Perímetro irrigado

No Ceará, MST conquista primeiro Assentamento Irrigado do Brasil

Acordo formaliza o assentamento Zé Maria do Tomé, destinado à Reforma Agrária Irrigada no Vale do Jaguaribe, com participação do governo do estado, Incra, IDACE, AGU, deputados estaduais e famílias assentadas

Foto: Aline de Oliveira

Por Aline de Oliveira
Da Página do MST

Na manhã desta terça-feira (28), no Palácio da Abolição, foi realizado o ato de assinatura sobre o acordo do assentamento Zé Maria do Tomé, o primeiro assentamento irrigado do Ceará, localizado na Chapada do Apodi, no município de Limoeiro do Norte, região do Vale do Jaguaribe.

O assentamento Zé Maria do Tomé é o primeiro assentamento irrigado do Brasil organizado pelo MST, e beneficiará diretamente 120 famílias, ocupando uma área de mil hectares. O projeto conta com o apoio do Governo do Estado do Ceará, que irá assegurar a infraestrutura necessária para a produção agrícola, sistemas de irrigação, assistência técnica e políticas de incentivo à agricultura familiar. A conquista representa um marco na luta pela Reforma Agrária no país.

Mônica Oliveira, uma das beneficiárias do assentamento Zé Maria do Tomé, destaca a importância dessa conquista para as famílias Sem Terra, após mais de uma década de luta:

“O momento hoje é de muita gratidão. Depois de 11 anos nessa caminhada difícil, cabe a nós valorizar e honrar essa conquista, e seguir firmes na nossa luta. Foram anos de angústia, de desespero, mas também de muita esperança. Chegamos aqui com a cara e a coragem e começamos uma nova vida baseada na organização, construindo juntos nossas áreas de moradia e produção. A terra aqui é muito boa e, agora, com a legalização, temos ainda mais condições de aumentar nossa produção de alimentos saudáveis. É uma vitória de quem acreditou no sonho e nunca desistiu.”

Foto: ASCOM/Governo do Ceará
Foto: Aline de Oliveira

A solenidade contou com a presença do Governador do Estado do Ceará, Elmano de Freitas; do Superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Ceará, Erivando Santos; do Diretor-Geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), Fernando Marcondes; do Superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (IDACE), João Alfredo; do representante da Advocacia-Geral da União (AGU), Flávio Roman; do Deputado Estadual Missias do MST (PT); do Deputado Estadual Renato Roseno (PSOL); além de secretários do governo estadual, representantes da direção do MST e dos novos assentados.

Foto: Aline de Oliveira

Elmano de Freitas, governador do Ceará, destacou a importância da conquista e a concretização do assentamento como resultado de esforço coletivo do povo do campo e das instituições públicas. “O Governo do Estado seguirá apoiando iniciativas de produção de alimentos saudáveis e desenvolvimento rural sustentável. Estou muito feliz porque, finalmente, as famílias poderão viver e dormir em paz, com tranquilidade, graças à conquista da terra. Mais do que isso, terão serenidade para conviver em harmonia com as comunidades vizinhas e poderão apostar em novos projetos de produção, ampliando o que já realizam. Assim, vamos pacificando a vida de várias famílias do Ceará.”

Governador do Ceará, Elmano de Freitas (ao centro). Foto: ASCOM/Governo do Ceará

“Um acordo como esse transforma terras marcadas pelo conflito em terras produtivas, transforma um barraco de lona preta em casa de alvenaria. Ele resgata a dignidade de famílias que antes dormiam assustadas, temendo uma reintegração de posse, e que agora finalmente podem dormir tranquilas, com a segurança de estarem assentadas em suas terras”, enfatizou o representante da Advocacia-Geral da União (AGU), Flávio Roman, ao comentar sobre o impacto transformador do acordo para as famílias assentadas.

Gene Santos do MST. Foto: ASCOM/Governo do Ceará

Gene Santos, da direção nacional do MST, ressaltou a resistência das famílias e o significado da conquista para o MST. “Essa conquista é fruto da ousadia e coragem de homens e mulheres que decidiram romper as cercas do latifúndio e ocuparam a chapada, um lugar que fica no coração do agronegócio do Ceará. Essa é a nossa primeira experiência com assentamento irrigado no Brasil, e representa muito mais do que o acesso à terra, significa garantir o direito de permanecer no campo, construir futuro, fortalecer a organização popular e inspirar outros territórios a continuar acreditando que conquistar a terra é tornar possível uma vida melhor. Aqui, mostramos que é possível transformar um espaço de conflito em um espaço de vida, trabalho e justiça social.”

Já o superintendente do Incra no Ceará, Erivando Santos, destacou a importância da resolução do conflito e o compromisso da autarquia com as próximas etapas para consolidação do assentamento.

“É uma alegria ver a resolução de um conflito que já se arrastava há mais de dez anos. A partir de hoje, o Incra assume a responsabilidade de conduzir o processo de seleção das famílias e implantar o projeto de assentamento, discutindo todas as etapas de desenvolvimento desse território. Não estaremos sozinhos nessa missão, vamos contar com um grupo de trabalho envolvendo o Governo do Estado, através do IDACE e da Secretaria do Desenvolvimento Agrário, universidades e os movimentos sociais. Esse esforço coletivo vai fortalecer o projeto, garantir acesso à terra e proporcionar novas oportunidades para as famílias assentadas viver com dignidade no campo”.

Assentamento Zé Maria do Tomé: Uma história de luta, resistência e conquistas

Com a luta das famílias Sem Terra, nos últimos onze anos, a Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte (CE), deixou de ser apenas território de grandes proprietários e do agronegócio para se transformar espaço de resistência camponesa e construção coletiva. Em 5 de maio de 2014, centenas de famílias, organizadas pelo MST e apoiadas pelo Movimento M21, ocuparam mil hectares do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, área do DNOCS, enfrentando forte repressão e perseguição de empresários do setor.

Em mais de uma década, o acampamento, batizado em homenagem ao ambientalista Zé Maria do Tomé, tornou-se símbolo da luta pela terra e pela vida digna, após décadas de exploração, exposição a agrotóxicos e expulsão dos camponeses tradicionais da região.

Ao longo desses anos, as famílias enfrentaram tentativas de despejo e conflitos, mas consolidaram um modelo de organização produtiva baseado na agroecologia, solidariedade e participação ativa das mulheres. Os acampados hoje garantem a produção diversificada de frutas, verduras e legumes, comercializadas em feiras e fortalecendo a agricultura familiar no território.

O assentamento Zé Maria do Tomé é o resultado de onze anos de coragem, disposição e construção de processos coletivos, que resultaram na unidade e fortalecimento da luta. São mais de uma década de sonhos construídos, moradias erguidas, produção de alimentos e solidariedade, sendo a expressão viva da construção da Reforma Agrária Popular nos territórios disputados pelo capital.

*Editado por Solange Engelmann