Sementes

Reforma Agrária e a conservação da Mata Atlântica e do Cerrado no Vale do Paraíba, SP

Experiência dos coletores e das coletoras de sementes nativas na região preserva memória biocultural e constrói debate da questão ambiental junto com as famílias assentadas

Foto: Divulgação/ COOPERE

Por Coletivo de Comunicação do MST em SP e COOPERE
Da Página do MST

O cuidado com os bens da natureza é um processo que perpassa por diversas dimensões da ação prática e da reflexão coletiva sobre a relação sujeito x natureza. Parte importante desse processo é a tradição popular da coleta e guarda das sementes.

Guardar sementes, portanto, é uma forma de resistência na terra tanto quanto um ato de cuidado com os bens comuns e com a conservação ambiental, já que a partir dessa prática as famílias rechaçam o uso capitalista dos recursos naturais e combatem a transgenia, uma das formas de degradação ambiental que provocam contaminação ambiental e acaba com a biodiversidade.

Foto: Divulgação/ COOPERE

A semente é parte fundamental do cultivo. Ela tem sua dimensão produtiva, pautada na seleção, no cuidado quando se guarda para o próximo plantio, e ela também tem essa dimensão sociocultural, porque quando se guarda a semente também se preserva uma identidade.

Essas sementes e mudas têm, ainda, demonstrado a possibilidade de geração de renda para famílias de agricultores camponeses a partir da organização de grupos coletores de sementes e da construção de viveiros de mudas nativas, que potencializa a venda de mudas e a recuperação ambiental nos territórios da Reforma Agrária.

Quando se fala de conservação dos biomas, na perspectiva do combate aos avanços das fronteiras agrícolas sobre esses territórios de memória biocultural, guardar sementes toma o significado de posição ideológica em relação aos processos produtivos de base agroecológica. É isso que tem feito as famílias assentadas da reforma agrária na região do Vale do Paraíba, em São Paulo.

Coletar sementes para cuidar da natureza

A experiência da Cooperativa Rede de Coletores de Sementes do Vale do Paraíba (COOPERE) demonstra essa possibilidade de produzir alimentos saudáveis, cuidar da natureza e gerar renda. A COOPERE é uma organização de trabalhadores, camponeses e agroflorestores que produzem sementes florestais nativas e crioulas. Atua na Restauração Ecológica e Agricultura de Regeneração em convivência com a Mata Atlântica e Cerrado.

Por meio do trabalho associado, os coletores planejam o processo produtivo, a gestão, a assistência técnica e a comercialização. Dividem-se entre tarefas de organização de mutirões de coleta, preparo e conservação.

Seu método de organização se dá pelo enredamento dos coletores que se agrupam em núcleos de produção por aproximação geográfica. Periodicamente, realizam reuniões para planejar e monitorar a produção das sementes. Nestas ocasiões, são proporcionados momentos de troca e construção de saberes e conhecimentos acerca dos processos de coleta, beneficiamento e armazenamento das sementes.

Um núcleo é composto de no mínimo três coletores; dentre eles, uma pessoa desempenha a função denominada elo, com a responsabilidade de organizar e atualizar periodicamente a lista de espécies, auxiliar o processo produtivo, convocar reuniões e fazer a comunicação com a assistência técnica e comercialização.

Desde 2019, diálogos e ações no território em torno da agroecologia possibilitaram a integração entre agricultores e profissionais da restauração ecológica, atuantes com a semeadura direta, em específico com a técnica da “Muvuca de Sementes”.

Foi apresentada demanda por sementes florestais nativas para compor os plantios por muvuca na região, fomentadas por iniciativas parceiras do MST e projetos de pesquisa, que estimularam a ação da coleta e produção dos coletores que se desenvolveram por aproximação da iniciativa do Redário, articulação nacional entre Redes de Sementes de base comunitária.

Trabalho coletivo

Foto: Divulgação/ COOPERE

Até o presente momento, a Rede de Coletores do Vale do Paraíba já produziu mais de 10 toneladas de sementes florestais nativas e de adubo verde, somando mais de 130 espécies nativas de arbóreas, arbustos e herbáceas nativas, utilizadas na recomposição vegetal do bioma Mata Atlântica e Cerrado regionais. Os trabalhos contam com o envolvimento direto de 75 pessoas, sendo 40 unidades familiares em cinco núcleos territoriais com abrangência em 10 municípios do Vale do Paraíba.

A sequência dos trabalhos, a busca pelo aprimoramento dos processos e o estabelecimento de laços de confiança entre os trabalhadores possibilitaram a estrutura de produção coletiva que se estabeleceu e, até os dias atuais, têm aumentado seu número de pessoas atuantes e o volume de sementes e espécies produzidas.

Foto: Divulgação/ COOPERE

A formalização da cooperativa e a recém-conquista da casa de sementes trazem enormes conquistas para a classe trabalhadora do campo na região, e os ganhos também podem ser medidos nas árvores e plantas que hoje têm sido melhor utilizadas e valorizadas pelas comunidades em seus sistemas agroalimentares, bem como a geração de trabalho e renda no campo.

Aproximações junto as iniciativas semelhantes em outras regiões e a demanda por formação de novos coletores, aliada à demanda de sementes para atender à restauração ecológica, têm propiciado intercâmbio da COOPERE com outros grupos de coletores, agricultores e iniciativas socioambientais pela articulação da agroecologia e restauração ecológica em um projeto de soberania popular e do Bem Viver.

*Editado por Fernanda Alcântara