PL do Veneno
Nova legislação de agrotóxicos no Brasil flexibiliza regras e viola direitos humanos
Por Iris Pacheco
Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela vida
No início de maio, o Congresso Nacional derrubou, 8 dos 17 vetos relacionados ao Pacote do Veneno, Lei nº 14.785/2023, aprovada no apagar das luzes do último ano. Para o agro uma “modernização” e “evolução” da lei sobre agrotóxicos que é de 1989. Para as organizações sociais, ambientais e pesquisadores do tema um retrocesso que expõe a saúde do brasileiro a produtos cancerígenos, amplia as margens de destruição do meio ambiente em meio a uma crise climática e deixa a agricultura brasileira suscetível a embargos internacionais.
Conversamos com Karen Friedrich sobre esse cenário, ela é toxicologista, servidora da Fiocruz e da UNIRio e membro do GT Saúde e Ambiente da ABRASCO e foi incisiva sobre os prejuízos dessa lei para a população brasileira e o meio ambiente. Uma vez que, a aprovação da mesma não foi por falta de mobilização da sociedade civil, mas principalmente de organizações técnico-científicas, órgãos do Ministério Público e até mesmo Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em produzir materiais que traduzem o quanto a aprovação do Pacote do Veneno seria um desserviço, sobretudo, porque atinge diferentes áreas e direitos.
“O resultado dessa aprovação é o que se previu: facilitar o registro de produtos mais perigosos, principalmente aqueles que possuem propriedades cancerígenas, tóxicos para o sistema reprodutivo e hormonal e que levam ao nascimento de bebês com malformações. Produtos com essas características, possuíam na lei antiga, alguma barreira para serem registrados, agora o mercado brasileiro pode até voltar a autorizar o uso de produtos que já proibimos há vários anos”, aponta Karen.
Segundo a pesquisadora, os vários artigos da nova lei que retiram poderes de atuação da Anvisa e do Ibama, mesmo nas funções onde esses órgãos têm competência, é grave. Entre as competências está a definição sobre a prioridade de quais agrotóxicos se registram ou proíbe no país, utilizando critérios econômicos e não sanitários ou ambientais, bem como a avaliação dos impactos sobre a saúde e o meio ambiente decorrentes de produtos que já estão no mercado mas que deveriam estar proibidos. “Ou seja, não só teremos produtos mais tóxicos, como as informações disponíveis e as decisões a serem tomadas sobre eles serão tomadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), órgão que tem interesse econômico no tema”, afirmou.
Na mesma linha, o professor, pesquisador e advogado Emiliano Maldonado, afirmou que os 8 primeiros vetos do Presidente Lula, que foram derrubados pelo Congresso, eram os principais, pois tentavam justamente reduzir os poderes que o MAPA está assumindo e manter a análise ambiental pelo IBAMA e a de saúde pela ANvisa. “Agora eles saíram, tudo fica centralizado no MAPA e isso impacta significativamente na regulação de agrotóxicos no Brasil, porque deixa de dar o mesmo valor para as análises científicas voltadas para danos ambientais e danos à saúde humana”, salienta.
A lei do pacote do veneno (14.785/2023) em toda sua composição apresenta muitos pontos ruins, por isso os 17 vetos do Presidente Lula eram importante, pois mesmo que não abrangesse a todos esse pontos, pelo menos ajudaria a manter as competências dos órgãos de saúde e meio ambiente, preservando assim direitos e o interesse público.
Em geral, essa é a análise de pesquisadores/as da área e Karen corrobora com o mesmo ponto de vista. Segundo a toxicologista, “os vetos presidenciais derrubados reconheciam as diversas inconstitucionalidades apontadas por organizações científicas, como a Fiocruz e ABRASCO, órgãos de fiscalização ambiental (IBAMA) e, sobretudo, por centenas de entidades da sociedade civil que demonstraram que essa nova lei deveria ser vetada pela Presidência da República, uma vez que coloca em risco os direitos à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previstos no caput do art. 5º, no caput do art. 6º e no caput do art. 225 da Constituição, bem como a dignidade humana, prevista no inciso III do caput do art. 1º da Constituição Federal de 1988.”
O MAPA é o órgão responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. No entanto, o tema agrotóxicos é uma pauta intersetorial que vai além do econômico. Nesse sentido, o termo “evolução”, muito usado pelo agronegócio, precisa ser revisto quando ela vem junto com a destruição da biodiversidade ambiental e graves impactos na saúde humana. Segundo dados do MapBiomas, quase dois terços (64%) da expansão da agropecuária no país resultam do desmatamento para pastagem, cerca de 64,5 milhões de hectares. O desmatamento direto para agricultura responde por 10% da expansão da agropecuária no Brasil, equivalente a 10 milhões de hectares.
Por isso é importante entender que estamos falando de uma estrutura mais ampla de desenvolvimento para o campo brasileiro, que perpassa por inúmeras esferas. A partir do momento que esse tipo de legislação é aprovada, outras iniciativas precisam ganhar força para movimentar possibilidades de redução de danos e garantia de direitos da população.
Considerando esse contexto, Karen ressalta que é fundamental o fortalecimento do SUS, seja em investimento nas áreas de vigilância das populações expostas aos agrotóxicos a partir da três esferas de governo, mas também capacitando e estruturando o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), além de ampliar a capacidade analítica laboratorial para monitoramento de agrotóxicos na água, em alimentos e amostras clínicas.
“Investir em políticas locais de redução de agrotóxicos, buscar a aprovação de legislações municipais e estaduais que possam diminuir o impacto local desse desmonte histórico realizado pelo Congresso Nacional é uma aposta para esse momento. Ainda sobre os vetos, é fundamental que os 9 restantes não sejam derrubados, mas infelizmente, é escancarado o descompromisso da maior parte do Congresso Nacional com as questões ambientais e de saúde”, conclui.
Na contramão do pacote do veneno, desde 2015 que organizações, movimentos e coletivos se mobilizam em defesa do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), para que este que possa apoiar medidas restritivas ao registro de agrotóxicos banidos no exterior que causam câncer e outras doenças crônicas, bem como reforçar o papel regulatório dos órgãos da Saúde e Meio Ambiente. A medida se torna mais urgente ainda após a aprovação do Pacote do Veneno, que teve até então, a maioria dos vetos do presidente Lula derrubados pelo Congresso Nacional.