Direitos Humanos

Malcolm X, dignidade e Reforma Agrária Popular

Porque é importante, nestes 60 anos da morte de Malcolm X, repensar a nossa própria humanidade
Foto: Reprodução

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Há seis décadas, em 21 de fevereiro, uma das vozes mais incisivas na luta por dignidade e justiça era silenciada. Oficialmente, foram 16 tiros que lhe tiraram a vida, mas, simbolicamente, cada corpo negro linchado, explorado ou humilhado ao longo da história representou um tiro a mais, assim como o sangue Sem Terra. Malcolm X já sabia que era um “cabra marcado para morrer”, pois sua luta desafiava diretamente um sistema que perpetuava a opressão e a desumanização. 

No Brasil, quantos Sem Terra também foram alvejados por balas de um ódio construído por décadas? Quantos foram silenciados por reivindicar um pedaço de chão, um pouco de vida, a melhoria da humanidade? A luta por dignidade, seja nos Estados Unidos, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, é sempre uma ameaça àqueles que se beneficiam da subordinação de corpos e almas.

O silenciamento de sua voz, que ecoava liberdade, não se tratava apenas de calar um indivíduo, mas de apagar um símbolo de resistência. Ele foi alvejado pela mídia, pelo Estado, pela supremacia branca, pela repressão policial. A luta era por liberdade, e não à mera “liberdade de expressão”, como alguns dirão, mas à liberdade de existir com dignidade. Para os negros norte-americanos da década de 1960 — e para os Sem Terra no Brasil de hoje —, liberdade significa o direito básico de viver sem medo, de ter acesso a um lugar no mundo, ao trabalho e ao respeito. 

Chamavam sua mensagem de violenta, mas era apenas um alerta: ninguém deveria aceitar ser oprimido sem reagir. “Somos ensinados a exibir cortesia, a ser educados, mas também somos ensinados que, a qualquer momento, se alguém de alguma forma infligir ou tentar infligir violência sobre nós, estamos dentro de nossos direitos de retaliar em legítima defesa com o máximo de nossa capacidade. Nós nunca iniciamos violência contra ninguém, mas se alguém nos atacar, reservamos o direito de nos defender”, afirmou. Acusá-lo de violento era como acusar um homem que lutava para não ser linchado.

Sua luta pela dignidade é semelhante à nossa, com desafios latentes. Ao reivindicar a Reforma Agrária Popular, os Sem Terra não buscam apenas terra, mas o reconhecimento de sua existência como seres humanos e camponeses, agricultores que cultivam a terra e o alimento. Se nos EUA Malcolm X denunciava um sistema que negava a humanidade dos negros, no Brasil, o MST enfrenta um modelo que relega os/as trabalhadores/as rurais à invisibilidade. A luta é a mesma: ser reconhecido como pessoa. Assim como Malcolm X desafiava a noção de superioridade branca nos Estados Unidos, o MST confronta a estrutura agrária brasileira, que concentra terras e defende desigualdades históricas. Ambos os movimentos partilham a compreensão de que a luta por direitos não é apenas uma questão material, mas também uma batalha por reconhecimento e respeito.

A opressão racial e a exploração de classe são faces da mesma moeda. Como destacou Lélia Gonzalez, a lógica da “pureza racial” nas sociedades anglo-saxônicas, que nega a miscigenação para manter a suposta superioridade branca, é uma estrutura que também se reflete, de formas diferentes, no Brasil. Malcolm X desafiou essa lógica, afirmando a humanidade negra e inspirando movimentos em todo o mundo e articulando em palavras um sofrimento que havia sido sistematicamente negado e silenciado. Esta era a grande autoridade de Malcolm X diante de qualquer público, dizendo quem realmente somos. 

Hoje, Malcolm X segue sendo mais que um ícone: suas ideias ainda incomodam e inspiram. Seja na luta contra o racismo nos Estados Unidos ou na defesa da Reforma Agrária Popular no Brasil, a mensagem é que dignidade não se trata de uma concessão, mas um direito inalienável que precisa ser retomado.

*Editado por Solange Engelmann