Cozinha Solidária
‘Somos muitas mãos comprometidas com a solidariedade aos que mais necessitam e têm fome’
Por Huli Marcos Zang
Do Brasil de Fato | Viamão (RS)
No total são 37.203 marmitas produzidas! Em sete de maio quando iniciaram os trabalhos na cozinha solidária do MST no assentamento Filhos de Sepé na Rua Florestan Fernandes foram produzidas 920 marmitas. Dia 23, 16 dias depois já foram produzidas e entregues 37.203 refeições. Contabilizando as marmitas das cozinhas do MST em Nova Santa Rita e Pelotas, já são 52.978 marmitas!
Já há uma rotina instalada: o compromisso dos voluntários e voluntárias que se somam de todas as partes. Produzir tantas marmitas só é possível com muitas mãos e mãos comprometidas com a solidariedade aos que mais necessitam e têm fome.
“De 40 a 50 pessoas se engajam todos os dias de segunda a segunda. Não há tarefa mais ou menos importante”. Foto: Pablo Albarenga
Há os que vêm todos os dias e às 4 horas da manhã já ateiam fogo nas panelas. Aos poucos mais pessoas se somam. Precisa lascar lenha, lavar as panelas e louças, buscar insumos. A grande maioria se soma na linha de montagem das marmitas. De 40 a 50 pessoas se engajam todos os dias de segunda a segunda. Não há tarefa mais ou menos importante. Todos podem ajudar de alguma maneira. Dez horas da manhã todas as marmitas já foram produzidas. Nove horas começam a ser entregues nas aeronaves que pousam ao lado da sede da Coperav.
A primeira aeronave que pousou no dia oito de maio foi um evento. Quando começou a circular sob o terreno para preparar o pouso todos os moradores da vizinhança saíram correndo para ver o que estava acontecendo e tirar fotografias. Hoje pousam 4 a 5 aeronaves por dia. Já não há mais curiosos, virou rotina. O campo de futebol não recebe mais jogos. Virou heliponto solidário.
Uma das aeronaves que mais vezes transportou caixas de marmitas veio do Ceará. Seu comandante Tenente Coronel Ribamar Feitosa nos contou que levaram 7 dias para chegar ao Rio Grande do Sul. Enfrentaram além da distância muitos dias de condições de voo ruins, o que atrasou a chegada. Atuaram primeiramente nos salvamentos que perderam a conta e agora com ajuda humanitária.
“O campo de futebol não recebe mais jogos. Virou heliponto solidário”. Foto: Arquivo Pessoal
Assim como do Ceará pousam aqui diariamente aeronaves de Santa Catarina, Distrito Federal, Mato Grosso. São helicópteros da Polícia Civil, Militar, Federal, PRF e Defesa Civil. Não são aeronaves de transporte. Por isso vão poucas marmitas por vez. Mas há um esforço enorme de ajeitar as caixas. Os tripulantes voltam pendurados nas aeronaves para garantir mais algumas caixas de marmitas transportadas.
As águas do Guaíba vão baixando aos poucos, devagar, lentamente desvendando a tragédia. A volta para casa é dolorida. Os relatos que chegam são de desalento e muita tristeza no momento de retorno as casas que ficaram totalmente cobertas pelas águas. No caso do assentamento Integração Gaúcha, no município de Eldorado do Sul, 100% das casas foram atingidas.
“Até quando seguirá a produção de marmitas? Até quando for necessário”. Foto: Pablo Albarenga
Inúmeros voluntários estão se somando à limpeza das casas e enfrentam vários desafios, incluindo o da resistência das famílias em se desfazer de móveis que se despedaçam, mas que tem valor incalculável, principalmente emocional. Muita lama, animais mortos, ainda sem água potável e sem energia. Não há um mercado aberto sequer em todo o município. Para estas famílias e as brigadas de voluntários seguem as marmitas de nossa cozinha solidária.
Até quando seguirá a produção de marmitas? Até quando for necessário. A organização do MST e a gigante massa de voluntários e voluntarias garantirá a produção de alimentos para os que mais precisam nesse momento de reconstrução.
“As cozinhas solidárias dos movimentos sociais passam a ter função estratégica ainda mais importante”. Foto: Pablo Albarenga
Qual a tarefa das cozinhas solidárias? Articular as forças do voluntariado, dos doadores de recursos, de todos que querem ajudar para continuar o movimento. A tragédia nos impõe percorrer uma maratona. A sociedade se movimentou e o voluntarismo salvou muitas vidas e garantiu o básico para milhares de pessoas desabrigadas. Mas este movimento espontâneo vai aos poucos perdendo força; as pessoas vão voltando a sua rotina de trabalho e afazeres. Mas as pessoas continuam com fome. As cozinhas solidárias dos movimentos sociais passam a ter função estratégica ainda mais importante.
* Huli Marcos Zang, é Presidente da Associação dos Moradores do Assentamento Filhos de Sepé – AAFISE, Diretor da Coperav.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko