Educação
MST inicia Jornada de Alfabetização nos assentamentos e acampamentos do Nordeste
Iniciativa pretende organizar cerca de 1500 turmas de jovens e adultos em todos os estados da região

Por Gustavo Marinho
Da Página do MST
“Eu não tive oportunidade de estudar quando era mais jovem, por precisar sair para trabalhar junto com meu pai, e agora quero aprender a fazer meu nome, ler e escrever.” O relato de Antônio Carlos de Lima, de 56 anos, assentado no Assentamento Primeiro de Abril, em Ipirá (BA), reflete uma realidade comum entre trabalhadores rurais: o analfabetismo, que ainda persiste no Brasil, especialmente no Nordeste, onde 11,2% da população não sabe ler ou escrever, segundo o IBGE (2023).
O dado é ainda mais alarmante quando comparado à média nacional (5,4% entre pessoas acima de 15 anos). Diante desse cenário, o MST lança a Jornada de Alfabetização de Jovens e Adultos nos Acampamentos e Assentamentos da Reforma Agrária Popular.
Em parceria com o Incra (através do Pronera), do Ministério da Educação e da UFPE, a Jornada organizará cerca de 1.500 turmas nos nove estados do Nordeste, envolvendo aproximadamente 20 mil camponeses e camponesas na sala de aula.
“No tempo da minha juventude, eu não tive o direito de estudar. Agora, posso chegar à sala de aula para realizar meu sonho de escrever meu nome”, disse Maria Salete dos Santos, 55 anos, educanda no Acampamento Marielle Franco (Atalaia-AL).
“Nossa tarefa é acabar com o latifúndio do saber”


Rubneuza Leandro, do Setor de Educação do MST e da coordenação da Jornada de Alfabetização do MST, destaca o papel da construção da atividade que tem mobilizado centenas de educadores e educadoras nos mais diversos acampamentos e assentamentos do Movimento, levantando a bandeira de luta pela superação do analfabetismo sob o lema “todo e toda Sem Terra se alfabetizando”.
“A partir da realização da Jornada queremos dialogar com a sociedade que não dá mais para conviver com o analfabetismo e que sim é possível se organizar coletivamente para fazer com que políticas públicas se efetivem para a educação de todos e todas”, comentou reforçando o papel da Jornada na região. “Nossa Jornada reafirma ainda que a educação é de fato um direito e que não tem idade para aprender a ler e escrever”.

De acordo com a Rubneuza, que integra a Coordenação Política e Pedagógica da iniciativa nos estados do Nordeste, a Jornada vem sendo construída e gestada há anos pelo MST pautando o fortalecimento da política de Educação de Jovens e Adultos e, com o golpe de 2016 o processo foi interrompido e retomado em 2025 somente. “Temos o grande desafio de superar o analfabetismo dentro das nossas áreas de assentamento e acampamento da Reforma Agrária. Mesmo sabendo que só nesses territórios a gente não tem impacto na mudança do quantitativo das taxas de analfabetismo no país, mas cria uma irradiação e um sentimento coletivo de que é possível transformar essa realidade”, sinalizou.


Além dos mais de 20 mil educandos e educandas nas áreas do MST, a Jornada deve ainda mobilizar coordenadores territoriais e mais de 1.500 educadores e educadoras que vão atuar nas turmas em todos os estados da região.
Simbolicamente, as primeiras semanas de aula da Jornada marcam o calendário no mês de abril, período conhecido historicamente pelas lutas em defesa da Reforma Agrária, que esse ano ganhou ainda mais conteúdo com a mobilização de trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra dentro da sala de aula, demarcando ali também uma trincheira de luta.

“Nós entendemos que o conhecimento é fundamental para pensarmos e construir uma nova matriz produtiva para o campo. Na agricultura convencional, na agricultura hegemônica conduzida pelo agronegócio, os trabalhadores só são mão de obra, só são executores. Quando falamos em Reforma Agrária Popular, pautamos o comando dos trabalhadores e esses trabalhadores precisam do acesso ao conhecimento para poder também desenvolver esse projeto para o campo”, explicou Rubneuza Leandro.
Para Rubneuza, a formação das turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na perspectiva do mutirão conduzido pela Jornada de Alfabetização vai contribuir ainda na reafirmação de que o projeto de Reforma Agrária Popular defendido pelo MST pauta além da democratização do acesso à terra, mas apresenta em sua ideia central também a necessidade do acesso ao conhecimento como caminho fundamental para a construção da emancipação humana. “É esse conhecimento construído e conquistado que contribuíram no fortalecimento da organização popular nos territórios, mas também para desenvolver melhor economicamente as nossas áreas, melhorar a organização dos espaços na comunidade e muitas outras dimensões da vida. Uma formação pautada pelos fundamentos do nosso projeto para o campo, baseado na democratização da terra, da agroecologia e de novas relações humanas”, explicou.
*Editado por Fernanda Alcântara