Agroecologia
Teste confirma que cuscuz produzido pelo MST em PE não tem agrotóxicos ou transgênicos
Escassez de sementes crioulas, mudança no regime de chuvas e falta de mecanização não impedem celebração de grande venda

Por Vinicius Sobreira
Do Brasil de Fato
No mês de junho, o São João não foi o único motivo para sorrir nos assentamentos do Movimento dos trabalhadores Sem Terra (MST) em Pernambuco. Testes químicos e genéticos confirmaram que o cuscuz flocão de milho da marca Normandia, produzido por agricultores familiares ligados ao movimento, é um produto livre de organismos geneticamente modificados (transgênicos) e da contaminação de agrotóxicos. Produzido a partir de milho crioulo, o alimento foi lançado no mercado este ano e pode ser comercializado em todo o Brasil.
O sem terra Jaime Amorim está à frente da associação de produtores do Assentamento Normandia, que dá nome ao flocão. Em conversa com o Brasil de Fato, ele contou que a ideia de produzir um cuscuz do próprio movimento surgiu há três anos. “Já queríamos produzir um flocão saudável para a população. Mas o mercado de sementes [de milho] é dominado pelos transgênicos. Até que encontramos a semente ‘cacetinha’, que estamos chamando de ‘semente crioula Normandia’, e temos feito a nossa própria seleção de sementes”, conta Jaime.
O “milho cacetinha” é de espiga pequena e sementes densas, muito utilizado para o consumo cozido ou na produção de pamonha. O movimento tem o desafio de produzir uma grande quantidade de milho para o flocão a partir da seleção das melhores sementes crioulas. “É o grande problema. Mas este ano conseguimos produzir quase 100 sacos de sementes e enviamos para assentamentos em todo o estado”, conta Jaime. O plantio está acontecendo no próprio assentamento Normandia, em Caruaru; no pré-assentamento Nova Embrapa, em Petrolina; em assentamentos no Sertão do Araripe pernambucano; e no acampamento Gideone, em Goiana.
A produção livre de transgênicos e de agrotóxicos é compromisso do MST, mas também foi uma exigência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para uma futura aquisição do flocão. A empresa pública do Governo Federal adquire itens alimentares, em especial da agricultura familiar. Parte deles é repassada para cozinhas públicas que atendem pessoas em vulnerabilidade, enquanto outra parte é guardada como estoque regulador, vendido para redes de supermercado em caso de desabastecimento ou inflação.
A Conab firmou contrato para a compra de mais de 100 toneladas do flocão Normandia. “Eles exigem os testes, que foram acompanhados por uma equipe da Conab. E esse selo ‘livre de transgenia’ é muito importante para nós. E para mantê-lo assim, temos que seguir tendo o cuidado de não produzirmos em áreas próximas a vizinhos que usam transgênicos”, explica Amorim. A cada safra, os agricultores escolhem as melhores espigas, colocam as sementes para secar e armazenam até o próximo plantio, evitando a contaminação.

Além do flocão para cuscuz, a cooperativa de agricultores de Normandia passou a produzir farinha de mandioca, fornecendo para escolas da rede pública através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O plano é também conseguir vender a farinha para a Conab.
As mudanças climáticas e a safra do Nordeste
Jaime também destacou a necessidade de superar os desafios impostos pela mudanças climáticas num território semiárido, onde o acesso à água é historicamente escasso. “Ano passado foi muito difícil. Aqui [na região Agreste do estado] só conseguimos uma safra por ano, ainda assim apertada”, diz ele. “Antes plantávamos em março e colhíamos em junho e julho. Mas as chuvas mudaram. Agora plantamos em julho para colher em setembro, torcendo para a chuva se prolongar, sob risco de a safra ser frustrada”, conta o agricultor.
Mas ele está confiante de que o MST conseguirá atender a demanda contratada pela Conab. “Ano passado só produzimos dois lotes. Mas este ano a germinação das nossas sementes foi próximo dos 90%, que é excelente para qualquer milho. E estamos aproveitando assentamentos de todo o estado, em regiões com ciclos de chuva diferentes, da Zona da Mata ao Sertão. Acho que vamos chegar às 130 toneladas”, diz Jaime Amorim, prevendo superar a compra do Governo Federal. O flocão Normandia também tem sido comercializado na rede de mercados Armazém do Campo e o excedente doado para Cozinhas Solidárias em Pernambuco.
Na primeira metade do ano, foi produzido um quarto da compra da Conab. Mas o ciclo de julho a setembro tem mais áreas plantadas. “Temos que acelerar e ampliar essa produção para dar conta das demandas”, avalia a liderança sem terra. Hoje o MST estima ter quase 200 famílias envolvidas na produção de milho crioulo para o cuscuz, tendo como principal centro produtivo a cooperativa de Normandia, em Caruaru.
“Queremos fortalecer a cultura de produção camponesa do milho, para melhorar a qualidade de renda e vida das famílias em todo o estado”, completa. O cereal e a sua palha também servem para alimentar animais.
Necessidade de mecanização
Jaime Amorim também cobra que autoridades políticas contribuam para a produtividade das cooperativas rurais. “Ainda fazemos a colheita manual. Então estamos reivindicando da governadora uma colheitadeira para acelerarmos o processo. A produtividade em Pernambuco é muito baixa, devido aos fatores climáticos. Mas com assistência técnica e mecanização teríamos mais qualidade e rapidez”, avalia o agricultor, cobrando também mais agilidade do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). As cooperativas, segundo Amorim, precisam plantar num solo degradado pela seca no Agreste e pela monocultura da cana na Zona da Mata.
Editado por: Nicolau Soares