Agronegócio

Segundo maior frigorífico brasileiro lucra na Bolsa com lavagem de gado, desmatamento ilegal e pressão sobre terra indígena

Minerva usa recursos do Fiagro e de Certificados de Recebíveis do Agronegócio para bancar fornecedores diretos que compram de desmatadores
Das oito sub-regiões de Rondônia, a regional de Vilhena, situada no Cone Sul, possui a segunda maior área de pasto para bovinos, com 31,4 mil km², o equivalente à área da Bélgica. Fonte: Idaron/RO – Fotos: Fernando Martinho/O Joio e O Trigo

Por Bruna Bronoski
Do Joio e o Trigo

Margeado pelas últimas castanheiras que sobreviveram ao desmatamento, o trecho da estrada de terra da RO-370 foi recentemente terraplanado para a chegada do asfalto. A Transboiadeira recebeu máquinas frenéticas antes da temporada de chuvas amazônicas, em outubro de 2024, quando passamos por ela para acessar as fazendas que são o último destino de parte do dinheiro arrecadado pelo Fiagro, o Fundo de Investimento das Cadeias Produtivas Agroindustriais. 

Outros dois apelidos do caminho, “estrada do boi” e “estrada do progresso”, reforçam a principal atividade econômica do Cone Sul rondoniense, ao lado da soja. Várias propriedades nesta região criam, recriam e engordam gado para os frigoríficos da Minerva Foods, segunda maior processadora de carnes do Brasil. 

Segundo investigação inédita do Joio, a empresa recebeu crédito de ao menos R$ 10,8 bilhões por meio de títulos de dívida do mercado de capitais desde dezembro de 2019, os chamados Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que foram incorporados a vários Fiagro. 

A investigação aponta que ao menos 11 fundos de investimento do agro incluíram, entre seus ativos, três CRA da Minerva, oferecidos a investidores na Bolsa de Valores do Brasil (B3):

AAZQ11 e AZQA11, da AZ Quest Investimentos; BBGO11, do BB Asset Management, gestora de ativos do Banco do Brasil; CPTR11, da Capitania Investimentos; CRAA11, da Sparta Fundos de Investimento; IAAG11, do Inter Asset; JGPX11; da JPG Asset Management; KNCA11, da Kinea Investimentos, do grupo Itaú; VCRA11, da Vectis Gestão; XPAG11 e XPCA11, da XP Investimentos.

O dinheiro de um dos CRA, o CORP Minerva VI, foi usado para reembolsar a empresa pelos gastos com o pagamento de fornecedores de gado num período de dois anos antes do encerramento da oferta. Parte destes fornecedores possuem histórico de desmatamento e participam de redes de lavagem de gado ilegal, conforme revela levantamento do Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos projetada para apoiar e ampliar a ação climática em todo o mundo, feito a pedido do Joio. 

Entre os fornecedores da Minerva vinculados aos CRA figuram pecuaristas que possuem embargos do Ibama por desmatamento não autorizado e que são partes interessadas em impedir a demarcação de terra indígena Tanaru, conhecida por ter sido o refúgio do “Índio do Buraco”. Em vez da demarcação definitiva da área, os fazendeiros sugerem a criação de um “memorial” em uma parte restrita dos mais de oito mil hectares, de forma que o restante seja entregue para eles.

O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) também fornece gado à empresa. Além de “limpar a ficha” de fornecedores que praticam desmatamento, Bagattoli é autor do Projeto de Lei (PL) 3334/2023, que propõe reduzir de 80% para 50% as áreas de Reserva Legal em propriedades privadas no bioma amazônico, o que beneficiaria a todos os pecuaristas desta região – inclusive ele.

Ainda, herdeiros do fundador da Minerva Foods recebem diretamente pagamentos com recursos da Bolsa. Suas fazendas nesta região de Rondônia são um núcleo concentrador de gado de outras propriedades que não estão livres de irregularidades socioambientais. 

Os recursos para comprar gado com origem do desmatamento são possíveis por meio do sistema de securitização de dívidas baseado na avenida Faria Lima, no centro financeiro do Brasil, em São Paulo. Escritórios de securitização são responsáveis por estruturar títulos de dívida para empresas, cooperativas ou produtores rurais que queiram financiar suas atividades comerciais sem passar pelo escrutínio de bancos tradicionais.

A Virgo, antiga Isec e responsável por todas as emissões de títulos da Minerva, também emitiu CRA para a gaúcha Vinícola Salton, flagrada com trabalho análogo à escravidão em 2023. No ano seguinte, a securitizadora adiantou R$ 100 milhões para a empresa com a emissão do título de dívida.

Perguntamos à Virgo se há uma análise do histórico socioambiental das empresas antes da emissão de títulos. A securitizadora respondeu que efetua um processo de validação das partes envolvidas em emissões e que, nos casos mencionados na reportagem, “as operações foram emitidas após assinatura dos documentos, realização de auditoria junto a assessores legais externos e, também, definição de fatores de risco aplicáveis”.

Investir nesses títulos e fundos é bastante simples. Até pouco tempo, apenas investidores de alto poder aquisitivo tinham condições de arcar com altas taxas administrativas para fazer negócios na B3, no balcão, por telefone ou em pregões. 

Com o avanço das plataformas digitais, a difusão de informações sobre investimentos nas redes sociais e a facilidade de cadastro em aplicativos de corretoras de valores, usando apenas o CPF, qualquer cidadão pode investir no agro e, por vezes, no desmatamento.

As emissões de títulos da Minerva têm prazos de vencimento para os próximos dez anos, até 2034. Isso significa que a empresa tem até uma década para pagar a remuneração acordada com investidores e devolver o valor principal emprestado, seja parcelado ou à vista na data de vencimento. 

Para distribuir esses títulos entre investidores, os coordenadores líderes das emissões definem estratégias de alcance dos clientes. Quanto maior o banco de investimento, mais chances têm os fundos e os títulos de decolar no mercado.

Metade dos oito CRA emitidos para a Minerva foram distribuídos pelo BTG Pactual. Ao mesmo tempo em que emplaca, no mercado de capitais, produtos que financiam o desmatamento, o banco também sugere a Amazônia como destino de “paraíso natural” para seus clientes nas redes sociais.

Além do Banco BTG Pactual, a XP Investimentos e o BB Banco de Investimentos, do Banco do Brasil, também figuram como coordenadores líderes de emissões da Minerva

Os fornecedores da Minerva Foods estão listados nos Termos de Securitização de CRA, documento obrigatório para a emissão dos títulos. O Joio cruzou estas informações com dados públicos de desmatamento. Em nota, a empresa informou que “considerando o fornecimento direto, não foram identificados passivos ambientais ou comercialização irregular” a partir das fazendas identificadas pela reportagem. A empresa também declarou não rastrear seus fornecedores indiretos, meta que deve atingir somente em 2030. 

*Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.