Opinião
Artigo | Quando a vergonha pode mudar o mundo
Por Jan Schoenfelder, jornalista e chef de cozinha/ Coletivo Marmitas da Terra (PR)
Da Página do MST
Recentemente, durante um evento da iniciativa Goalkeepers, promovido nos Estados Unidos pela Fundação Bill e Melinda Gates, o presidente Lula afirmou que a fome no mundo não se deve à falta de dinheiro, e sim à falta de “vergonha na cara” de quem governa os países.
Lula disse também que a classe empresarial tem responsabilidade direta na questão alimentar e que a população mais rica terá que aprender a investir sua riqueza para cuidar do planeta, ou tudo acaba.
Alfinetadas à parte, o comentário caiu na vala comum dos noticiários, apesar do interessante subtexto nele contido.
A vergonha é, sim, humilhação e tristeza incapacitantes, culpa, arrependimento e muitos sentimentos nocivos que paralisam uma reação.
Na fala do presidente, no entanto, a “vergonha na cara” ultrapassa o lugar comum e toma dimensões políticas cujo significado mais profundo é a força motriz de um sentimento revolucionário, capaz de incríveis transformações individuais e coletivas.
Sem escancarar a autoria, Lula recitou Marx para o mundo.
Pelo imperativo marxista, “a vergonha é uma revolução em si. […] é uma espécie de raiva voltada para si mesma. E se uma nação inteira se sentisse envergonhada, seria como um leão recuando para saltar”, escreveu Marx em uma carta datada de 1843 e endereçada ao filósofo alemão Arnold Ruge.
Houvesse o esforço de entender a camada de vulnerabilidade sob a questão alimentar, a fome não seria naturalizada e nenhuma pessoa viveria abaixo da linha da dignidade.
O conjunto da sociedade civil e dos governos agiria com a força do leão pronto a saltar sobre as injustiças. Entre elas, claro, a fome, entendida por Marx como um poderoso problema estrutural do capitalismo e uma forma de destruição.
*Editado por Fernanda Alcântara