Análise Política do Projeto de Lei nº 410 de 2025:A Reforma Agrária para os ricos continua!

Mais um esforço do governo estadual para entregar as terras públicas devolutas

Foto: Comunicação do MST em SP

Alberto Paulo Vásquez*
Da Página do MST

Há poucos meses, no dia 05 de maio de 2025, chegou silenciosamente mais um projeto de
lei do governador Tarcísio sobre “privatização de patrimônio público”. Desta vez trata da alteração
de três leis de regularização fundiária, uma legislação que se consolidou no Estado de São Paulo a
partir de 2003 e que permite regularizar como privada as terras públicas estaduais devolutas sem
que se faça licitação ou outros trâmites típicos da alienação de bens públicos. Trata-se do PL nº 410 que busca alterar a lei nº 17.557 que criou o Programa Estadual de Regularização de Terras
devolutas de 2022, da lei nº 16.475 de 2017 que permitiu a regularização de posse em terras
devolutas das Regiões Administrativa de Registro e de Itapeva de 2017 e da lei nº 11.600 sobre
regularização de terras devolutas do Pontal de 2003, atualizada em 2012.

Enviada em regime de urgência, a nova proposta legislativa já está pronta para ser votada,
apesar da completa falta de debate público sobre seu alcance, significado, importância ou sobre
quem serão os beneficiários. Tampouco foi debatida nas comissões permanentes da ALESP, não
recebeu parecer, nem sequer foi distribuído para um deputado relator analisá-lo. A seguir, seguem
algumas considerações sobre essa política pública voltada para atender interesses particulares e
porque deveria ser duramente questionada em alguns pontos.

Sobre a política de regularização fundiária

A política de regularização fundiária prioriza a destinação de terras para quem já estava lá,
consolidando uma situação de fato como situação de direito. O beneficiário é um particular que
detém uma terra pública de forma irregular, via de regra por um longo tempo, e que ganha a
oportunidade de requerer o domínio sobre essa área. A situação precária de um detentor de terra
pública pode ser resolvida, por meio dessa política, pela titulação gratuita ou subvalorizada do
imóvel ao próprio detentor.

Há que se analisar, evidentemente, quando este tipo de situação atende ao interesse público e quando se trata apenas de perda de patrimônio público. Existem situações muito diferentes que são alcançadas por leis desse tipo. Dificilmente um pequeno agricultor familiar (que retire seu sustento de uma área pública inferior a quatro módulos fiscais) poderia arcar com a compra dessa área e tampouco poderia persistir na atividade agrícola arrendando ou adquirindo outra área. Neste caso, o mais comum é que esse agricultor seja escapitalizado, de baixa renda, mas que cumpre relevante papel social produzindo alimentos para o mercado local e para seu próprio sustento. Há um inegável interesse público em garantir terra para essa pequena agricultura paulista em nome da justiça social e da segurança alimentar.

Por outro lado, os grandes detentores de áreas devolutas (acima de 15 módulos fiscais),
verdadeiras fazendas particulares instaladas em terras públicas, muito provavelmente poderiam
arcar com a compra dessas terras, parte delas ou pelo menos celebrar acordos com o estado a fim de garantir a regularização de parte dessas terras como propriedades particulares. O Estado, na
possibilidade de celebrar acordo com detentores abastados, poderia receber o valor justo em espécie ou poderia ficar com parte das terras para destinar para outros fins, segundo interesse público, dentro de planos de desenvolvimento sustentável. A destinação final de terras públicas devolutas

remanescentes poderia ser para os pequenos agricultores familiares em projetos de assentamento ou para projetos de reflorestamento, ambas ações relevantes e urgentes, que encontram seu limite
justamente na falta de recursos fundiários públicos. Deste modo, no caso das grandes áreas, não há interesse público em garantir toda essa terra para os poucos grandes agricultores que aí estão. Não há justificativa social para consolidar a concentração fundiária e perpetuar as desigualdades. Vale destacar que os grandes latifúndios normalmente desenvolvem uma agricultura dentro do modelo de monocultura de alto impacto ambiental.

Isto posto, é importante entender como as três leis fundiárias funcionaram desde quando
entraram em vigor e o presumível impacto das modificações propostas pelo PL nº 410 de 2025 entre os diferentes perfis de beneficiários de regularização fundiária. Infelizmente, até aqui, são poucas as informações disponíveis. Para um mínimo de debate qualificado no parlamento paulista, o governo estadual deveria apresentar os resultados alcançados pelas políticas de regularização das três leis.

A partir dos resultados obtidos na aplicação de cada lei, e do que não foi possível regularizar, os
deputados ficariam em condições razoáveis de avaliar a pertinência das novas propostas.
Segue, então, breve análise das alterações mais gravosas que deveriam, como dito acima, ser
confrontadas com resultados reais alcançados pelo governo estadual que executa sua política de
regularização fundiária rural por meio da Fundação ITESP.

Sobre a Lei nº 17.557 de 2022, cujo objetivo é entregar terras públicas para fazendeiros por
valores ínfimos, muito já se criticou, principalmente sobre o fato de permitir regularizar áreas
públicas acima de 15 módulos fiscais, as chamadas grandes áreas cuja destinação deveria ser
compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional reforma agrária (Artigo nº 188 da
Constituição Federal). Existe inclusive a ADI nº 7.326 de 2022, proposta pelo PT nacional, pronta
para ser julgada desde novembro de 2023. Agora, em pouco menos de três anos de sua publicação, o governo envia uma segunda alteração a fim de ajudar a viabilizar ainda mais a concentração fundiária (a primeira atualização foi feita pela Lei nº 17.935, de 29/04/2024, derivado do PL 1589 de 2023, protelou o prazo de encerramento para adesão ao programa que acabaria em janeiro de 2024 para 31 de dezembro de 2026).

O PL nº 410 de 2025 incide sobre dois aspectos importantes na lei que entrega as terras
devolutas estaduais. Em primeiro lugar, viabiliza a regularização de imóveis que extrapolam os dois
mil e quinhentos hectares, burlando o limite constitucional previsto no parágrafo primeiro do artigo
188 da Constituição Federal. Para tanto, busca aperfeiçoar o mecanismo já presente na lei nº 17.557
que facilita vários requerimentos para o mesmo imóvel como se fossem um condomínio (artigo 4º
do PL nº 410).

Em segundo lugar, as alterações propostas permitem os mesmos termos de avaliação de
imóvel e de acordo, mesmo quando não existem benfeitorias ou outros direitos indenizáveis pelo
Estado (artigo 5º do PL nº 410). Neste aperfeiçoamento, o PL nº 410 de 2025 escancara o simulacro
de acordo que permeia toda lei nº17.557 de 2022. O Estado concede a terra pública a um fazendeiro e não ganha nada em troca, apenas 10% do valor parcelável em 10 anos. A proposta apenas agrava o disparate imoral e ilegal da lei nº 17.557. Vale lembrar que o argumento do governo é que a função do acordo previsto no Programa de Regularização de Terras devolutas era justamente desobrigar o estado de indenizar as “custosas” benfeitorias.

Sobre a lei nº 11.600 de 2003, atualizada em 2012, é importante tecer alguns comentários.
Foi a primeira lei fundiária de São Paulo após a Constituição Federal de 1988 e da Constituição
Paulista de 1989. Permitiu regularizar terras para detentores de terras públicas devolutas,localizadas exclusivamente na 10º região administrativa (Pontal do Paranapanema), ao invés de destiná-las à implantação de assentamentos de agricultores familiares, conforme previsto na lei nº4.957 de 1985. Na prática, essa lei abriu a possibilidade de terras até o limite de 15 módulos
pudessem ser regularizadas, criando pequenas e médias propriedades.

No PL nº 410, no Inciso 1º do artigo 1º, a lei é alterada a fim de extinguir a exigência de que
em 120 dias a propriedade regularizada tenha seu licenciamento ambiental resolvido e de que a
localização da reserva legal seja averbada junto à margem da matrícula do imóvel, em também em
outros 120 dias. Assim, o Estado abre mão da parte que pressupunha prazos céleres de
regularização ambiental para que apenas seja feito licenciamento ambiental na forma exigida pela
legislação. Facilita para o detentor de terra, mas desperdiça o evidente ganho de que as propriedades fiquem ambientalmente regularizadas em menos tempo. Em outras palavras, o Estado abre mão de ganhar algo de interesse público, a contrapartida do acordo seria que a regularização ambiental fosse mais rápida do que previsto em lei.

Outro aspecto importante das alterações propostas pelo PL nº 410 sobre a lei nº 11.600 é a
dispensa de que os serviços técnicos de medição e demarcação sejam exclusivamente feitos pela
Fundação Itesp, que cobraria por isso. O Inciso II do artigo 1º cria a possibilidade de os documentos
referentes a esses serviços, elaborados por outras instituições, possam ser apresentados no processo de regularização do requerente. Caberá ao órgão estatal, segundo a proposta, apenas a conferência e concordância dos referidos documentos. Novamente a uma alteração facilitadora para quem requer a regularização, sem contrapartida para o Estado.

Neste mesmo Inciso do artigo 1º do PL 410 há também um uma nova organização de prazos
processuais marcadamente mais curtos. Aparentemente o governo estadual busca acelerar o
atendimento dos requerimentos de regularização fundiária por meio da lei nº 11.600, busca entregar
as terras públicas devolutas o quanto antes.

Único ponto positivo relevante nesta alteração da lei 11.600 é acréscimo de novo artigo
garantindo regularização gratuita para imóveis rurais até 4 módulos, desde que ocupado a pelo
menos 5 anos e explorado em pelo menos 30% da área requerida. A declaração do requerente de
que não possui recursos ou enquadramento como agricultor familiar, nos termos da lei federal nº
11.326 de 2006, são condições que garantem esse benefício que ainda inclui os serviços de medição e demarcação a serem executados pela fundação Itesp graciosamente.

Por fim, as alterações sobre a lei 11.600 inclui a possibilidade de transferência de áreas
urbanas para o município que assim requerer. Neste caso, é dispensada que as terras tenham uso
agrícola. Em outras palavras, possibilita a regularização fundiária urbana em terras devolutas.
Sobre a lei nº 16.475 de 2017 são poucos os aspectos de alteração propostos no PL 410 de 2025.

Essa lei que dispõe sobre a regularização de posse em terras devolutas das Regiões
Administrativas de Registro e de Itapeva trata de imóveis pequenos de até 4 módulos fiscais e
médios, de até 15 módulos fiscais. Nesse sentido, sua execução na forma vigente não aprofunda a
desigualdade fundiária, mas sua modificação também deveria estar acompanhada de uma avaliação do que foi feito desde sua publicação.

A única alteração significativa é que as cláusulas resolutivas do instrumento de
regularização de posse passam a ser tratadas no corpo da lei apenas de forma geral, sem
especificações, o que deve facilitar o processo de regularização para pequenos e médios detentores de terras públicas. Isto é feito pela exclusão da lei dos condicionantes do instrumento de regularização de posse como: exigência de licenciamento ambiental, do registro obrigatório de
título em cartório e da necessidade explícita de elaboração do cadastro ambiental rural.

Há também a atualização do secretário de estado responsável pela decisão de aprovar os
processos administrativos de regularização. Isto se deve ao fato de que desde de 2023 a Fundação
Itesp está vinculada à Secretaria de Abastecimento e Agricultura e não mais a Secretaria da Justiça e Cidadania, como era antes.

Conclusão

Em apertada síntese, o Projeto de Lei nº 410 busca dar nova redação às três leis fundiárias
que tratam da regularização de terras públicas, principalmente das terras devolutas, a fim de facilitar o interesse de quem requer essas áreas… Para que a análise seja feita de forma responsável, é necessário uma apresentação de resultados do que já regularizado, de quem foram os beneficiários e quais são as expectativas a serem alcançadas a partir das novas redações. Audiências públicas, prestações de contas, apresentação de resultados do trabalho da Fundação ITESP, várias são as formas de garantir a publicidade necessária para as ações de governo. Sem esses atos de publicidade, não é possível aferir a pertinência do projeto de lei que parece ser apenas a proposta de alteração de três leis para viabilizar a entrega dessas áreas públicas a particulares.

Foto: Comunicação do MST

Importante frisar que, embora as alterações da lei nº 17.557 de 2022 sejam as mais graves,
as outras duas leis também são alteradas no que se refere às contrapartidas que o estado recebe dos requerentes de regularização. A transferência de bens públicos para entes privados que não ocorra pelo valor de mercado deveria ser acompanhada de ganhos qualitativos que sejam explícitos e mensuráveis, as chamadas contrapartidas. Ora, o PL nº 410 de 2025 vai na direção contrária,
enfraquece a perspectiva do instrumento de acordo e simplesmente as leis passam a ser
instrumentos de favorecimento de particulares por meio de entrega de terras gratuitas ou
subvalorizadas.

Por fim, a despeito da necessidade de conhecer o interesse público nas modificações das três
leis, é importante destacar que as modificações em torno da lei nº 17.557 são de longe as mais
danosas e devem ser denunciadas. A perda das terras devolutas, além de ser um erro histórico que
impedirá a destinação de terras para assentamentos de agricultores familiares, resultará em mais
concentração fundiária e injustiça social. É o Estado trabalhando para a criação de latifúndios a
partir de terras públicas. A Reforma Agrária de Tarcísio é para os ricos!

Para acessar o PL: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000613381&tipo=2&ano=2025

*Assessor Parlamentar da Liderança do PT na ALESP