Conselho Popular
Com os povos ou não será: Conselho Popular do BRICS propõe nova ordem mundial
Nesta sexta (4) e sábado (5), o centro do Rio de Janeiro sedia o inédito Conselho Popular do BRICS

Por Carmem Angel
Da Página do MST
Pela primeira vez desde sua criação, o BRICS incorpora formalmente vozes da sociedade civil em suas discussões estratégicas. Nesta sexta (4) e sábado (5), o centro do Rio de Janeiro sedia o inédito Conselho Popular do BRICS, iniciativa que antecede a Cúpula de Chefes de Estado e propõe dar novo fôlego à democratização das relações internacionais, desta vez, com os povos como protagonistas.
Organizado no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio, o encontro reúne representantes de
movimentos sociais, sindicatos, universidades e lideranças populares dos
países-membros do BRICS, além de parceiros estratégicos. A proposta busca consolidar o BRICS como um espaço de disputa real por um novo projeto de mundo, que não reproduza a lógica hegemônica do Norte Global.
Sob a presidência do Brasil em 2025, o bloco tem ensaiado movimentos para se afastar da
rigidez diplomática tradicional. A criação do Conselho Popular, também chamado de People’s BRICS, simboliza esse esforço. A ideia é fazer frente ao G7 e ao G20, que operam com forte influência de elites econômicas e interesses geopolíticos ocidentais.
É importante ressaltar que o BRICS não representa uma ameaça. Não somos antiocidentais, somos não ocidentais. Não se trata de uma tentativa de destronar ninguém; quem ocupava o trono já perdeu sua centralidade. O que está em curso é um processo objetivo, pacífico e evolutivo”, afirmou a vice-reitora da HSE University e Chefe do Conselho de Especialistas dos BRICS da Federação Russa, Victoria Panova, durante a mesa “O BRICS e a Ordem Multipolar”, coordenada pelo militante do MST, Marco Fernandes.

Panova denunciou ainda que o avanço dessa proposta é sistematicamente atacado, e que
países que tentam seguir agendas autônomas são tratados como ameaças. Para ela, não
se trata de transferir hegemonias, mas de redesenhar a arquitetura de poder global: uma
nova ordem internacional baseada em soberania, equidade, multipolaridade e autodeterminação dos povos.
Quais os próximos passos?
Durante a mesa, os participantes também trouxeram questionamentos sobre o caminho a
ser seguido pelo BRICS. O Presidente do Instituto Pereira Passos e ex-diretor do Novo
Banco de Desenvolvimento, Elias Jabbour, não poupou críticas à passividade do bloco
diante de recentes agressões de Israel e dos EUA contra o Irã. Para ele, silenciar-se diante
de ataques desse tipo compromete a legitimidade do bloco.
“O ataque não foi apenas contra um Estado, mas contra todo o projeto de soberania que o
grupo representa. O BRICS precisa ser mais reativo. Carregamos hoje a responsabilidade
de atuar como defensores da paz mundial, uma tarefa que se torna cada vez mais
urgente diante do atual cenário de instabilidade e confrontos geopolíticos”, afirmou o
professor e economista. “É preciso entregar respostas concretas às crises de
endividamento, construir sistemas financeiros independentes, romper com a dependência
do dólar e das empresas ocidentais de pagamento. É preciso ter coragem”.
Outros particpantes também cobraram medidas concretas para romper com a dependência
de instituições financeiras ocidentais, como a adoção ampla do comércio em moedas locais,
a implementação do BRICS Pay e a criação de sistemas próprios de pagamento e crédito.
Raymond Matlala, jovem liderança da África do Sul, reforçou as potências do BRICS em
relação ao G20: “Somos diferentes compostos de povos e realidades diferentes, mas nos
encontramos em muitos aspectos. Essa diversidade é uma força, não um obstáculo. Hoje,
há muitos países interessados em integrar o BRICS justamente porque nossas decisões
são tomadas por consenso real , sem lobbies, sem interesses escusos, sem corrupção”.
Já a coordenadora Marta Fernandez, do Centro de Políticas do BRICS, defendeu que o
bloco deve oferecer uma alternativa real à atual desordem global.
“O que os EUA oferecem como alternativa à ordem liberal é o caos como hegemonia.
Um mundo sem leis, onde a força vale mais que a norma, e onde sanções,
sabotagens e fake news são as novas armas de guerra. É nesse vazio que o BRICS
precisa fincar seu projeto”, afirmou a especialista, que completou: “A multipolaridade
não se limita à economia ou à política, mas é também cultural. Modernizar não pode
significar destruir tradições ou apagar culturas locais. Buscamos um mundo no qual
diferentes modelos de desenvolvimento possam coexistir com respeito mútuo e
soberania”.
O ponto foi reforçado por Fabiano Mielniczuk, do Núcleo de Estudos do BRICS na
UFRGS, para quem o grupo é a iniciativa geopolítica mais relevante desde o fim da
Guerra Fria. O palestrante destacou que a vocação global do bloco, que transcende
fronteiras continentais e conecta nações de diferentes partes do mundo em torno de
objetivos comuns. Segundo ele, trata-se de um grupo formado por países com níveis
de desenvolvimento econômico e tecnológico bastante diversos, e essa assimetria
representa uma oportunidade única que estimula a cooperação mútua.
Ele incentivou ainda a criação de instrumentos concretos que permitam a todos
alcançar o desenvolvimento nacional com soberania, citando a plataforma de
investimento comum dos BRICS, proposta lançada no ano passado pela Rússia.
O Conselho Popular do BRICS é uma experiência embrionária, mas promissora. Seus
idealizadores reconhecem a fragilidade do momento, e também seu potencial. A ideia de
um BRICS popular ainda é vista com ceticismo por alguns governos e com desconfiança
por setores conservadores. Mas já se coloca como um marco simbólico: os povos querem
voz.