Reforma Agrária Popular

A Feira Nacional é uma grande roda da agroecologia

Artigo destaca relação entre Reforma Agrária Popular, produção saudável e agroecologia

Foto: Joka Madruga

Por Nívia Regina*
Da Página do MST

Está chegando a V Feira Nacional da Reforma Agrária, que vai reunir muitos agricultores e agricultoras dos assentamentos e acampamentos, com uma grande diversidade de produtos, comidas típicas, diferentes expressões culturais, uma grande troca de saberes e sabores da Reforma Agrária Popular, sustentados pela agroecologia.

Nos preparativos dessa grande roda da agroecologia que é a Feira Nacional, queremos recuperar alguns elementos de como o movimento vem construindo, ao longo do tempo, a agroecologia nos seus territórios. Não se trata de uma sistematização detalhada ou um mapeamento, mas é um balaio de fatos históricos que mostra o vínculo do MST com a agroecologia, para continuar nos animando nesta caminhada.

Para iniciar, não poderíamos deixar de lembrar que a luta dos povos pelo direito à terra e em defesa dos seus territórios — como os Povos Indígenas, a luta nos Quilombos dos Palmares, Canudos, Contestado, as Ultab’s, as Ligas Camponesas — foram lutas pelo direito de existir, na realização do seu trabalho com a natureza, em diferentes formas de sinergia, cooperação e até antagonismos, onde, de forma menos ou mais consciente, se buscava uma interação com a natureza.

O desenvolvimento da agricultura capitalista, com posterior adoção da Revolução Verde, alterou severamente a natureza, promoveu a submissão dos povos originários e a maior migração camponesa da história, impactando seus conhecimentos e suas práticas, impossibilitando-os de desenvolver suas potencialidades enquanto forma social de produção e de apropriação da natureza. Portanto, a luta pela terra, pela Reforma Agrária, em defesa dos povos originários, também significou o confronto a este modelo de exploração destrutivo da agricultura.

No início do MST, a prioridade de trabalho dentro dos assentamentos consistiu em ações como a luta pela educação, infraestrutura básica, o início da organização da produção, com incentivos para a cooperação agrícola das famílias assentadas (incluindo as informais ou espontâneas), crédito rural, assistência técnica, incentivo ao beneficiamento, ampliando a capacidade das famílias assentadas em resistirem e permanecerem na terra e desenvolverem as forças produtivas.

Como se dá a semeadura da agroecologia no MST?

Foto: MST na Bahia

Nos primeiros quinze anos do MST, a organização dos assentamentos concentrou grandes esforços para desenvolver novas formas de relações sociais de produção. A criação do Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) foi um marco importante, que nos levou a aprender com experiências de outros países, como em Cuba. Neste período, nascem iniciativas importantes como a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (CONCRAB), as Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs), um sistema de formação integrado à produção cooperada (a exemplo do Curso de Técnicos em Administração de Cooperativas), e outras formas de cooperação que refletem o lema do nosso 2º Congresso em 1990: Ocupar, resistir e produzir.

Durante a década de 1990, com o desenvolvimento do neoliberalismo, ocorreram transformações no modo do capitalismo estruturar a produção e o trabalho, com inovações tecnológicas, privatização e globalização. Consolidou-se o projeto agrário brasileiro pautado na agenda do “Novo Mundo Rural”, propagandeada pelo Banco Mundial. Os programas de crédito e assistência técnica dos órgãos públicos operaram para o desenvolvimento de uma agricultura intensiva em insumos, subordinando o desenvolvimento do campesinato aos pacotes tecnológicos.

Este processo incide sobre o MST, que busca formas de desenvolver e socializar tecnologias dominantes para ampliar a produção em áreas de baixa qualidade, adquirindo insumos da Revolução Verde, trazendo desafios econômicos, técnicos, políticos e culturais, pela alta dependência e endividamento para muitos projetos de assentamentos.

Ao mesmo tempo, várias iniciativas vinham se desenvolvendo em diferentes assentamentos, como práticas de agricultura orgânica, hortos medicinais, agroflorestas e sementes crioulas. Junto com aliados e parceiros de instituições públicas de pesquisa, ensino e extensão rural e sociedade civil organizada, o MST gradativamente foi acumulando sua insatisfação e crítica ao modelo da Revolução Verde e desenvolvendo trabalhos articulados que produziam outros paradigmas produtivos alternativos.

A Agroecologia no MST e o enfrentamento ao agronegócio

Foto: Hanna Letícia

A agricultura brasileira na década de 2000 consolida o agronegócio, ficando claro para o MST que fatores como o aumento da concentração da terra, o controle da produção e circulação agrícola pelas empresas transnacionais, as commodities e a base tecnológica da Revolução Verde com as biotecnologias, o uso intensivo de agrotóxicos e transgênicos, eram elementos de um mesmo projeto de morte para o campo brasileiro.

O IV Congresso do MST (2000) lança o cartaz “Nossos compromissos com a Terra e com a Vida”, onde afirma o compromisso de defender e preservar todas as formas de vida do planeta, cuidar e proteger a terra e a água, não queimar, etc. Desta forma, marca sua crítica ao modelo agrícola do agronegócio e projeta o desenvolvimento de linhas políticas e ações concretas para a construção de um novo modelo tecnológico com base na agroecologia.

Este período é a fase em que o MST mais se apropria e internaliza o debate sobre a agroecologia. Em 2001, o setor de produção lança a cartilha “O que levar em conta para a Organização dos assentamentos — a discussão no Acampamento”, trabalhando com a militância dimensões relacionadas à organização dos novos assentamentos, sendo um dos eixos “Um novo jeito de produzir”, na qual o MST coloca que “a agroecologia deverá orientar nossas práticas produtivas”. Neste período, o setor é transformado em Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente.

A Reforma Agrária Popular e a Agroecologia

A Reforma Agrária Popular, no VI Congresso Nacional em 2014, ganha corpo com a proposta do Programa Agrário, e o lema do congresso “Lutar, Construir Reforma Agrária Popular” projeta o MST para a implementação da proposta, a partir dos seus territórios, setores e coletivos. E é dentro da Reforma Agrária Popular, que interessa não somente aos Sem Terra, mas também à população que está nas cidades, que a agroecologia encontra sua possibilidade mais concreta de massificação.

O MST realiza em 2015 a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária, colocando em marcha o diálogo amplo com a sociedade sobre o uso da terra, a produção e consumo de alimentos saudáveis e a agroecologia. Essa articulação entre o campesinato e a classe trabalhadora urbana é a materialidade da Reforma Agrária Popular.

Atualidade e desafios

Muitas experiências têm sido massificadas nos estados, fortalecendo parcerias com governos populares, universidades e institutos, com movimentos do campo e da cidade.

Temos, na atualidade, uma maior diversidade das cadeias produtivas consolidadas, mesmo num quadro profundo de mudanças climáticas e desastres ambientais (secas prolongadas, fortes chuvas, enchentes). A empresa pioneira da agroecologia, a Bionatur, está com mais de 50 variedades de diferentes espécies, aproximadamente 8 toneladas de semente por ano. A cadeia do arroz, mesmo com o grande impacto sofrido no RS em 2024, a 22ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico celebrou a safra 2024/2025 de quatorze mil toneladas do grão.

No campo da formação em agroecologia, seguimos avançando com muitas ações na educação informal, formal e formação política. Muitas atividades têm sido desenvolvidas nos acampamentos, assentamentos e centros de formação nos estados, construídas em parceria com universidades e instituições e convênios com o PRONERA, com cursos não escolares e escolares em nível técnico, tecnólogo, especialização e mestrado.

Iniciativas dos últimos cinco anos, como o Programa de Bioinsumos e o Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis, são ferramentas técnicas e políticas que buscam seguir aprofundando a agroecologia no MST. A produção dos bioinsumos, que tem sido apropriada pelas empresas transnacionais, é uma ação necessária para buscar aumentar a produtividade dos nossos cultivos com base ecológica. Para isso, é fundamental estudar, pesquisar, promover a produção local e construir estruturas de biofábricas para a produção massiva de bioinsumos. Desta forma, o movimento tem trabalhado desenvolvendo formação e experiências nos estados.

Nívia Regina é dirigente do MST e integrante da Brigada Internacionalista do Movimento em Cuba.