Aniversário
ENFF celebra 20 anos de formação e internacionalismo de movimentos populares no mundo
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Em permanente construção e com a missão de colaborar para a formação de militantes de movimentos populares e organizações que lutam por direito e por um mundo mais justo em todo o continente, nesta quinta-feira (23), a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) do MST, localizada em Guararema, São Paulo, celebra 20 anos de história. Nesse período a escola tem se tornado espaço central de resistência, troca de conhecimentos e integração entre a classe trabalhadora da América Latina e Caribe e de todo o mundo.
Como marco de celebração, para a data estão previstas uma série de atividades que ocorrem durante a reunião da Coordenação Nacional do MST, reunida de 20 a 24 de janeiro, em Belém (PA), com cerca de 400 dirigentes do Movimento de todo o país. Além de atividades na sede da própria ENFF, a celebração ainda envolve toda a base Sem Terra do MST, com atividades nos territórios e espaços do MST no Brasil. E para o segundo semestre deste ano, também está prevista a realização de um Seminário Internacional de Formação Política, com debates sobre a formação política na atualidade e em comemoração aos 20 anos da Escola, reafirmando seu caráter internacionalista.
Segundo Cássia Bechara, que passa a integrar a coordenação da ENFF este ano, as celebrações de aniversário vão se estender por todo o ano de 2025. “Como uma escola em processo permanente de construção coletiva, mais do que celebrar o dia oficial da inauguração física desse espaço, devemos fazer de todo o ano de 2025 um ano de celebração: da nossa escola, da formação político-ideológico e do projeto que essa escola representa”, enfatiza.
O nascimento de uma escola de formação dos movimentos populares
Inaugurada em 23 janeiro de 2005, a ENFF foi construída a partir do desejo dos trabalhadores/as do MST em criar um espaço de formação central para a classe trabalhadora, após a construção de espaços de formação política e técnica em alguns estados desde a década de 1980. As construções da escola se iniciaram no ano 2000 com o trabalho voluntário de mais de mil trabalhadores/as Sem Terra e simpatizantes de vários estados brasileiros. Seu projeto arquitetônico foi pensado para reduzir as agressões ao meio ambiente.
Os recursos para a construção dos prédios foram arrecadados junto a instituições e amigos da Reforma Agrária no Brasil e exterior. Grande parte dos fundos foram obtidos com a venda de fotos de Sebastião Salgado e do livro “Terra”, além de contribuições de entidades de apoio do Brasil, da América Latina e de outros países.
Quanto à contribuição da ENFF na formação política de militantes para os movimentos populares, principalmente do Brasil, América Latina e Caribe, nesses 20 anos o espaço se consolida ambiente de intercâmbios e construção coletiva entre os movimentos e organizações populares da classe trabalhadora. Ou seja, a escola se torna uma referência importante nas análises e construção de estratégias em torno das lutas e desafios comuns entre essas organizações, nas definições de suas linhas políticas em todo o mundo.
A ENFF reafirma a importância estratégica da formação política, que muitas vezes é relativizada e até mesmo abandonada por outros setores da esquerda. É a materialização da concepção de que não há luta sem organização, e que não há organização sem formação política. Só transforma a realidade quem a interpreta e compreende desde um ponto de vista objetivo e com horizonte político”.
– Cássia Bechara
O cubano Jorge Ferrera Diaz, parabeniza o MST pelos 20 anos da ENFF e afirma que o espaço tem cumprido a necessária missão de formar e preparar quadros e militantes do movimento social em diferentes cursos de curta e média duração, além de patrocinar e sediar importantes eventos e comemorações históricas. Diaz é ex-funcionário do Departamento da América e Departamento de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista Cubano, e atuou como consultor político da embaixada de Cuba no Brasil e na República Bolivariana da Venezuela.
“Tive o privilégio de ver a Escola nascer no início dos anos 2000, quando começaram as obras de fundação. Pouco tempo depois visitei e já era uma realidade. Em meados de 2007 participei de um seminário de organizações sociais da América Latina, com ampla participação de líderes e ativistas da região. A Escola Florestan Fernandes se consolidou pelo seu trabalho legítimo com o movimento popular e é exemplo de unidade, solidariedade e internacionalismo, ao qual desejamos novos triunfos e vitórias”, enfatiza Diaz.
Ao celebrar duas décadas como espaço central de formação e socialização de conhecimentos entre os movimentos populares, a ENFF conta com alguns dados interessantes. Nesse período, passaram pela escola cerca de 70 mil pessoas, participando de diversas atividades: cursos formais e informais, reuniões, seminários, eventos nacionais e internacionais, visitas, intercâmbios e ciclos de debates. Estiveram em funcionamento 50 turmas de cursos nacionais, 36 turmas de cursos internacionais e 32 turmas de cursos de graduações e pós-graduação, em parcerias com Instituições de Ensino Superior. Esse conjunto de turmas abrigou mais de 500 educadores/as e voluntários.
O princípio do internacionalismo entre os povos
Nesses 20 anos, a Escola também se tornou referência no intercâmbio e internacionalismo entre os movimentos e organizações populares do continente, principalmente entre os povos da América Latina e Caribe. O internacionalismo é um dos princípios do MST, de que a luta contra a exploração do ser humano e por direitos não tem fronteiras, geográficas ou étnicas na construção de uma sociedade socialista.
Este princípio está presente desde a inauguração da ENFF, em 2005, com o Seminário Internacional sobre a Formação de Quadros. Esse princípio também se insere nos processos formativos, que resultaram em diferentes cursos, como Teoria Política Latino-americana (2007), Formação de Formadores Latino-americanos (2008), Formação de Formadores em Idioma Inglês (2015), Estudos sobre as Revoluções (2017), Teoria Política em Idioma Inglês (2018), dentre outros. Em 2019, se iniciam outras experiências: Curso de Teoria Política em Idioma Francês; Método e Metodologia em Idioma Inglês e o Curso Internacional de Quadros. Em 2024, aconteceu a primeira turma do Curso Justiça Linguística, e a décima quinta turma do Formação de Formadores e Teoria Política Latino-americana.
“O internacionalismo faz parte dos princípios do MST e da ENFF, portanto, do cotidiano de nossa escola. Para além dos cursos e atividades internacionais, as místicas, as jornadas internacionalistas, as ações de solidariedade internacional, o internacionalismo estão presentes no dia a dia de nossa escola. Os próprios espaços da escola são uma celebração permanente ao internacionalismo e a luta antiimperialista. Temos a plenária Rosa Luxemburgo, o espaço com as imagens de Che, Fidel e Chávez, etc”, aponta Cássia.
Nesse sentido, a ENFF tem incentivado a prática do internacionalismo entre militantes e dirigentes de movimentos e organizações populares de vários países e outras pessoas, que participam de cursos e diversas atividades nesse espaço.
“Minha experiência na Escola foi participar de conferências online. Foi uma experiência muito agradável mesmo sendo online. Estou convencida de que para o movimento social revolucionário popular em toda a região da América Latina e do Caribe, a Escola é um território para exercitar, formar e consolidar o pensamento crítico para a urgente transformação radical dos nossos territórios. É um espaço para aprender em liberdade, autonomia, soberania, solidariedade, justiça e dignidade humana”, relata Yohanka León, professora cubana, do Grupo América Latina, Filosofía Social e Axiología (Galfisa), do Instituto de Filosofía do Ministério de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Cuba.
Segundo Cássia, a ENFF também tem papel importante na articulação política do MST e de outras organizações populares no Brasil e exterior. “Muitas iniciativas importantes foram, de certa forma, gestadas em nossa Escola. Podemos destacar a Assembleia Fundacional da Alba Movimentos, em 2013 e o encontro Dilemas da Humanidade em 2015, que resultou no que hoje são os esforços da Assembleia Internacional dos Povos (AIP)”, expõe.
A partir da práxis e reflexão cotidiana em torno do internacionalismo e da pedagogia de Paulo Feire, a ENFF incorpora ao seu projeto político-pedagógico de formação um conjunto de elementos sobre as realidades dos diferentes países, a partir das pessoas e da cultura de seus países, que passaram por esse ambiente nos 20 anos. “Inicialmente da América Latina, porém atualmente também de outras partes do mundo. Esses elementos impactam em nossas concepções de cultura, nos conteúdos dos cursos, em abordagens de temas, em recuperação de uma história desde a perspectiva dos oprimidos do mundo. Isso é importante, pois embora a ENFF se inspire em outras organizações e países no fazer formativo, é a própria Escola que mais se qualifica diante dessa diversidade de experiências e formas de luta”, explica Cássia.
O internacionalismo segue presente nos cursos do próximo período, nos cursos de Formação de Formadores e Teoria Política Latino-americana. Ainda no primeiro semestre está prevista a realização de um Curso Internacional de Geopolítica, para militantes de organizações populares de todo o mundo, realizado juntamente com a articulação da Assembleia Internacional dos Povos.
Homenagem ao legado de Florestan Fernandes
A Escola leva o nome do pensador e sociólogo Florestan Fernandes, um dos maiores intelectuais do país, considerado o fundador da sociologia crítica brasileira. Seus estudos foram pautados pelo compromisso com a transformação social, com debates essenciais sobre a desigualdade, racismo e direitos humanos. Ele faleceu em 1995, com mais de 50 obras publicadas.
Para Cássia, o MST nomeou sua escola nacional de formação de quadros em homenagem a Florestan Fernandes buscando estimular a reflexão acerca do legado teórico e político do pensador, que segue atual e importante para orientar as práticas políticas e organizativas de movimentos e organizações populares, que tentam romper com a ordem burguesa e lutam pela construção de uma sociedade socialista.
“No dia da inauguração da ENFF, 20 anos atrás, Heloisa Fernandes disse que, com essa homenagem, seu pai, Florestan Fernandes, retornava às suas três casas: a casa do conhecimento; a casa de seus ancestrais: os/as camponeses; e a casa de seu projeto: o socialismo. Ao celebrarmos os 20 anos da escola reafirmamos nosso compromissos com a vida e o legado de Florestan Fernandes: contribuir com a revolução brasileira, latino-americana e internacional. A chama do socialismo que o manteve vivo, nos convoca a continuar organizando, formando e desencadeando lutas táticas e estratégicas que façam avançar o processo da revolução socialista”, conclui Cássia.
*Editado por Fernanda Alcântara