Conselho Popular

BRICS e economia internacional, caminhos para a justiça econômica

Debate do Conselho Popular do BRICS reuniu membros de movimentos sociais e pesquisadores na última sexta-feira

Foto: Priscila Ramos

Por Bianca Pessoa*
Da Página do MS
T

O Conselho Popular do BRICS realizou na tarde de ontem, 04 de julho, uma mesa com tema “BRICS e a Economia Internacional”. A mesa coordenada por Fabiano Mielniczuk do Núcleo de Estudos do BRICS da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante do Conselho Popular, contou com a participação da Maureen Santos, coordenadora da Plataforma Socioambiental, Ah Maftucgan, do Conselho Civil dos BRICS Indonésia, Marco Fernandes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e integrante do Conselho Popular e Ana Priscila Alves da Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e Alba Movimentos. O momento foi de debater sobre os aspectos econômicos das relações estabelecidas entre os países integrantes do BRICS.

Conselho Popular do BRICS. Foto: Priscila Ramos

O grupo BRICS, que originalmente englobava os países Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, incluiu a Indonésia na lista de países integrantes em janeiro de 2025. Saudando essa nova aliança, Ah Maftucgan relembrou a declaração de Bandung, da Conferência Asiática e Africana de 1995. “A declaração de Bandung já mencionava que o interesse e respeito mútuos nos acordos de cooperação econômica deveriam ser reunidos para garantir que a economia global se tornasse mais igualitária, mais justa, e de maneira a gerar benefícios comuns para os povos de todo o mundo”, compartilhou.

Para ele, o papel do BRICS é o de fortalecer o intercâmbio econômico, compartilhando tecnologias, conhecimentos e habilidades entre países do Sul Global. É também uma maneira de reunir forças contra políticas tarifárias injustas, em desequilíbrio de forças e exploratórias, como as estabelecidas pelo governo Trump, nos Estados Unidos. “[O BRICS] tem mais potencial para ampliar e influenciar uma diversificação do sistema econômico global através de uma ação coletiva para buscar mais equilíbrio e resiliência no conjunto da economia mundial”, explica.

O Conselho Popular do BRICS realizou na tarde de ontem, 04 de julho, uma mesa com tema “BRICS e a Economia Internacional”. Foto: Vitor Romenior

Maureen Santos compartilhou que do ponto de vista da sociedade civil, o BRICS é uma oportunidade: “O BRICS vem representando um espaço não só de intervenção dos movimentos da sociedade civil organizada, mas um espaço também de buscar otimismo e esperança de uma transformação sistêmica que todos nós aqui, há décadas, vemos lutando”. Para ela, uma potência da relação entre os países do BRICS tem a ver com a possibilidade de estabelecer uma cooperação mais justa, diferente da relação dos países do norte com os países do sul, que está baseada no colonialismo a partir da exploração dos recursos humanos e naturais.

A pesquisadora, que integra o GT Ecologia do Fórum Popular dos BRICS, contou sobre os diálogos que estão acontecendo em torno da discussão sobre financiamento climático e defendeu que a transição justa passa não somente pelas mudanças no setor energético, mas por uma mudança global da cadeia do agronegócio, entre outros sistemas. “A plataforma compreende que a forma como o financiamento climático é trazido, seja no espaço da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), seja nos outros espaços internacionais globais, é baseado em novas formas de falsa solução, de exploração e de apropriação do próprio sistema financeiro e de geração de novas dívidas.

“[…] A gente entende que a justiça climática como um conceito-movimento vai além do debate sobre quem tem a responsabilidade histórica pela crise climática, mas para que os efeitos das respostas para essa crise não continuem caindo sobre quem não só não tem a responsabilidade, como que são aqueles que também já vivem numa situação de desigualdade e de perda de direitos”, explica Maureen.

Ana Priscila Alves ressaltou a análise dos movimentos sociais sobre o atual contexto político e econômico global. “A gente vive um contexto de múltiplas crises que se sobrepõem e se articulam. Nesse modelo econômico de financeirização, sobretudo para nós dos países do Sul Global, a crise muitas vezes parece ser uma condição permanente. Mas tem alguns elementos que acentuam essa crise nesse momento, como a transformação da correlação de forças no mundo e da dinâmica de poder internacional, sobretudo a partir da decadência do poder hegemônico dos Estados Unidos. Temos caracterizado essa decadência como uma decadência perigosa e violenta. […] Nessa questão, vemos a guerra sendo utilizada como instrumento para recomposição de poder”, explica.

Diante desse cenário de decadência da hegemonia dos EUA, Ana Priscila destacou o posicionamento da China e as alternativas desenvolvidas desde o Sul, como o próprio BRICS, como a principal força frente a relação de poder imposta pelo Norte Global.

Ana Priscila. Foto: Vitor Romenior

Para a militante feminista, as formas como esses conflitos de manifestam nas vidas das pessoas é através da precarização profunda. “Vemos o trabalho produtivo como ferramenta de ajuste, com uma série de desmantelos de direitos, mas também do trabalho reprodutivo. A gente vê um aumento da responsabilização do trabalho doméstico pelas mulheres e um avanço desenfrenhado sobre a natureza, sobre os nossos bens comuns. […] Todo o nosso tempo livre é gerando dados, é comodificando a nossa vida. Então, como é que a gente consegue descolonizar o nosso tempo, a nossa economia, a nossa produção energética também? Esse é um debate importante para a gente lembrar que também a arquitetura financeira global, a produção energética, a tecnologia, os dados, eles não estão flutuando, eles estão presentes na nossa vida.”, denuncia Ana Priscila.

Marco Fernandes defendeu que o BRICS precisa atingir benefícios econômicos concretos para os povos e o papel do Conselho Popular é pressionar por essas reformas. Marco encerrou a mesa demonstrando como os países do BRICS detém a maior produção de energia renovável e de alimentos em comparação com outras alianças econômicas e que essa potência pode ser o caminho para a construção de uma alternativa a economia dolarizada. “Se todo mundo tem que comprar energia e comida, todos os países têm que comprar, e só é vendido em dólar, ou é majoritariamente vendido em dólar, todos os países têm que correr atrás de dólar. Aí está grande parte da força dos Estados Unidos, do poder dos Estados Unidos. Ou seja, uma tarefa fundamental dos BRICS é diminuir a necessidade dos países irem atrás de dólar para comprar comida e energia”, defendeu Marco. O militante do MST também explicou o Acordo Contingente de Reserva, criado pelo BRICS em 2014 para que os países do grupo não precisarem recorrer ao Fundo Monetário Internacional.

Durante as discussões, ficou claro que todos na mesa estavam na mesma sintonia: é preciso pensar em um desenvolvimento que tenha as pessoas no centro e o BRICS aparece como uma alternativa ao modelo de economia vigente que subjuga os povos, os territórios e os corpos das pessoas. Esse debate também esteve presente nas resoluções dos grupos temáticos do Fórum Civil dos BRICS, onde foram discutidos uma saúde voltada para as pessoas, cultura e arte que valorizem o ser humano, e também de uma educação que não seja baseada só em modelos ocidentais, mas que considere os nossos próprios valores e realidades.

Assista ao vídeo no YouTube para conferir as falas completas.

*Militante da Marcha Mundial das Mulheres