas as famílias deste pais, o MST-RS encerrava com festa seu 20º Congresso Estadual.
MST enfrenta o aquecimento global honrando seus fundadores com o plantio de 100 milhões de árvores“.
A evidência que une estes fatos está naquele ensinamento que acompanha a humanidade desde que a consciência emergiu entre nós: ninguém faz coisa alguma, sozinho/a; em tudo há semeadura e, principalmente, nesta vida se colhe o que se planta.
E aí estão as evidências.
20º Encontro Estadual do MST/RS reuniu 600 pessoas na Fazenda Annoni. Fotos: Leonardo Melgarejo
Sob a luz da lua gravada na testa de Sepé, ao mesmo tempo em que os golpi-fascistas, em xororô infantilizado encaram seu próprio inferno, e Sepé ruma para a canonização, o MST/RS comemora em festa, com amigos, a maturidade de seus 40 anos.
Não é de empolgar? Uma festa pelas lutas e realizações de quatro décadas de construção coletiva e, vindo disto, o reconhecimento internacional de que, trabalhando unido nosso povo não encontra limites.
Uma festa pelas lutas e realizações de quatro décadas de construção coletiva. Foto: Leonardo Melgarejo
Sem Terrinhas também estavam presentes no encontro. Foto: Leonardo Melgarejo
Eles, por experiência, sabendo da dor dos que vivem no isolamento desesperador reservado pelo capitalismo aos milhões de excluídos, homens e mulheres brancos quase pretos de tão pobres, como cantou Caetano Veloso, chacinados e sob ameaças nas áreas de exclusão do Brasil, assim como no Haiti, na Palestina, na Venezuela, os condenados da terra como escreveu Fanon, não se conformam com isso. Querem ajudar inclusive aos que não percebem, mesmo diante do claro exemplo do MST, que só na solidariedade existem caminhos para a emancipação humana.
A festa do 20º Encontro reviveu histórias de semeaduras, trajetórias em permanente evolução e até por isso reveladoras de que, mesmo errando aqui e ali, as construções coletivas são poderosas, se retroalimentam e até por isso ajudam a demolir a ilusão de que, para os do povo, existirá qualquer possibilidade de evoluir sozinho.
Suas histórias nos mostram que na guerra surda entre o lucro e o amor, entre a defesa da vida e os conluios em favor da opressão, da discriminação e da manutenção de desigualdades, não podemos ser omissos. E assim, basta estar de olhos atentos àquela semeadura para que de repente, emerja clara a convicção de que precisamos evoluir, juntos, rumo à construção de uma solidariedade ampla, internacionalista, em horizonte temporal aberto e que abarque os direitos dos povos e da natureza, em respeito a todas as criaturas e espiritualidades.
O enfrentamento da crise climática e a união dos brasileiros de todos os territórios e cidades é parte do Programa Agrário do MST. Foto: Leonardo Melgarejo
Hoje, como produto das barracas de lona preta aí estão as mais de 185 cooperativas, 400 associações, milhares de centros educativos de primeiro, segundo e terceiro grau e toda uma nova geração de profissionais humanistas oferecidos ao mundo: professoras e professores, médicas/os, advogadas/os, biólogas/os, agrônomas/os, veterinárias/os, administradoras/es, agricultoras/es, em uma rede organizada em 24 estados e no DF. Aí está o reconhecimento da sociedade, que abraça seus símbolos, e se repara para colaborar com a implementação de uma proposta de trabalho coletivo com vistas ao ressurgimento do Brasil.
O Programa de Reforma Agrária Popular é um instrumento para garantia da soberania alimentar, proteção dos bens comuns, enfrentamento da crise climática e a união dos brasileiros de todos os territórios e cidades.
Olívio Dutra com o Programa de Reforma Agrária Popular, um instrumento para garantia da soberania alimentar. Foto: Leonardo Melgarejo
Não é propósito deste resumo ir aos detalhes do programa, todos/as/es estão convidados a buscar o texto e se assenhorar do que ali já está esboçado, a encaminhar sugestões e a se preparar para defender a implementação do resultado final, que será apresentado ao Brasil após finalizado, no 7º Congresso Nacional do MST, de 15 a 19 de julho, na Capital Federal.
Aqui cabem, tão somente, algumas imagens do encontro estadual, e destacar o que todos sabemos: Quando Lula amargava a prisão, naquele que parecia ser seu martírio, o MST esteve com ele. Durante a pandemia da covid e nos dramas que se sucederam após as catástrofes ambientais, o MST esteve conosco, trouxe alimentos, ajudou a estruturar cozinhas solidárias. Eles, os assentados, estão enviando alimentos para a Faixa de Gaza, mantém profissionais ajudando a construir processos de soberania alimentar no Haiti, na Venezuela, em Cuba, países da África…
Campanha nacional incentiva o plantio de árvores. Foto: Leonardo Melgarejo
Estão trabalhando pelo enfrentamento do aquecimento global, orientando o plantio de 100 milhões de árvores, entre outras iniciativas que não nos permitem esquecer: ali está o espírito humano e se todos nós entendemos que o tempo de vida de cada pessoa é por demais restrito para ser desperdiçado, há que reconhecer, mais do que Sepé e Santos Dumont (indivíduos excepcionais), os sem terra são como uma onda de luz, marcando a passagem de brasileiros pela história da humanidade.
Mística lembrou as mães palestinas que perderam seus filhos. Foto: Leonardo Melgarejo
Um exemplo a ser seguido com orgulho por todos que vivemos este período e que pudemos acompanhar a construção de um futuro onde todos serão beneficiados, inclusive aqueles hoje empenhados em atrapalhar o processo de emancipação popular.
Uma música, direto do 1º Festival Nacional de Músicas do MST 2023, por Toninho Sepo, de autoria dele e Marlos Fraga, Semente de Vida.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko