Conselho Popular

Conselho Popular do BRICS apresenta recomendações para a Cúpula dos Líderes

Conselho entrega plano para um futuro global mais justo com temas de saúde, educação, clima e economia digital, destacando a soberania e cooperação do Sul Global

Conselho Popular do BRICS. Foto: Priscila Ramos.

Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST

Em um esforço colaborativo que marca a presidência brasileira do BRICS em 2025, o Conselho Popular do BRICS apresentou um documento final de recomendações para a Cúpula dos Líderes, neste sábado (5), após alinhamento da sessão especial do Conselho, que aconteceu no Rio de Janeiro, durante dois dias de debates. O documento é a síntese de meses de debates que reuniram 120 organizações da sociedade civil dos países do BRICS.

O processo de elaboração do documento foi dividido em duas etapas. A fase inicial, restrita ao Brasil, mobilizou 57 organizações, incluindo movimentos populares do campo e da cidade, juventude, mulheres, negros, indígenas, grupos de pesquisa, think tanks e ONGs. Cerca de 200 participantes foram responsáveis pela produção dos textos iniciais, que serviram de base para a etapa seguinte.

Na segunda etapa, realizada online de maio a junho de 2025, 63 organizações e movimentos sociais de todos os países do BRICS se engajaram para finalizar os documentos de cada Grupo de Trabalho (GT). Cada GT foi copresidido por dois a quatro países-membros, com a coordenação sempre a cargo de um brasileiro, responsável pela etapa nacional. A seleção dos participantes priorizou a expertise reconhecida nas áreas de debate e a atuação em organizações da sociedade civil.

Os documentos apresentados refletem o amadurecimento dos temas nas sociedades civis do BRICS e foram construídos sob o critério de consenso para cada formulação. O Conselho Civil do BRICS oferece este trabalho como um conjunto de sugestões e recomendações aos chefes de Estado das nações do bloco. “Esperamos que a prática do diálogo entre governos e sociedade possa enriquecer cada vez mais as iniciativas de cooperação do bloco”, afirmam os organizadores.

A síntese será entregue neste domingo (6), durante a Cúpula dos Líderes do BRICS, pela representação dos conselheiros da delegação do Brasil, Rússia e África do Sul, onde o conselheiro João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), será porta-voz do grupo.

Confira abaixo algumas deliberações, a partir do relatório dos grupos: 

A construção de um regime global de Saúde Pública

O Grupo de Trabalho sobre Saúde apresenta uma estratégia abrangente focada em promover a equidade, fortalecer os sistemas de saúde pública e fomentar a cooperação entre os países do bloco.”O objetivo geral é alcançar um futuro mais justo, saudável e sustentável para todas as nações do BRICS, centrado na equidade, na dignidade humana e na resiliência”, afirmaram os membros do GT no documento.

A ideia é reforçar que a saúde é um direito humano fundamental, com a necessidade de respostas sistêmicas que abordem os determinantes sociais das doenças, protejam populações vulneráveis e priorizar a prevenção e a dignidade no atendimento, em especial em emergências, como o caso dos ataques no Irã e o compartilhando estudos e patentes entre os Estados. 

Entre as propostas detalhadas pelo GT, o documento aborda o acesso universal à saúde, a nutrição saudável e racional, questões relacionadas a álcool, tabaco e drogas, e a carga global de doenças. Também inclui tópicos como trabalho e saúde, saúde mental e apoio psicossocial, propriedade intelectual e governança da saúde, além de apoio de emergência e populações vulneráveis.

Célia Medina, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), lembra que o grupo, desde a primeira fase, pensando de forma ampla. “Iniciamos com o consenso de que a nossa base, para tratar os temas da saude, precisa entender as causas sistêmicas e seus determinantes para a saúde, como alimentação, educação, nutrição, trabalho, acesso serviços público. Não existe saúde, não tem bem estar, se não houver o básico”, afirmou.

O documento propõe um pacto multilateral baseado na soberania, solidariedade e responsabilidade compartilhada para melhorar os resultados de saúde nos países do BRICS, e sugere criação de um Comitê Intergovernamental de Monitoramento, com representação da sociedade civil, para supervisionar a implementação, garantir a transparência e manter a cooperação a longo prazo.

Estratégias não ocidentais para a educação

Em relação ao tema da educação, o grupo apresenta uma visão para a criação de estratégias educacionais não ocidentais, inclusivas e centradas nas pessoas. Simone Magalhães, do Alba Movimentos para nós, apresentou as avaliações tendo o grupo entendido que a educação “é um pilar estratégico na construção de um  mundo multipolar. “É importante enfrentar a mercantilização e financeirização, resgatando seu direito universal”. 

O objetivo é reafirmar a soberania, a diversidade e a cooperação entre as nações do BRICS. “Fundamentadas na solidariedade, nos direitos humanos e no conhecimento local, essas propostas visam garantir que a educação sirva ao bem-estar coletivo, à autonomia e à resiliência futura de todos os povos do Sul Global”, afirma o documento.

Ao reconhecer a educação como um direito universal e um campo estratégico para a cooperação internacional, o GT detalha reformas estruturais para combater a mercantilização, fortalecer os sistemas públicos e aprimorar a governança democrática na educação em todo o Sul Global. As propostas abrangem a defesa de uma educação pública e democrática, a valorização da diversidade cultural e linguística, o fomento à soberania tecnológica e inclusão digital, e a promoção da dignidade e profissionalização do professor. 

Outras propostas também englobam a busca por equidade e inclusão, o estímulo à cooperação Sul-Sul e mobilidade acadêmica, a integração de ciência, meio ambiente e tecnologias emergentes, e o desenvolvimento de alternativas em avaliação e política educacional. O documento prevê “uma agenda educacional transformadora que posicione o BRICS como líder global na construção de sistemas educacionais inclusivos, democráticos e socialmente justos”, conclui o relatório.

Justiça climática e alternativas para o desenvolvimento sustentável

A escalada das crises ambientais, das tensões geopolíticas e do enfraquecimento dos compromissos climáticos globais foram alguns debates o Grupo de Trabalho que apresenta recomendações estratégicas diante da crise ambiental. No documento, o grupo articula uma agenda ecológica centrada nas pessoas, enraizada na equidade social, na integridade ambiental e na cooperação internacional entre os países do BRICS.

Priscilla Torres, uma das coordenadora do GT e do REBRIP (Rede Brasileira de Integração dos Povos), ressaltou que o grupo tentou pre-estabelecer um “preâmbulo da conjuntura, seus conflitos e pontos, pensando o meio ambiente com uma perspectiva de justiça social e equidade, fundamental para o desenvolvimento sustentável entre os povos, além da função do BRICS de estabelecer uma base para a COP30 deste ano.”

As propostas incluem a ação sobre clima, biodiversidade e poluição plástica, além da cooperação em tecnologias de baixo carbono e propriedade intelectual. Também são abordados o comércio sustentável e a governança socioambiental, a contabilidade de carbono e a integridade climática, o financiamento climático e a equidade no desenvolvimento, e o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

“Essas propostas posicionam os BRICS como uma força coletiva poderosa, capaz de promover transições ecológicas justas, combater as desigualdades globais e construir futuros sustentáveis baseados na cooperação, inclusão e soberania do Sul Global”, conclui o GT.

Cultura e arte para a integração dos BRICS


Cultura e Arte aparecem no GT que traz a perspectiva da cooperação cultural como vital para o fortalecimento do bloco BRICS, ao promover a multipolaridade e fomentar o entendimento mútuo entre suas diversas sociedades. Fundamentado em valores anticoloniais, diversidade cultural e justiça social, o documento apresenta um conjunto abrangente de propostas para promover a integração cultural, a colaboração artística, a preservação do patrimônio e o desenvolvimento inclusivo entre os países do BRICS.

Dentre as propostas estão o fortalecimento institucional da cooperação cultural do BRICS, o incentivo ao intercâmbio cultural e à colaboração artística, e a preservação do patrimônio cultural e da memória. O grupo também aborda temas como gênero, inclusão e cultura do campo, inovação ética e inteligência artificial, mídia e soberania cultural, esportes inclusivos e diplomacia cultural, além de turismo e cidades irmãs.

Sergio Cohn, da Associação de Artes dos BRICS, destacou o entendimento das artes e da cultura, “com interesse de estabelecer uma concretude de propostas, com ações continuadas. Não é um documento de diretrizes gerais, efêmeros, mas como discussões que evidencial que a cultura é o tripé da existência do BRICS, e por isso a importância é pensar esse tema. Está na hora de fortalecer esse laço esses povos, de forma permanente”.

As recomendações visam construir pontes culturais duradouras entre as nações do BRICS, reforçando valores de solidariedade, equidade, diversidade e justiça global por meio de políticas coordenadas, práticas éticas e inovação inclusiva. “A cultura não deve ser abordada como uma mercadoria, mas como um bem público essencial para o desenvolvimento, a identidade e a cooperação”, afirmam os delegados no documento. 

Sistema Financeiro e Monetário na Multipolaridade

O Grupo de Trabalho sobre finanças apresenta uma estrutura estratégica para reestruturar a arquitetura financeira global sob a perspectiva do Sul Global. As propostas visam promover o desenvolvimento soberano, inclusivo e sustentável para os países do BRICS, transcendendo os modelos tradicionais de mercado e respondendo a desafios humanos, sociais, ambientais e financeiros urgentes. As recomendações abrangem tributação internacional, comércio, política monetária, cooperação financeira, tecnologia e reformas institucionais.

Ana Priscila Alves, da Marcha Mundial de Mulheres/ Alba Movimentos, destacou as críticas tarifárias do Trump como um ponto importante a ser discutido entre as nações, atrelando a estratégias internacionais, “mas também reconhecendo responsabilidades dos nossos países que continuam a investir a arquitetura e a forma predatória de mega empresas, em especial do agronegócio”.   

As propostas detalham a cooperação tributária internacional, o comércio e investimento, a arquitetura financeira global, e a soberania monetária e sistemas de pagamento. O GT também aborda o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e do Acordo de Reserva Contingente (CRA), a tecnologia financeira e inclusão, e a cooperação estratégica e inovação.

“Com esta agenda abrangente, o Conselho Popular Civil dos BRICS busca posicionar o bloco como uma força de liderança na construção de um sistema financeiro justo, multipolar e centrado nas pessoas, capaz de superar a dependência, a desigualdade e o domínio das instituições do Norte Global”, afirmam os delegados no documento, reforçando a soberania financeira, a governança democrática e a inovação cooperativa como pilares do desenvolvimento futuro.

Economia Digital, Soberania Digital, Inteligência Artificial e Governança

Outro tema muito atual presente nos Grupos de Trabalhos apresenta um arcabouço estratégico para a soberania digital, a governança inclusiva da inteligência artificial (IA) e uma economia digital centrada nas pessoas. O grupo reconhece a crescente concentração de poder tecnológico e as desigualdades globais no desenvolvimento digital, e defende a cooperação entre os países do BRICS para garantir uma transformação digital justa, segura e autônoma, alinhada à justiça social e aos direitos humanos.

Alê Costa Barbosa, do MTST/ Alba Movimentos, destacou como os movimentos populares precisam se apropriar destas tecnologias, baseada nas realidades dos BRICS, seja linguística e pela diversidade cultural. “Estes pontos apresentados trazem a uma visão tecnológica multipolar, por uma alfabetização digital e ética e prestação de contas”, conta.  

As propostas incluem a defesa da soberania digital centrada nas pessoas, o desenvolvimento de infraestrutura digital compartilhada, a governança inclusiva com participação da sociedade civil, e o financiamento sustentável para bens públicos digitais. O GT também aborda a regulação cooperativa de IA e tecnologias emergentes, o desenvolvimento de IA baseado no BRICS e na diversidade linguística, e o estabelecimento de valores éticos para as correntes de IA. Completam as recomendações a proteção para trabalhadores em transições de automação, a educação digital e em IA, a governança da internet e da IA, e a priorização da ética e responsabilidade.

“Esta agenda reafirma o compromisso do BRICS com um futuro digital soberano, inclusivo e ético, garantindo que as tecnologias digitais e de IA sirvam ao bem público, reduzam as desigualdades e fortaleçam a autonomia e a cooperação regionais”, afirmam os participantes. O documento destaca que “a sociedade civil é central para essa visão, e o Conselho Civil do BRICS é reconhecido como um espaço crucial para o diálogo coletivo e a governança”.

BRICS, sua Institucionalidade e Respeito à Soberania para a Paz Mundial

O Grupo de Trabalho nº 7 apresenta uma visão estratégica para o fortalecimento da paz mundial, da soberania e da reforma institucional no âmbito do BRICS. O documento defende uma ordem global multipolar baseada na autodeterminação dos povos, na governança democrática e na participação inclusiva, e ressalta que, à medida que o bloco BRICS se expande, “deve desenvolver estruturas mais fortes para manter a coerência, a transparência e a coordenação eficaz, ao mesmo tempo em que acolhe a diversidade e resiste à coerção externa”.

Emílio Mendonça Dias da Silva, pesquisador do GEBRICS-USP, ressaltou a importância de derrubar a barreira entre a academias e os saberes populares dos movimentos. “Quando promovemos a ideia de desisntitucionalização dos BRICS, não estamos falando de alterar as estruturas organização, mas para que haja clareza entre as diferentes categorias de grupos, países membros, e como a sociedade civil pode exercer sua participação nos blocos”. 

As propostas incluem a defesa da soberania e da coexistência pacífica, a reforma de instituições globais, e a promoção do desarmamento e controle de armas. O grupo também aborda a resolução de conflitos e mediação, o fortalecimento institucional dos BRICS, e a criação de uma plataforma digital para compartilhamento de informações. São igualmente essenciais a institucionalização da participação da sociedade civil e a busca por clareza na expansão e associação do bloco.

Estas proposta, segundo o documento, projeta o BRICS como uma força para o equilíbrio global, defendendo a soberania, reformando o multilateralismo e criando mecanismos de governança inclusivos. “Ao institucionalizar a participação civil e modernizar suas estruturas internas, o BRICS pode liderar a construção de uma ordem mundial mais justa, pacífica e representativa”, concluem os membros.

Resoluções

Na mesa de apresentação, foi colocado que o documento final traz a síntese ambiciosa, refletindo o compromisso das sociedades civis com um futuro multipolar e equitativo. As propostas elaboradas em Saúde, Educação, Ecologia, Cultura, Finanças, Digital e IA, e Institucionalidade do BRICS desenham um caminho e um apelo coletivo para que os líderes do bloco priorizem agendas centradas nas pessoas, enfrentem os desafios globais com soluções inovadoras e reforcem a autonomia do Sul Global.

Os Conselheiros que lideraram e colaboraram nesse processo, representando seus países, incluíram Fabiano Mielniczuk, Marco Fernandes, Judite Santos e Rita Coitinho pelo Brasil; Zhang Zhishuai (Jessica Zhang) e Guo Jieni pela China; Mohamed Salem Salah e Mayada Belal pelo Egito; Fassikau Molla Amera pela Etiópia; Binod Singh Ajatshatru e Maj Gen BK Sharma pela Índia; Hardiani Uli Silalahi e Ah Maftuchan pela Indonésia; Pir-Hossein Kolivand pelo Irã; Victoria Panova e Alena Peryshkina pela Rússia; Raymond Matlala pela África do Sul; Majed Abdulaziz Al-Turki pela Arábia Saudita; e Hoda Al Khzaimi pelos Emirados Árabes Unidos. A colaboração desses representantes e de todas as organizações envolvidas reitera a força da sociedade civil em moldar uma governança global mais inclusiva e representativa, apontando o BRICS como um ator fundamental na construção de uma ordem mundial mais justa e pacífica.

“Por isso, queremos convidar para nos encontrarmos em outubro, onde tentaremos garantir 15 delegados de cada país. O Conselho do governo é outra esfera, o que queremos é que este diálogo se amplie para levantar ideias e articular com os processos que acontecem ao redor dos governos. Vamos continuar, como estrutura permanente, pela defesa dos povos”, concluiu João Pedro Stedile.  

Confira o texto na íntegra: