Queimadas no Pantanal
“O problema é que a preservação da natureza só entra em pauta depois do estrago feito”, diz Genoíno
Por Letycia Holanda
Do Brasil de Fato
Um dos principais biomas brasileiros, o Pantanal é conhecido como a maior área inundável do mundo, com mais de 150 mil quilômetros quadrados de extensão. No entanto, sofre com as bruscas variações climáticas que o Brasil vem enfrentando, incluindo períodos severos de seca e inúmeros focos de incêndio, expondo não só os efeitos do aquecimento global, mas também o descaso do Estado com a biodiversidade nacional. Para discutir os incêndios que atingem a região, o podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, convidou Gustavo Figueirôa, biólogo e diretor de comunicação do Instituto SOS Pantanal.
Para ele, a “prevenção sempre vai ser o melhor caminho”. Mas, diante de situações como a vivida atualmente no Pantanal, salienta que a “restauração é urgentemente necessária, mas ao mesmo tempo é muito trabalhoso e muito custoso. Por isso precisamos de mais investimento em restauração, e ao mesmo tempo na prevenção. São duas coisas que precisam andar juntas.”
Diante da pior seca dos últimos 70 anos, o Pantanal já apresenta uma quantidade de focos de incêndio superior às calamidades registradas em 1988, e segundo a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ). Os estragos na região também têm potencial para superar as perdas e danos de 2020.
Neste sentido, José Genoíno, ex-presidente do PT e comentarista-fixo do podcast, aponta que temas de preservação ambiental não são pautas recentes, mas “ao longo dos anos não se adotou medidas preventivas que incorporassem a defesa da natureza e do meio ambiente como um elemento central de modelo de desenvolvimento econômico”.
“O problema todo é que a questão da preservação da natureza só entra em pauta depois do estrago feito”, destaca Genoino, que reforça que tais deliberações são como tentar recuperar “a pasta que sai do tubo e não volta!”.
Biomas interligados
Apesar de ser uma região do país que historicamente sofre com queimadas, o Pantanal adquiriu “resistência ao fogo em condições naturais”, como explica Figueirôa. Contudo, a interferência humana, sobretudo a pautada pela exploração capitalista, tem se tornado um fator fundamental para a gravidade e frequência das queimadas locais. O biólogo frisa que esse processo predatório tem feito com que a flora local venha “perdendo essa resiliência em se restaurar”.
Mesmo sendo uma região de baixa densidade populacional, quando comparada a outros centros e capitais espalhados pelo país, 95% dos incêndios do Mato Grosso do Sul, que abriga boa parte do Pantanal, têm causas humanas. “Essas motivações partem de instituições privadas que detêm mais de 90% da área e que, além de explorar o solo, promovem queimadas propositais para a ampliação de terrenos para pasto e até mesmo a incineração indevida de lixo e detritos”, explica.
Visto que o “fogo não respeita limite de estado de país”, o diretor de comunicação do Instituto SOS Pantanal salienta a importância do investimento na conscientização da população local em prol da prevenção da região, não só pelo grau de dificuldade de reparar os danos causados por queimadas de tal porte, mas também pela riqueza do bioma local.
Apesar de o Pantanal ter o “fogo como parte da sua dinâmica”, Figueirôa ressalta a importância da biodiversidade não só daquela área, mas também do Cerrado.
“Apesar da flexibilidade do ecossistema diante das mudanças climáticas, a ação dos empreendimentos e negócios locais tem agredido severamente um bioma tão diverso, principalmente pelo fato de que o Pantanal não produz água” e atravessa um extenso período de seca.
Figueirôa explica que “a água que abastece o Pantanal tem como principal origem os ‘rios voadores‘, vindos principalmente da região da Amazônia, que também sofre com a forte estiagem, sendo o segundo bioma mais prejudicado do Brasil”. Os chamados rios voadores são um fenômeno climático de evaporação da água, antes acumulada nas árvores na região da mata, que leva à formação de nuvens e de um fluxo aéreo de água que é levado naturalmente para outras regiões.
Esse ciclo natural tem sido alterado pelos efeitos da “mão humana do sistema que explora, que domina, que lucra”, como destaca Genoíno. Com isso, o Pantanal enfrenta sua maior seca.
O último período de cheias do Pantanal ocorreu em 2018. A biodiversidade local, que conta com arbustos rasteiros e árvores de médio porte e raízes profundas, também depende do clima de regiões próximas, como o Cerrado e a Floresta Amazônica. Os três biomas vizinhos lutam para sobreviver, já que “por trás da catástrofe ambiental há um sistema capitalista que busca o lucro máximo”, como aponta Genoíno.
Gustavo Figueirôa concorda, alertando que “os lucros são infinitos na projeção capitalista, mas os recursos são finitos”.
Prevenir ou remediar
Diante dos desastres gerados pelos focos de incêndio no Pantanal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem atuado em parceria com órgãos como o Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul e a Brigada do Alto Pantanal para tentar combater e minimizar as perdas.
Exercendo funções de combate ao fogo na área do Pantanal, Cerrado e arredores desde o início do ano, e sem nenhuma das reivindicações salariais atendidas, os brigadistas do Prevfogo, centro especializado em prevenção e combates a incêndios do próprio IBAMA, entrarão em greve a partir da próxima segunda (1).
“A grande maioria deles (brigadistas) são contratados pela metade do ano para a temporada de incêndios. É crucial que eles sejam contratados o ano todo! Eles têm que trabalhar na parte de prevenção, educação ambiental, e de queima prescrita. Contratá-los na época que o fogo está começando é gastar recursos para o combate e não pensar na prevenção”, ressalta o biólogo do SOS Pantanal.
Diante da urgência das questões ambientais e da valorização dos profissionais que atuam neste setor, Genoíno destaca que o “essencial é preservar a vida e a natureza” e reforça que tais medidas “estão acima da tirania fiscal, e lamentavelmente o governo está amarrado com muitas limitações”.
Na expectativa, não só de resgatar a fauna e a flora dos estragos atuais, mas também inibir desastres futuros, o biólogo destaca a necessidade de impor o cumprimento efetivo e rigoroso das leis existentes, incluindo a aplicação de multas e outras penalidades.
“Multas ambientais no geral não têm funcionado […] a legislação é forte no papel, mas na prática tem muita brecha. Ele (infrator) pode judicializar e deixar anos rolando, continuar fazendo o que está fazendo, vide o desmatamento químico de 80 mil hectares no Pantanal norte”, explica.
No aspecto político, o ex-presidente do PT reforça que a recuperação do bioma passa pela integração entre governo federal, estadual e municipal, que têm que agir de maneira conjunta, principalmente “pelo tamanho do Brasil, pelas nossas particularidades, pelo desenho federativo. Ou a gente adota um modelo de parceria entre estados, governo federal e municípios, ou então não dá certo!”
Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.