Soluções Ecológicas
Seminário Nacional destaca o papel da agroecologia para enfrentar as mudanças climáticas
Por Katia Marko
Do Brasil de Fato | Nova Santa Rita/RS
Em 2023 o Rio Grande do Sul foi atingido por eventos climáticos extremos, ocasionados por ciclones extratropicais e chuvas intensas. Um destes episódios aconteceu em novembro do ano passado, e afetou direta ou indiretamente 700 mil pessoas e diversas comunidades. Entre elas, assentamentos da Reforma Agrária de Eldorado do Sul e Nova Santa Rita.
Devido às perdas nas lavouras de arroz agroecológico, após 20 anos a tradicional Festa da Colheita não será realizada esse ano. No seu lugar, teve início, na manhã desta terça-feira (19), o 5° Seminário de Agroecologia e o 1° Seminário Nacional das Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos, no Centro de Eventos Olmiro Brandão, em Nova Santa Rita.
A organização é uma parceria da Prefeitura Municipal de Nova Santa Rita, Emater/RS, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) e Terra Livre.
Mística reforça a luta pela Reforma Agrária Popular
Na abertura, a mística trouxe elementos para subsidiar o debate do encontro. Para contrapor o agronegócio, o uso dos venenos e o alimento transgênico, a agroecologia e a produção de alimentos saudáveis são as alternativas. Os frutos dessa luta subiram ao palco, nas mãos de quem trabalha a terra, junto com as ferramentas e as mudas para reflorestar o planeta.
Mulheres e homens, idosos e jovens, participaram da apresentação, assim como os integrantes da Brigada Oziel Alves da Região Sul que está reunida no Instituto Educacional Josué de Castro.
Música, poesia e sonho da terra compartida e cuidada marcaram a abertura do seminário que segue até o final da tarde.
Autoridades destacam a necessidade de políticas públicas
Na mesa de abertura participaram o secretário da Agricultura de Nova Santa Rita, Everton Giacomelli; o integrante da Direção Nacional do MST Mauricio Roman; o presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap), Nelson Krupinski; o superintendente do Incra/RS, Nelson Grasselli; o vereador de Nova Santa Rita Ildo Maciel da Luz (PT), conhecido como Lebrão e morador com sua família no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita; a presidenta da Câmara de Vereadores de Nova Santa Rita, Débora Fabiane Oliveira da Silva (MDB); o deputado estadual Adão Pretto Filho (PT), também integrante do MST; e o prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella (PT).
Everton Giacomelli saudou a participação de todos e todas no seminário, destacando que “nós poderíamos estar em outro local no dia de hoje, na lavoura, fazendo a abertura da Festa da Colheita, mas não estamos porque os eventos climáticos não deixaram”.
Lembrou que em junho de 2023 teve a maior estiagem da cidade, depois uma grande enchente e final do ano um ciclone que destruiu boa parte do município. “Como tu produz alimento? Como consegue manter o agricultor no campo? Então decidimos fazer esse seminário para pensar essa situação e ser propositivo para pensar ações para construir uma sociedade mais justa e mais fraterna pra levar alimento saudável para todos.”
“Precisamos ter políticas públicas e mudanças estruturais”, afirma Mauricio Romam. Foto: Rafa Dotti
Mauricio Roman ressaltou a importância do seminário para “continuarmos a lutar e resistir no campo”. Também afirmou ser o primeiro debate do MST sobre as mudanças climáticas que vieram para ficar.
“Temos que achar soluções e para isso precisamos ter políticas públicas e mudanças estruturais. Estamos completando 40 anos, onde discutimos e planejamos como chegar na Agroecologia. Agora precisamos avançar”, completou o dirigente do MST.
Nelson Krupinski: “Vamos nos recuperar financeiramente, mas precisamos ter garantias para continuar plantando”. Foto: Rafa Dotti
O presidente da Cootap, Nelson Krupinski, lembrou que os agricultores ficaram muito impactados pelos eventos climáticos. “Conversamos com as famílias produtoras e decidimos que precisamos conversar com a sociedade, com o poder público. A gente não pode comprar do mercado o que nos é oferecido, temos que decidir nosso destino.”
Nelson relatou ainda que a enchente pegou de cheio os assentamentos, destruiu lavouras e hortas. “Não sabíamos se iríamos nos recuperar. Vamos nos recuperar financeiramente, mas precisamos ter garantias para continuar plantando. Também quero agradecer a quem largou o seu cultivo para estar aqui conosco pra debater.”
O superintendente do Incra/RS, Nelson Grasselli, também lamentou o momento e afirmou que a situação poderia ser outra. “Estivemos com o presente Lula, na semana passada, que fez vários anúncios para recuperar nossas cidades. Serão anunciados mais R$ 29 milhões. Hoje à tarde também faremos anúncios de iniciativas e o que de fato está sendo feito no Incra em Brasília. Estamos juntos nesta empreitada. Importante que desse seminário saia as proposições. Sei que o movimento está sendo protagonista em todas as regiões do estado para introduzir esse debate”, destacou.
O vereador Ildo Maciel da Luz recordou a luta no município para aprovar a lei contra as derivas. “Enfrentamos vários protestos dos arrozeiros e tivemos o pulso firme para aprovar na Câmara de Vereadores um projeto de lei que vai servir de exemplo para todo estado e quem sabe pro nosso país. Pra nós é muito importante estes seminários. Nós temos vereadores que defendem a agroecologia no nosso município, estado e país.”
Enfrentamento às pulverizações aéreas
A presidenta da Câmara de Vereadores de Nova Santa Rita, Débora Fabiane Oliveira da Silva (MDB), parabenizou a mobilização do MST para construir o seminário. “Esse grande evento pode ser levado como exemplo para outros municípios. Em eventos do agronegócio me perguntam se a produção orgânica existe, e eu digo que existe e vai ficar mais orgânica ainda, porque vamos acabar com as pulverizações clandestinas.”
Adão Pretto lembrou que seu mandato vai conceder a Medalha do Mérito Farroupilha a João Pedro Stedile representando o MST. Foto: Rafa Dotti
O deputado Adão Pretto Filho reafirmou seu compromisso com a Agroecologia, “esse tema tão importante e tão atual”. Segundo ele, o município e o estado vêm sofrendo muito com as mudanças climáticas. “Hoje é um dia para debater e apontar caminhos. E quero colocar nosso mandato a disposição.”
Adão apresentou projetos sobre o tema e um deles foi a proibição da pulverização aérea no estado. “Precisamos de uma transição agroecológica com uma produção mais sustentável que cuide da saúde do agricultor e do consumidor.” O deputado também ressaltou a necessidade de reconhecer aqueles que produzem o que é essencial para a vida de forma sustentável. “Por isso vamos conceder a maior honraria da Assembleia Legislativa para o MST, a medalha pra todos os agricultores e agricultoras que será entregue para o nosso representante João Pedro Stedile.
Por fim, o prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella, destacou que o município vem há muito tempo construindo políticas públicas para a agroecologia. Ele saudou a ex-prefeita Professora Margarete que iniciou esse caminho.
Prefeito Rodrigo Battistella destacou que Nova Santa Rita vem há muito tempo construindo políticas públicas para a agroecologia. Foto: Rafa Dotti
“Queremos debater e sair com encaminhamentos atualizados no nosso município. Em 2021 sofremos uma deriva, uma chuva de agrotóxicos nos nossos agricultores. Enfrentamos os donos do agronegócio e fomos pra Câmara de Vereadores e aprovamos uma lei. Trabalhamos na Secretaria de Agricultura para ter tudo de mais moderno para monitorar essas derivas. Tenho certeza que temos que fazer esse bom combate em todos os municípios.”
Também afirmou que a proposta do deputado Adão Pretto de proibir a pulverização aérea no estado terá seu apoio. “Tenho orgulho de ser prefeito da nossa cidade, é a cidade que mais cresce em população. Temos mais de 20 programas para o pequeno agricultor, responsável por mais de 80% das propriedades no nosso país. E quero agradecer o grande trabalho do secretário Emerson que é um ótimo gestor público.”
MST defende a Reforma Agrária Popular. Foto: Rafa Dotti
Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos
O painel da manhã debateu as Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos, com a participação de Andrei Cornetta, professor de Geografia da Unesp/Ourinhos; Bárbara Loureiro, da Coordenação Nacional do MST e da Coordenação do Plano Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis; e Alessandra Quines, defensora pública, substituindo a presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Marina Ramos Dermann.
Andrei Corneta pesquisa a questão ambiental e climática, procurando entender como ela se relaciona com a questão agrária no Brasil.
“Eu venho observando muito a questão de como as mudanças climáticas vêm sendo apresentadas para a sociedade de uma maneira como um consenso, um discurso universalista, e que isso traz uma certa alienação e uma certa despolitização desse debate”, ressaltou.
Andrei Cornetta é professor de Geografia da Unesp/Ourinhos. Foto: Rafa Dotti
Segundo ele, é preciso olhar para além das questões dos impactos que as mudanças climáticas têm gerado, que são extremamente preocupantes, para as questões políticas e econômicas. Ou seja, para aquilo que vem se propondo a colocar como soluções para os impactos das mudanças climáticas.
“A gente enxerga que o caminho que vem sendo proposto é pelas ações de tecnologia e os mecanismos de mercado, com uma espécie de compensação de emissões de gás de efeito estufa, e uma série de inovações tecnológicas que vêm surgindo na esteira desse processo, principalmente com a chamada transição energética.”
Então, segundo Andrei, há um foco muito grande na questão das emissões de gás de efeito estufa. Contudo se esquece de falar de outros impactos, por exemplo, de matrizes energéticas que vêm sendo consideradas como limpas, a exemplo da energia eólica. São opções que não emitem gás de efeito estufa como outras matrizes energética, como uma termoelétrica, por exemplo, mas vêm gerando uma série de impactos ambientais e sociais que até há pouco tempo eram conhecidos. “Esses impactos têm atingido principalmente populações rurais no Nordeste”, comentou.
Lembrou ainda outras questões que são preocupantes, como uma ressignificação econômica das florestas e como as florestas se converteram num grande sumidouro de carbono. “Transformando esse sumidouro de carbono em créditos de carbono para serem negociados nas bolsas de valores para quem? Para empresas ou para países que precisam compensar as suas emissões.”
“Então, tem surgido, por exemplo, casos de arrendamento de florestas e os territórios que abrigam as principais florestas no Brasil são os territórios indígenas, os territórios quilombolas, os assentamentos. São outras formas que a lógica do capitalismo tem penetrado nesses territórios”, completou.
Seminário lotou o centro de eventos Olmiro Brandão. Foto: Rafa Dotti
“A Reforma Agrária não é mais só a distribuição de terra”
O professor reforçou que o objetivo central que norteia a história do MST, a reforma agrária popular, e que tem como cerne a agroecologia, não é pensar a reforma agrária apenas como uma distribuição de terras. Vai além e propõr uma outra forma de uso dessa terra, um uso que atenta para uma complexidade da vida humana e da biodiversidade.
“Eu acho que neste momento histórico que nós enfrentamos uma chamada crise ambiental, crise climática, esse objetivo do MST tem um peso maior, porque ele também representa, para além de toda a dívida histórica que existe em torno da reforma agrária no Brasil, uma questão ambiental. Como uma espécie de agricultura contra hegemônica que não é aquela agricultura predatória, que esgota os recursos hídricos, que desmata, que produz meia dúzia de gêneros agrícolas.”
Para ele, a reforma agrária popular, tendo como cerne a agroecologia, os sistemas agroflorestais, o plano plantar árvores e produzir alimentos saudáveis que propõe plantar 100 milhões de árvores em todo o Brasil nos assentamentos, também representa um enfrentamento do campesinato, do MST, frente às mudanças climáticas.
“Muitas questões que não dizem respeito só aos impactos ambientais, mas relação com a política e a economia. Não será solucionada pela tecnologia apenas, mas pela política, e pra isso precisa politizar o debater e se posicionar enquanto classe”, concluiu.
“A crise climática está ligada ao modelo do agronegócio”
Bárbara Loureiro, da Coordenação Nacional do MST e da Coordenação do Plano Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis, apontou as verdadeiras causas das mudanças climáticas e as propostas do movimento para cuidar da terra.
“A gente vem apontando que as verdadeiras causas da crise ambiental, da crise climática, elas precisam ser cada vez mais denunciadas, porque elas estão intimamente ligadas ao modelo do agronegócio, da mineração, a forma como o capitalismo se organiza e produz a sua existência.”
Bárbara Loureiro, da Coordenação Nacional do MST, defende a massificação da agenda do cuidado com os bens comuns da natureza. Foto: Rafa Dotti
Segundo ela, essa agenda de exploração, de aumento da extração da natureza e de exploração dos trabalhadores, tem provocado muitas contradições. Isso tem impactado as periferias e a agricultura camponesa de forma direta no nosso país.
Assim como Andrei, Bárbara também defende a necessidade de avançar no enfrentamento às falsas soluções que são apresentadas por esse próprio modelo que provoca crise ambiental. “Essas falsas soluções verdes, o mercado de carbono, de uma transição energética que não atende a uma agenda de direitos. Pelo contrário, elas aprofundam os conflitos socioambientais e não resolvem as questões centrais.”
A dirigente afirmou que para superar essa crise ambiental, para atender aos interesses do povo brasileiro, é preciso um grande movimento envolvendo o campo, a cidade e um conjunto de articulações para cada vez mais massificar a agroecologia. “O cuidado com os bens comuns da natureza, o plantio de árvores no centro, é uma agenda que precisa ser massificada, radicalizada, como resposta concreta de enfrentar a crise ambiental que a gente tem vivido.”
Para isso, segundo ela, a reforma agrária popular precisa estar no centro do debate, “porque ela é uma agenda estrutural para a sociedade, é ela que permite a produção de alimentos saudáveis, com cuidado da natureza também”.
CNDH defende o Direito Humano à Alimentação Adequada
A defensora pública Alessandra Quines falou em nome da presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Marina Dermmam, que está numa agenda em Brasília.
Alessandra Quines constata que o Direito Humano à Alimentação Adequada é impactado pelas mudanças climáticas. Foto: Rafa Dotti
Ela lembrou da missão realizada pelo CNDH nos assentamentos de Eldorado do Sul e Nova Santa Rita no dia 17 de dezembro. Essas visitas nas cooperativas de produção agroecológicas estavam inseridas no projeto do Conselho de realizar missões sobre justiça climática, com intuito de elaborar um diagnóstico nacional sobre os impactos das emergências climáticas na realização de direitos humanos. “O caso do direito humano à alimentação é um excelente exemplo de como todos e todas nós somos atingidos climáticos, em menor ou maior grau”, salientou.
Dessa missão realizada no Rio Grande do Sul com foco nos impactos na garantia do direito à alimentação adequada foi gerado o relatório da Missão Justiça Climática – Eldorado do Sul e Nova Santa Rita. O documento, segundo Alessandra, pontua que o Painel Intergovernamental do Clima (IPCC), em seus relatórios de expressão global, reconhece o efeito das alterações climáticas sobre a produção de alimentos, do mesmo modo, a FAO-ONU aponta o impacto destas na produção de alimentos.
De acordo com o relatório, através do caso da produção de arroz agroecológico e hortaliças dos assentados do MST, constata-se que o Direito Humano à Alimentação Adequada é impactado pelas mudanças climáticas. “Faz isso ao inviabilizar a produção de alimentos de qualidade, diversos e ambientalmente sustentáveis. Por isso, comprova-se a necessidade de políticas públicas, de diferentes esferas da organização pública, que apoiem a produção familiar e agroecológica de alimentos, similares ao caso exibido.”
Na tarde foi realizado o painel Consequências do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente. Foto: Rafa Dotti
O debate continuou após o almoço, abortdando as Consequências do uso de agrotóxicos para a saúde e o meio ambiente, com Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz e membro do GT de Saúde e Ambiente da Abrasco, e Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo, membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. E foi encerrado com um ato solene.
Edição: Marcelo Ferreira