Monocultura da Cana

Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro do estado de SP

Confira artigo de pesquisadores sobre o que é o Zoneamento Agroambiental e as contradições no seu método de elaboração no estado de São Paulo
Foto: João Paulo Pimenta

Por Isabel Cristina Moroz-Caccia Gouveia e José Mariano Caccia Gouveia*
Da Página do MST

Pesquisadores do Centro de Estudos em Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde (CEETAS), vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente, se contrapõem a proposta da Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo, que permitem o cultivo de commodities em diversas áreas do estado de São Paulo sem considerar os riscos ambientais e impactos sociais. 

O estudo está dividido em três parte. Nesta primeira parte os pesquisadores explicam o que o Zoneamento Agroambiental e as contradições no seu método de elaboração. Confira:

Parte I: um mapa distante da realidade

O Zoneamento Agroambiental (ZAA) para o setor sucroalcooleiro do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008a), estabelecido em 18 de setembro de 2008, foi elaborado pela Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e pela Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA). 

De acordo com o Governo do Estado de São Paulo, o principal objetivo do ZAA é disciplinar e organizar a expansão e ocupação do solo pelo setor sucroenergético, além de subsidiar a elaboração de políticas públicas voltadas ao setor, como de fato ocorreu pois o mapa do ZAA foi utilizado como base para a elaboração da Resolução SMA 88/2008 (SÃO PAULO, 2008b), que define parâmetros e diretrizes para o licenciamento ambiental de unidades agroindustriais. 

Baseando-se nas quatro classes estabelecidas no ZAA (áreas adequadas, áreas adequadas com limitação ambiental, áreas adequadas com restrições ambientais, e áreas inadequadas), a Resolução SMA 88/2008 (op cit) estabelece critérios específicos para a obtenção de licenças e operação dos empreendimentos, sendo que para as áreas classificadas como inadequadas, após a publicação da Resolução, os pedidos de licenciamento para instalação ou ampliação de empreendimentos passaram a ser recusados.

Ainda segundo Governo do Estado de São Paulo, a metodologia utilizada para a elaboração do ZAA consistiu na correlação “de dados sobre condições climáticas, qualidade do ar, relevo, solo, disponibilidade e qualidade de águas, áreas de proteção ambiental e unidades de conservação existentes e indicadas, e fragmentos de manutenção da conectividade” (SÃO PAULO, 2008a, s. p.), conforme Figura 1, resultando num único mapa final (Figura 2).

Figura 1 – Mapas intermediários utilizados para a elaboração do Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro (ZAA)

Mapa colorido com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Fonte: São Paulo (2008)

Figura 2 Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro (ZAA)

Fonte: São Paulo (2008a)

O mapa final (Figura 1), indica áreas adequadas e inadequadas para o cultivo de cana, conforme quatro classes estabelecidas:

– Áreas Adequadas: abrange as áreas com aptidão edafoclimática favorável para o desenvolvimento da cultura da cana-de-açúcar e sem restrições ambientais específicas;

– Áreas Adequadas com Limitação Ambiental: correspondem ao território com aptidão edafoclimática favorável para cultura da cana-de-açúcar e incidência de Áreas de Proteção Ambiental (APA); áreas de média prioridade para incremento da conectividade, conforme indicação do Projeto BIOTA-FAPESP; e as bacias hidrográficas consideradas críticas; 

– Áreas Adequadas com Restrições Ambientais: correspondem ao território com aptidão edafoclimática favorável para a cultura da cana-de-açúcar e com incidência de zonas de amortecimento das Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI; as áreas de alta prioridade para incremento de conectividade indicadas pelo Projeto BIOTA-FAPESP (FAPESP, 2008); e áreas de alta vulnerabilidade de águas subterrâneas do Estado de São Paulo, conforme publicação SÃO PAULO (1997); e,

– Áreas Inadequadas: correspondem às Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI Estaduais e Federais; aos fragmentos classificados como de extrema importância biológica para conservação, indicados pelo projeto BIOTAFAPESP para a criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral – UCPI; às Zonas de Vida Silvestre das Áreas de Proteção Ambiental – APAs; às áreas com restrições edafoclimáticas para cultura da cana-de-açúcar e às áreas com declividade superior a 20% (SÃO PAULO, 2008a, s. p.)

Nos dois primeiros mapas (A e B) da Figura 1, observa-se que os componentes do meio físico (clima, solos e relevo) foram considerados apenas em relação à suas potencialidades para a cultura da cana-de-açúcar (Aptidão edafoclimática e restrições à mecanização). 

Em relação ao clima, não se considerou a erosividade das chuvas (capacidade de provocar erosão). Tommaselli et al (1999), a partir da análise de dados de 40 estações pluviométricas no oeste paulista (1973 – 1996), obtiveram valores de erosividade entre 6.587 MJ mm ha-1 h-1 (Estação Laranja Doce) e 7.614 mm ha-1 h-1 (Estação Iepê), ou seja, a região apresenta erosividade Média e Alta.

Conforme o Boletim de Recomendações Gerais para Conservação do Solo na Cultura da Cana-de-açúcar (DE MARIA, 2016), o ZAA “não considerou os fatores de solo relacionados à resistência à erosão e também questões como declividade. Por isso, a esse mapa é preciso associar o risco de erosão para definições de escolha de sistemas de manejo e dimensionamento de práticas conservacionistas” (p.28).

De acordo com Jordão e Moretto (2015), os solos foram considerados apenas como fator de aptidão agrícola a partir de um estudo do Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas do Governo de São Paulo (CIIAGRO, 2008), “no qual foram realizadas análises edafoclimáticas dos diferentes tipos de solos e suas características de fertilidade natural, profundidade e pedregosidade, como condições para a produção da cana” (p. 90). Os autores advertem que não se incluiu a qualidade do solo como atributo ambiental afetado pela atividade canavieira, ou seja, não se considerou o solo como alvo de impactos ambientais negativos, ainda que a degradação do solo devido à compactação e erosão seja um importante problema do cultivo de cana. A erosão está associada às grandes áreas de solo exposto que ficam suscetíveis à chuvas intensas e ventos durante o processo inicial de conversão do uso do solo e no processo intermediário entre a colheita e o novo plantio (p. 90).

Observa-se nos dois primeiros mapas (Figura 3A e 3B) que a região oeste do estado de São Paulo, e especialmente o Pontal do Paranapanema, foi classificada como adequada e sem restrições ao cultivo mecanizado de cana-de-açúcar. Entretanto, diversos estudos inclusive da própria SMA apontam a região como sendo altamente susceptível à erosão, em função da presença de solos arenosos.

Em relação aos recursos hídricos, o zoneamento considerou como restritivos apenas alguns trechos de cursos d’água das bacias hidrográficas dos rios Pardo, Sapucaí/Grande, Mogi-Guaçu, Baixo-Pardo/Grande e Turvo/Grande, as bacias hidrográficas do Alto Tietê e Tietê/Sorocaba e áreas de alta vulnerabilidade dos aquíferos. Entretanto, Jordão e Moretto (2015) alertam para o fato de que não houve uma preocupação em avaliar a capacidade de suporte das bacias hidrográficas em receber grandes áreas de cana-de-açúcar e o impacto que das águas residuais, do vinhoto e dos agrotóxicos sobre os recursos hídricos. Advertem ainda que as áreas de preservação permanente (APP) não foram de nenhuma forma consideradas no zoneamento.

Na sequência deste dessa série de três artigos, apresentaremos os estudos produzidos pelo Centro de Estudos em Educação, Trabalho, Ambiente e Saúde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP (CEETAS/Presidente Prudente), que evidenciam os impactos do ZAA na região do Pontal do Paranapanema a partir da produção da monocultura da cana-de-açúcar. Os estudos apontam resultados para a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema (UGRHI 22), cujos resultados demonstram que apenas 21% da área apresenta baixa susceptibilidade à erosão, enquanto que 38% apresenta média susceptibilidade, 32% Alta e 9% Muito Alta. 

Rerefências 

CIIAGRO, CENTRO INTEGRADO DE INFORMAÇÕES AGROMETEOROLÓGICAS. Aptidão edafoclimática da cultura de cana-de-açúcar. Agência Paulista de Tecnologia e Agronegócios, Instituto Agronômico, 2008

DE MARIA, I.  C. et al. Recomendações gerais para a conservação do solo na cultura da cana-de-açúcar. Instituto Agronômico, Campinas.  (Série   Tecnologia APTA.  Boletim Técnico IAC, 216). 2016. 100 p. Disponível em: <http://www.cdrs.sp.gov.br/portal/themes/unify/arquivos/produtos-e-servicos/acervo-tecnico/producao_vegetal/Recomendacoes-Cons-Solo-Cana-2016.pdf> Acesso em 19/06/2020.

JORDAO, C. de O.; MORETTO, E. M. A vulnerabilidade ambiental e o planejamento territorial do cultivo de cana-de-açúcar. Ambiente & Sociedade, v. 18, n. 1, p. 75-92, São Paulo, 2015 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2015000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19/06/2020.  https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC675V1812015en.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Etanol Verde. Zoneamento agroambiental do estado de São Paulo para o setor sucroalcooleiro. São Paulo, 2008a. Disponível em:<http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/zoneamento-agroambiental>. Acesso em: 15/06/2020.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Resolução SMA 88 – Define as diretrizes técnicas para o licenciamento de empreendimentos do setor sucroalcooleiro no estado de São Paulo. 2008b. Disponível em: <https://licenciamento.cetesb.sp.gov.br/legislacao/estadual/resolucoes/2008_Res_SMA_88.pdf>. Acesso em 19/06/2020.

TOMMASELLI, J. T. et al. Erosividade da chuva na região oeste do estado de São Paulo. Rev. Bras.de Agrometeorologia, v. 7, n.2, Santa Maria, 1999, p.269-276.

*Isabel Cristina Moroz-Caccia Gouveia é professora Assistente Doutora – Departamento de Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista [email protected]. E José Mariano Caccia Gouveia é Professor Assistente Doutor –  Departamento de Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista [email protected]

**Editado por Solange Engelmann