Solidariedade
Em meio a devastação, voluntários se unem na produção das Marmitas Solidárias do MST
Por Ana Clara Garcia Lazzarin – Setor de Comunicação e Cultura do MST no PR
Da Página do MST
No coração de uma das maiores crises ambientais do Rio Grande do Sul, um movimento de solidariedade tem se destacado: as marmitas solidárias preparadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em meio à devastação causada pelas inundações, voluntários do campo e da cidade têm se mobilizado para levar refeições saudáveis às famílias afetadas. Essas marmitas são mais do que apenas alimento; representam um gesto de solidariedade coletiva, onde a união faz a força, e a empatia se sobrepõem perante às adversidades.
Em meio a esses voluntários pessoas de diferentes lugares e vivências, pessoas que também tiveram que sair de suas casas, que mobilizaram suas vidas para ajudar nessa crise.
Um desses voluntários é Leonildo, morador do assentamento Filhos de Sepé, em Viamão – RS, que narra com pesar ter visto o capitalismo desenfreado e o agronegócio destruindo a natureza e acabando com o equilíbrio ambiental, acarretando em desastres como esse que presenciamos agora, mas também suspira com esperança de que ainda dê tempo de mudar a trajetória das coisas.
“E hoje nós estamos aqui, nessa catástrofe, nesse problema sério das chuvas, a natureza é sábia, ela não se vinga, a natureza é natureza, a gente destrói ela e a gente colhe os frutos disso, então a gente tá vendo isso. Mas a solidariedade faz com que dê para recuperar isso, o planeta, o mundo, é só na solidariedade, na organização que dá de entender que é possível o ser humano acreditar no ser humano, e é nisso que eu acredito […] Aqui a gente ajuda um pouquinho né, mas dá para ajudar muito mais. A nossa rotina aqui já começa colocando fogo no gás às 2h da manhã, e eu que tenho mais experiência faço fogo nos tachos né, no fogo a lenha, então umas 4h30 a gente tá fazendo fogo nos tachos que fazem em média 300 kg de carne por dia, para completar aí 1.000 e poucas marmitas, que não é pouca coisa, e significa mais de 1.000 kg de comida por dia. E é comida de verdade, não é comida com veneno, aqui se coloca comida orgânica nessas marmitas, então o pouquinho que a gente pode ajudar a contribuir com a sociedade a gente ajuda, porque só a organização que vai mudar”.
Lara e sua filha que moram em Porto Alegre tiveram que sair de sua casa por precaução, devido aos altos níveis da água. Ela relata que se abrigou em Viamão e começou a contribuir na cozinha solidária do assentamento Filhos de Sepé, já que a mesma virou base das operações de seu trabalho.
“O bairro onde eu moro foi fortemente atingido durante as enchentes, não diretamente pela água, mas pelo não funcionamento das bombas, então a gente não teve mais acesso a nossa casa. A inundação aos arredores e no bairro onde eu moro chegaram a 1,60 m, então eu não pude acessar minha casa[…] Então eu venho contribuir com esse processo de solidariedade que é uma das nossas tarefas enquanto sociedade, enquanto classe trabalhadora. A gente costuma cumprir esse nosso dever junto com os demais que hoje também não têm acesso a comida e aos requisitos básicos, como água e luz. Pessoalmente é gratificante estar contribuindo, mas ao mesmo tempo a gente sabe que é atingido também […] a retomada ao lar é demorada também por conta da lentidão de baixar as águas, vir pra cá é isso, é uma alegria de estar contribuindo, mas é uma tristeza de não poder e de imaginar a situação de pessoas que perderam tudo.”
A professora de Biologia, Bianca, e sua filha foram com outros voluntários do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) do Caminho do Meio ajudar na cozinha solidária. Ela relata em seu terceiro dia como voluntária que estar ajudando na cozinha tem lhe dado muita força em um momento difícil como esse. Felizmente, Bianca não foi diretamente atingida pelas enchentes e por isso tem a oportunidade de ajudar, ela também compartilha seu sentimento diante do espaço de solidariedade do MST em que está.
“É um movimento muito grande de solidariedade, muito impressionante, onde a gente faz uma coisinha e percebe que o resultado é muito grande, é muito gratificante, eu tô muito feliz assim, e aqui é um lugar que eu quero conhecer mais, quero conhecer a escola (Instituto de Educação Josué de Castro) quero conhecer o assentamento também.”
Guinever e Téo, moradores de Viamão, foram juntos ajudar na produção de marmitas na cozinha solidária do assentamento Filhos de Sapé. Téo é fisioterapeuta residente do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) e com a organização em massa do centro ele também resolveu ser voluntário e conta que sempre teve curiosidade de conhecer de perto as ações do MST, mas acabou não tendo muitas oportunidades
“[O MST] é um Movimento em que eu sempre quis me aproximar, eu lembro que na época da escola fomos visitar um assentamento do MST no interior de São Paulo, mas desde então eu não tive mais contato de perto. Fui para a área da saúde, então é uma alegria estar aqui nesse momento difícil, assim podendo apoiar um pouquinho na distribuição de alimento que é um trabalho essencial que está sendo feito aqui[…] para mim foi bem motivador começar o voluntariado aqui e é uma alegria conhecer esse espaço e a fluidez de todos trabalhando juntos, os voluntários, os alunos, as cozinheiras, então é uma alegria poder contribuir um pouquinho com esse trabalho” .
Guinever conta que, por morar em Viamão, procurou ajudar por perto e acabou encontrando a cozinha solidária. Apesar de conhecer o MST desde sua graduação em Educação no Campo não tinha muita familiaridade. “Estou em busca de ajudar de alguma forma nesse momento tão delicado, acho interessante me encaminhar em uma região que seja perto de onde eu resido, e aqui o MST é um lugar que eu também queria conhecer ver como funciona, então eu estou bem feliz de estar aqui podendo ajudar de alguma forma.”
Os alunos do Instituto de Educação Josué de Castro que se localiza dentro do assentamento também estão mobilizados para ajudar na montagem de marmitas para as famílias atingidas pelas enchentes.
Caroline e Gabriel alunos do curso técnico em administração e cooperativismo integrado ao ensino médio (TAC) contam sobre como está sendo para eles e para os colegas poderem colaborar para a construção de um movimento de solidariedade que está ajudando centenas de famílias.
“Nós estamos separamos em grupos onde duas turmas se dividem diariamente para contribuir de toda forma possível. Está sendo uma grande experiência de humanização para todos, perante tudo isso. Há vários colegas nossos que perderam tudo, que estão com as casas debaixo d’água ou sem alimentos diários”
– Gabriel
Hoje estamos aqui em um grupo de 11 pessoas para ajudar na montagem das marmitas, temos outros grupos divididos em outras áreas para ajudar e colaborar na descascagem de batatas, cenoura, mandioca e uma variedade de alimentos. E é gratificante esse sentimento de ajudando, estar apoiando, e aqui é um ambiente que a gente se sente acolhido e quer passar esse acolhimento para essas famílias, queremos ajudar, queremos passar pra eles“ que eles têm esse apoio e a gente está aqui para ajudar e apoiar eles nesse momento.”
– Caroline
Marta é professora da rede estadual, assentada desde 1998 no assentamento Filhos de Sepé. Ela está ajudando em Viamão por morar mais perto da cidade. Ela ficou impossibilitada de ir trabalhar por conta do trânsito na rodovia 118, mas em seu primeiro dia ajudando na cozinha solidária junto com familiares, conta como tem se sentido com toda a situação de crise que vivência.
“Chocada é a palavra, ainda não consigo descrever um sentimento com relação a tudo que aconteceu, mas o que eu sinto dentro do meu coração é que eu preciso ajudar, preciso fazer minha parte[…]. A gente está ajudando em todas as frentes que é possível, e dentro do assentamento a gente também busca ajudar. Na minha casa também estou acolhendo familiares que ficaram desabrigados, e assim como buscamos ajuda, conseguimos ajuda. Nossa função pra mim e para toda a minha família é ajudar.”
Teca, dirigente do setor de gênero e assentada do assentamento Filhos de Sepé, está desde o começo da cozinha solidária, ajudando no preparo das marmitas e na coordenação da cozinha, completando nesta terça-feira (21), 15 dias desde o começo da cozinha.
“Fechamos em torno de 31 mil marmitas só aqui durante esses 15 dias. Para mim, como mulher Sem Terra, nesse momento em que nosso estado está passando por essa crise ambiental que afetou muito as nossas famílias, a nossa gente, poder contribuir com a cozinha solidária do Movimento é um momento que me fortalece como ser […]. A gente diz que não é cansativo. Começamos às 4h da manhã e vamos até as 16h da tarde, mas a compensação é saber que outras famílias estão se alimentando e tendo o mínimo de alimento para poderem se fortalecer na batalha que tem para enfrentar aí pela frente.”
*Editado por Fernanda Alcântara