Luta Antirracista
60 anos sem Malcolm X: Ecos e sementes de uma história de luta plantada no caminho da Reforma Agrária Popular
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Por Vanessa Ribeiro e Rafael Bastos/ Grupo de Estudos Étnico-Raciais/MST
Da Página do MST
Se não está pronto para morrer por ela, coloque a palavra ‘liberdade’ fora do seu vocabulário”
– Malcolm X
Na semana em que se completa 60 anos do assassinato de Malcolm X, a pergunta do ativista ainda faz sentido para todos que experimentam a violência do racismo estrutural: “Quem te ensinou a odiar a cor de sua pele?”
No dia 19 de maio de 1925 nasceu El Hajj Malik Al-Shabazz, mais conhecido como Malcolm X. Malcolm X entendia que a liberdade do povo negro nos Estados Unidos (e no mundo) era resultado de sua capacidade de organização e autossuficiência, o que incluía a posse da terra como base material para a emancipação. Defendeu que o povo negro deveria construir suas próprias instituições e não depender do sistema branco opressor, e que a “resistência do povo negro contra os regimes autoritários era o caminho para a revolução.”
Dirigente negro que influenciou toda uma geração de militantes por sua defesa da unidade negra e a luta contra o racismo, atualmente sua contribuição intelectual e sua luta revolucionária são conhecidas em todo o mundo.
Instigava a pensar sobre a falta de liberdade na dependência dos meios de vida na mão de pessoas brancas e a inexistência de espaços negros de comércio, algo flagrante na história do Brasil. Isso se conecta com a luta pela terra no Brasil e no mundo negro, deste reconhecido do estado africano, fora do continente mãe. Somos comunidades quilombolas, indígenas, camponesas e periféricas que buscam acesso e direito ao território para garantir sua sobrevivência e autodeterminação, para a manutenção de nossa cultura em meio ao sistema capitalista, que segue nos açoitando.
Em sua defesa pela autonomia do povo preto, nos encontramos com o pensamento de Malcolm X e a luta pela terra. A soberania nacional está intimamente ligada à resistência negra contra o racismo estrutural. Embora sua luta tenha se concentrado nos EUA, Malcolm X fazia conexões com as lutas anticoloniais na América Latina, África e na Ásia. Ele reconhecia a ligação dos povos negros ao redor do mundo, através da estrutura de exploração baseada em um sistema estruturado pelo racismo, em que a desterritorialização se tornou um dos principais instrumentos de dominação do colonialismo.
O fato de 75% da população brasileira mais pobre é negra é um efeito das violências que o povo preto vem sofrendo ao longo de toda a diáspora africana. A perseguição ao povo preto não parou; o encarceramento em massa de negros e negras foi mais um passo na direção do embranquecimento da população.
No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras organizações camponesas enfrentam desafios semelhantes e denunciam a concentração fundiária e a violência estatal para a manutenção das desigualdades.
A luta pela terra e reforma agrária popular no Brasil é também uma luta antirracista. Malcolm X criticava o sistema capitalista racista que excluiu sistematicamente a população negra de oportunidades. A estrutura fundiária ainda reflete essa lógica; a maioria das terras está nas mãos de elites brancas. O Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que os brancos detêm mais terras do que os negros: das grandes propriedades, 79,1% dos donos são brancos, enquanto apenas 17,4% são pardos e 1,6% são pretos. Assim, não há dúvidas de que o Agronegócio é Branco.
A população negra historicamente foi expulsa do campo e forçada a ocupar periferias urbanas sem acesso a direitos básicos; ainda hoje são a maioria da população excluída e também a maior parte em situação de rua. Um breve olhar para os abrigos e nas grandes cidades não deixa dúvidas.
Como descolar a violência do latifúndio do racismo? Pergunta que responde ao porquê de tantas comunidades rurais e Sem Terra serem atacadas e pessoas serem mortas. O latifúndio branco mata agricultoras familiares e pessoas negras. Recuperar Malcolm X nesse momento é importante, pois ele sempre refletiu e nos lembrou a importância da defesa do direito à autodefesa contra a violência racista pela manutenção do direito à vida, que é ameaçada pelo latifúndio branco.
Fato: os negros até hoje não têm o direito de resistir à opressão por todos os meios necessários para conservar a vida, o maior bem. No Brasil, comunidades que lutam pela terra enfrentam repressão policial, despejos e assassinatos de lideranças. A luta camponesa, portanto, compartilha com Malcolm X a necessidade de resistência diante da violência do Estado.
Uma noção satisfatória de legítima defesa não é óbvia, então qual é a nossa resistência ativa contra o racismo, incluídos os das organizações populares? Quando vemos atos de legítima defesa no contexto da violência estrutural e entendemos o “eu” encarnado nos dados sociais. Escrevendo especificamente sobre a legítima defesa armada, Akinyele Omowale Umoja a define como “a proteção da vida, das pessoas e da propriedade contra agressões violentas por meio da aplicação da força necessária para frustrar ou neutralizar o ataque.”
Embora isso possa ser apropriado em muitos contextos, a associação primária da legítima defesa com a proteção não captura como ela também pode reproduzir ou minar normas e relações sociais existentes, dependendo da localização social do “eu” que está sendo defendido. Depois de repelir ataques contra a nossa vida, não há dúvidas de que renasceremos. A resistência ativa deve compreender a legítima defesa e, portanto, levar em conta o poder transformador para grupos oprimidos, como o povo sem terra no país do agronegócio, bem como o efeito estabilizador da legítima defesa para grupos opressores. Não é, será ou foi pacífico o processo de libertação dos povos; não será diferente em nossos espaços, seguimos morrendo.
A luta pela terra no Brasil, seja de comunidades quilombolas, indígenas ou camponesas, ressoa com as ideias de Malcolm X sobre soberania, justiça social e resistência ao racismo estrutural. A terra não é apenas um bem econômico, mas um direito fundamental para a liberdade e a dignidade dos povos historicamente marginalizados.
O resgate de nossa história e de nosso senso de comunidade pode vir a nos curar e dar-nos ferramentas para nos defender. A luta pela igualdade racial não cessará enquanto negros e negras não forem maioria no Congresso, na academia, nas mídias, em todos os espaços de poder da sociedade brasileira. Contudo, é importante dar continuidade, valorizar a memória e reconhecer a luta de Malcolm X, entendendo que é necessário pautar um projeto de país que abarque as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras. O projeto de país deve ser forjado pelas mãos do povo brasileiro, deve ser antiracista, antissexista, anticapitalista, antipatriarcal e democrático.
E o racismo deve ser enfrentado no cotidiano e materializado nas linhas políticas para que, de fato, a população negra não fique à mercê das mazelas estruturantes do Estado, compreendendo que negros, negras e indígenas são as principais vítimas do racismo, em sua perspectiva estruturante e da vivência cotidiana.
Nota-se que a luta é por reparação histórica. Nas palavras de Malcolm X: “Não lutamos por integração ou separação; lutamos para sermos reconhecidos como seres humanos.”
Por fim, enegrecer é também uma forma de afeto; é possibilitar que o povo negro tenha brilho nos olhos, vontade de lutar e combater toda forma de opressão, acertando as contas com nossa própria história.
*Editado por Fernanda Alcântara