Agroecologia

BioNatur celebra 27 anos de multiplicação de sementes agroecológicas visando nacionalização

Evento reuniu participantes dos oito estados que compõem a rede e apoiadores em Candiota (RS)
Foto: Dowglas Silva | @dowglasilva

Por Marcelo Ferreira
Do Brasil de Fato

Há 27 anos, a Rede de Sementes Agroecológicas BioNatur protege e multiplica sementes crioulas e livres de veneno ou adulterações genéticas. Fundada por 12 famílias assentadas da reforma agrária do município de Candiota, no Sul do Rio Grande do Sul, a experiência se expandiu e conta, atualmente, com associados em oito estados.

E foi na sua sede, onde tudo começou, que essa trajetória foi celebrada. O nono encontro da rede, realizado de 7 a 9 de novembro, reuniu participantes e parceiros, que querem ampliar ainda mais a iniciativa. “Nós precisamos montar uma estratégia de produção de sementes em nível nacional”, afirma o coordenador-geral da BioNatur, Alcemar Adílio Inhaia.

“Aqui tem representações desses oito estados para a gente debater e também tirar encaminhamentos. A partir daqui vão sair algumas agendas para a gente ir tratando e organizando esse tema em todos os territórios, em todos os estados que a BioNatur está inserida”, complementa.

Alcemar conta que a necessidade da nacionalização leva em conta os diferentes biomas do país e também as mudanças climáticas. “Entre essas realidades têm algumas culturas que se adaptam mais em um local do que em outro. Tem algumas que produzem semente mais ao Sul, outras mais ao Norte, enfim. A outra questão também é essa do clima, que vem mudando muito e se alterando bastante.”

Confira a reportagem em vídeo:

Ele destaca que o trabalho da BioNatur, além de proteger a variedade de sementes, resulta em cuidado com o planeta. “A gente acaba discutindo o tema do ambiente, do sistema todo. Isso também reflete beneficamente nesse tema do clima hoje, porque aí as famílias passam a adotar mecanismos, processos, técnicas que ajudam a preservar a natureza, ajudam a preservar o solo, ajudam a conter as erosões, ajudam a ter mais cobertura, usar sementes adaptadas, uma série de detalhes.”

Estudos e troca de sementes e saberes

O nono encontro da rede reuniu guardiões e guardiãs de sementes dos oito estados onde a BioNatur está presente. Três dias de estudos, troca de sementes e saberes, confraternização e uma diversidade de perspectivas.

“Para a gente, ser guardião de uma semente é como você guardar a vida, é como você recuperar o solo. O que a gente faz é não envenenar o campo”, comenta Valteide Ferreira Coelho, da coordenação de produção do MST Minas Gerais.

Segundo ele, o trabalho vai no caminho contrário do atual sistema de produção que só visa o lucro. “O capitalismo planta como se você tivesse um ganho com a semente nova. Nós fazemos o contrário, não compramos semente, a gente tem a nossa semente própria há mais de 100 anos, que nossos antepassados vêm guardando e passando de geração para geração.”

Espaço contou com feira de troca de sementes e saberes. Foto: Dowglas Silva | @dowglasilva

O presidente da Cooperativa da Terra em Itaberá, São Paulo, Adalberto de Oliveira, diz que a produção de sementes para os assentamentos e o Movimento Sem Terra é fundamental. “A semente é a base da produção agrícola. E ter o controle das sementes é de fato saber o que vamos produzir. E saber o que vamos produzir para nós, assentados da reforma agrária, é fundamental para que possamos pensar a soberania alimentar, a produção de alimentos e a produção de alimentos saudáveis.”

Ele ressalta outro aspecto importante para além da organização interna da rede. “É fundamental que existam políticas públicas que fomentem a produção de semente, mas que também fomentem a distribuição dessas sementes para aqueles agricultores que estão descapitalizados terem condições de se organizar na produção.”

As mulheres e as sementes

As mulheres têm papel central na preservação das sementes crioulas. É o que destaca Renata Coimbra, dirigente estadual do MST e assentada há 26 anos no Rio Grande do Sul. “Elas definem, muitas vezes, quais sementes que vão ser multiplicadas. Porque a nossa lembrança afetiva da alimentação, a nossa cultura alimentar, a nossa estrutura social, quando pensa segurança alimentar, ela passa pela cozinha, em grande maioria pelas mãos das mulheres.”

Para ela, é importante manter toda a variedade de sementes, “mas se a semente não tem uma ligação afetiva e umbilical com aquele povo, com aquele grupo que está ali, ela vai ser perdida, porque ela não tem uma ligação histórica. E quem faz essa ligação histórica são as mulheres na sociedade que fazem esse acolhimento. Porque a semente significa alimento, que significa esse acolhimento.”

Sementes agroecológicas da BioNatur. Foto: Dowglas Silva | @dowglasilva

Presente no encontro, a professora e pesquisadora em agroecologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Patrícia Martins da Silva, resume a relevância da iniciativa. “O encontro da BioNatur para a gente é sempre um marco, uma referência.”

Ela destaca que a BioNatur “é uma rede de sementes agroecológicas que inicia pelo processo da produção de sementes de hortaliças e depois, ao longo do tempo, vai diversificando para outros tipos de espécies e de variedades”. E o principal: “é uma rede que se constitui a partir de uma experiência de assentamentos de reforma agrária.”

Edição: Katia Marko