Cultura Camponesa

Por uma Cultura Popular do Campo: movimentos e instituições apresentam propostas de política pública

MST construíu coletivamente documento com propostas de camponeses, camponesas, artistas populares e organizações parceiras, que será entregue ao MEC

Foto: Mykesio Max

Da Página do MST

Durante o Seminário Nacional “Por uma Cultura Popular do Campo”, realizado em agosto deste ano em Brasília, o setor de Cultura do MST construíu coletivamente um documento, fruto das vozes, reflexões e propostas de camponeses, camponesas, artistas populares e organizações parceiras.

Em, seguinda esse material será apresentado ao Ministério da Cultura (MinC), no marco do Seminário Internacional Culturas Tradicionais e Populares por Justiça Climática: Diálogos Globais e Enfrentamentos, que acontece entre os dias dias 17 e 20 de setembro, com a participação de mestras, mestres, grupos culturais, gestores públicos e pesquisadores culturais do Brasil e de outros países, na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros (GO).

O evento irá debater os conhecimentos ancestrais e o papel das comunidades tradicionais na construção de um futuro justo e sustentável, reafirmando a urgência de uma política pública de arte e cultura do campo que valorize nossa diversidade, memória e modos de vida.

Foto: Divulgação

Confira na íntegra:

Por Uma Política de Arte e Cultura Popular do Campo

Os participantes do Seminário Nacional “Por Uma Cultura Popular do Campo”, realizado em Brasília, no período de 19 a 21 de agosto de 2025, nas dependências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), reuniram-se com o propósito de reafirmar a importância da valorização, preservação e promoção das expressões culturais oriundas do campo brasileiro.

Desde a redemocratização, ressurgiram no país movimentos camponeses nacionais que, ao lutar pela terra, pela Reforma Agrária, por condições de produzir e reproduzir a vida no campo, pelos direitos humanos, pela educação e pela saúde, também lutam pelo direito à cultura. Esse direito, que vai muito além do acesso a bens culturais, inclui a possibilidade de produzir cultura e arte de acordo com as tradições das comunidades em seus territórios, bem como a apropriação dos meios de produção das linguagens artísticas para representar a realidade de forma crítica.

Reconhecendo a existência de inúmeros estudos da antropologia, da sociologia e das artes sobre a articulação entre as diversas matrizes da cultura camponesa e o modo de produção da agricultura familiar, ainda prevalece, no âmbito das políticas públicas de fomento, preservação, manutenção, pesquisa e circulação, a invisibilidade da produção cultural do campo brasileiro.

A necessidade de fortalecer a cultura do campo não está restrita ao reconhecimento dos que vivem e produzem no campo, mas igualmente na exigência de respostas aos desafios da contemporaneidade e suas crises. Fomentar a cultura do campo é assegurar a cultura alimentar, a permanência desses sujeitos em seus territórios, protegê-los e valorizá-los como territórios de criação e produção da vida.

A cultura do campo representa grupos culturalmente diferenciados e específicos que se reconhecem como tais e que possuem formas próprias de organização social pelas relações de trabalho, sociais, religiosas e econômicas, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas por comunidades e gerações familiares, como território de riqueza imaterial e manifestada como expressão de existência.

Na década de 2000, no âmbito da política do Ministério da Cultura e do programa “Cultura Viva”, foi criada a Rede Cultural da Terra, que chegou a articular vinte e um pontos de cultura em territórios de Reforma Agrária, distribuídos por diversos estados. Durante a edição do evento TEIA, realizada em 2006, que reuniu as redes de pontos de cultura do programa, a Rede Cultural da Terra participou com cerca de 270 militantes artistas, incluindo cantadores, poetas, muralistas, atores e atrizes de grupos de teatro, bailarinos, pintores e documentaristas.

Entretanto, apesar do vigor e do potencial de crescimento da Rede Cultural da Terra, a inconstância dos governos e das políticas envolveu uma ofensiva para desmontar a cultura tradicional e popular do campo e suas políticas. Esse cenário torna necessário um movimento contínuo de pressão política, de articulação interinstitucional e de reativação da memória de gestores, produtores e, muitas vezes, dos próprios movimentos, sobre a responsabilidade que todos têm na produção e preservação do que se entende por cultura brasileira.

A construção de uma política cultural do campo é urgente e estratégica, pois envolve o reconhecimento dos territórios camponeses não só como espaço de trabalho, mas de vida e valorização da cultura como pilar essencial para a transformação social e a Reforma Agrária. Tal política deve enfrentar a invisibilidade histórica da produção cultural camponesa, que, embora amplamente estudada, ainda carece de apoio contínuo nas ações de fomento, formação, preservação, pesquisa e circulação.

As demandas populares do Seminário Nacional “Por uma Cultura Popular do Campo” abrangeram uma série de problemas e propostas de curto e longo prazo, visando ao reconhecimento, ao fomento e ao fortalecimento da cultura do campo no Brasil. Entre as principais, estão a criação de um Programa Nacional de Cultura do Campo, nos moldes do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), e a estruturação de um sistema próprio, com câmara setorial, plano nacional, fundo específico, mapeamento e formação continuada. Também foi destacada a necessidade de desburocratizar o acesso a recursos, com editais simplificados e para públicos específicos, descentralização de verbas e reconhecimento da cultura do campo como modo de vida e não apenas como produto.

Outro ponto central é a governança, com protagonismo dos movimentos sociais, parceria interministerial e inclusão da educação básica como eixo estratégico. As propostas também ressaltam a valorização da diversidade cultural, abrangendo camponeses, quilombolas, indígenas e assalariados, além da defesa de políticas com caráter antirracista, antimachista e anti-LGBTQIA+fóbico. Foram apontadas ainda medidas para combater o êxodo rural, fortalecendo a geração de renda e a permanência nos territórios.

Houve consenso quanto à necessidade de enfrentar o domínio simbólico do agronegócio e evitar a burocratização excessiva, investindo em dados e indicadores sobre a realidade cultural do campo. Como ações imediatas, sugeriu-se a criação de um grupo de trabalho com instituições públicas e os movimentos sociais, o uso de mapeamentos já existentes, a adoção de plataformas digitais livres e a adaptação de recursos de leis já em vigor, como a Aldir Blanc, para chegar de fato às comunidades. Em suma, as propostas expressam a urgência de uma política de Estado abrangente, permanente e participativa, capaz de promover autonomia, diversidade e bem-viver no campo brasileiro.

O Seminário Nacional “Por uma Cultura Popular do Campo” propõe construir, a partir das vozes dos camponeses e camponesas, as bases de uma política pública sólida, desde as experiências históricas e ações realizadas por organizações camponesas, sejam elas autônomas ou em parceria com o poder público.

A proposta também deve prever o fomento à efervescência cultural nas pequenas cidades rurais, criando e fortalecendo espaços geridos pela sociedade civil, promovendo a circulação de artistas e agentes culturais, espaços de memória e potencializando as escolas do campo como pólos de formação, manutenção de atividades de cunho cultural e expressão artística.

Uma política cultural do campo deve disputar o espaço simbólico ocupado pelo projeto cultural dominante do agronegócio, que busca impor padrões e valores hegemônicos e se apropria indevidamente dos bens culturais camponeses com fins exclusivamente mercadológicos. É preciso consolidar um projeto baseado na diversidade, na agroecologia e em novas relações sociais. Essa transformação só será possível com a participação ativa da sociedade civil, garantindo que as ações culturais atendam às demandas locais e fortaleçam a democracia cultural.

Em síntese, uma política cultural do campo deve ser concebida como uma ferramenta estratégica para um projeto de desenvolvimento soberano, capaz de valorizar a diversidade, promover a emancipação humana e permitir que as comunidades rurais construam seus próprios projetos de vida e sociedade, em oposição à lógica concentradora do capital. 

Respeitosamente,

Armazém Multiverso Caparaó

AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Associação Comunitária Taperense Caminho da Liberdade

Associação Matakiterani 

Centro de Referência em Tecnologias Sociais do Sertão – Cresertão

Cia. Burlesca

Coletivo Terra em Cena

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)

Instituto Rosa e Sertão (IRS)

Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Projeto de Arte e Cultura na Reforma Agrária (PACRA)

Rede Nacional de Pontos de Cultura Rural

União Nacional das Federações das Casas Familiares Rurais do Brasil (Unfecafarb)

Ypuca – Ponto de Cultura e Memória