Feminicídio
Julieta Hernandez e a necessidade de crimes serem registrados como feminicídio
Da Página do MST
Desde a semana passada, Sophia Hernandez, irmã de Julieta Hernandez, está no Brasil para uma série de agendas voltadas à discussão do caso da irmã, assassinada no estado do Amazonas. Julieta estava viajando de bicicleta pelo Brasil em direção ao seu país de origem, e desapareceu em 23 de dezembro no município de Presidente Figueiredo.
Sophia Hernandez tem dado ênfase à necessidade de reclassificação do crime, argumentando que as circunstâncias do assassinato, incluindo a violência sexual e a crueldade, qualificam o ato como feminicídio. A visita de Sophia vem no sentido de buscar a justiça local e ações de memória confraternizando com os movimentos populares, entidades e pessoas que se manifestaram em solidariedade à perda da Julieta.
A família de Hernandez, com o apoio da União Brasileira de Mulheres (UBM) e do Ministério das Mulheres, está pressionando para que o crime seja reclassificado como feminicídio. De acordo com um dos juristas do caso, Carlos Nicodemos, houve uma denúncia do Ministério Público de latrocínio [roubo seguido de morte], o que ocorre comumente, onde a busca é por uma “resposta curta, rápida, que encerre o caso”. No entanto, há nuances deste caso que claramente revelam questões relacionadas ao feminicídio, xenofobia, misoginia e outras formas de violência.
“Casos como esse demandam a aplicação da política de direitos humanos que a gente tanto preza no CNDH: reparação, em primeiro lugar, responsabilização, memória e não-repetição. Me parece que o processo de responsabilização está sendo encaminhado, ainda que com um viés absurdo, mas a notícia é de que a família está sendo acompanhada[…]. Esperamos que o Ministério Público se sensibilize em reclassificação deste caso”, disse André Carneiro Leão, presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), durante audiência.
Ceres Hadish, da Direção Nacional do Movimento, esteve na audiência no CNDH e falou sobre como foi fundamental a união dos movimentos populares na pressão pelo caso. “O feminicídio contra a Julieta de fato causou muita comoção, não só no MST, como em setores progressistas e na sociedade. Ele toca temas que não só são caros, como também e doloridos para nossa sociedade, como a xenofobia, misoginia, feminicídio e a insegurança geral que a gente vive hoje, em parte motivada pela situação de crise econômica que algumas muitas famílias ainda vivem, mas também motivada por uma sociedade que tem sido estimulada ao aumento da violência”.
Julieta era uma militante de direitos humanos, social e ambiental, além de artista de rua e ciclista. Ela promovia o meio ambiente andando de bicicleta e levando arte ao interior do Brasil, e tinha a intenção de fazer o mesmo na Venezuela, seu país de origem. Esses casos recorrentes de violência nos sensibilizam profundamente, pois refletem um cotidiano cada vez mais violento e imposto às mulheres. Seu corpo foi encontrado em 6 de janeiro, e as investigações revelaram que ela foi estuprada, torturada e teve o corpo queimado e enterrada, possivelmente ainda viva. Em janeiro, o Ministério Público do Amazonas denunciou Thiago Angles da Silva e Deliomara dos Anjos Santos, réus confessos, pelos crimes de estupro, latrocínio e ocultação de cadáver.
“Esta é uma luta que a família de Julieta tem assumido, destacando a importância de unir forças não apenas neste caso, mas em outros, de desnaturalizar o feminicídio no Brasil e no mundo. A falta de informação, subnotificação e a reclassificação de crimes de feminicídio como homicídio ou latrocínio reduzem penas e despolitizam o assunto. É crucial politizar esses debates, pois o feminicídio tem se tornado mais frequente e naturalizado. Devemos identificar e nomear os feminicídios corretamente e garantir o cumprimento das leis para punir os assassinos. A discussão é fundamental para superar a omissão e iluminar essa triste realidade”, completou Ceres.
A ideia do debate sobre a “não-repetição”, feita pelo presidente do CNDH, é que a Comissão possa cobrar e garantir que haja formação continuada tanto das forças de segurança, como Polícia, mas também do sistema de justiça, nas figuras da Secretaria de Segurança Pública e do Judiciário sobre a notificação e condenação de crimes, uma vez que o caso de Julieta se torna ainda mais emblemático uma vez em que a artista foi assassinada “em um espaço que se dizia indicado para a promoção da cultura”.
Ceres comentou que rever e ouvir da própria família como foi assustador, principalmente sobre o desenvolvimento do caso de Julieta e como a mídia e o poder policial lidaram com a situação, expondo a vítima e seus familiares, como a irmã e a mãe, a uma sucessão de violências. Segundo Ceres, isso não é exclusivo deste caso, mas reflete uma lógica violenta na relação entre o Estado, a mídia, o poder público e a sociedade. “Sentimos na pele como a mídia, que deveria informar, muitas vezes distorce a realidade, internalizando preconceitos e criminalização.
“Entendemos, historicamente, que somos vítimas dessa forma de tratamento, que também é violenta. A mídia, ao apresentar os fatos de maneira tendenciosa, nos violenta e criminaliza. Da mesma forma, o poder público, em suas definições e interpretações jurídicas, faz escolhas políticas que determinam o grau de preconceito, perseguição ou criminalização contra os movimentos sociais”, concluiu Ceres, que entregou uma bandeira e boné do MST para Sophia Hernandez.
*Editado por Solange Engelmann