História
Guerra dos Mascates: aristocracia rural x o poder esmagador do comércio urbano
A luta pela autonomia de Recife e a resistência dos senhores de engenho de Olinda revelam as complexas dinâmicas de poder que moldaram a história econômica de Pernambuco

Por Mariane de Barros/ MST em Pernambuco – Regional Agreste Meridional
Da Página do MST 
Há aproximadamente 315 anos, eclodia em Pernambuco uma forte revolta nativista que contribuiu para elevar Recife a nível de principal sede administrativa do estado, tomando o lugar que Olinda outrora havia ocupado.
A Guerra do Mascates, que aconteceu entre os anos de 1710 e 1711, foi marcada pela revolta entre os senhores de engenho de Olinda, que representavam a aristocracia rural e tradicional do estado, e os comerciantes de Recife, portugueses que foram pejorativamente apelidados de “mascates”.
Historicamente, “mascate” era usado para designar o comerciante ambulante ou aquele que vendia mercadorias de porta em porta. Era um modo de ofender os influentes comerciantes portugueses que emprestavam dinheiro e tinham poder econômico.
De um lado, a cidade de Olinda ocupava um lugar de detentora do poder político do estado por possuir a Câmara Municipal que era responsável pela tomada de decisões da região, e do outro lado havia Recife, que apesar de subordinada à Olinda devido à Câmara, estava em um momento de grande ascensão em termos de poder econômico.
Os desdobramentos dessa história emergem de certos contextos políticos e econômicos que foram determinantes para que a tensão entre Olinda e Recife se atenuasse a ponto do estado pernambucano se tornar palco para uma forte revolta que marcou a forma como a economia passou a se movimentar dentro do território.
Brasil Holandês

Antes dos anos de 1700, ainda em 1630, o Brasil foi marcado pela invasão dos holandeses. A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais adentrou majoritariamente o território pernambucano a fim de dominar Olinda e Recife para controlar a lucrativa produção açucareira.
Motivados pela união das Coroas de Portugal e da Espanha, os holandeses, que tiveram seus interesses corrompidos no comércio do açúcar, invadem Pernambuco por ser uma das capitanias mais ricas e que fortemente avançava economicamente na produção do açúcar.
A presença dos holandeses no Brasil ficou profundamente marcada na história com a governança do militar alemão Maurício de Nassau, que transformou Pernambuco em uma cidade cosmopolita e desenvolveu a economia açucareira.
A este período, que durou até 1654, foi dado o nome de Brasil Holandês.
Crise da cana-de-açúcar
Em um período em que o Brasil tinha como principal atividade econômica a cana-de-açúcar, no século XVII, os senhores de engenho de Olinda intensificavam suas riquezas e poderes econômicos por serem eles os maiores produtores do açúcar na época.
Mas, depois de 24 anos da presença holandesa em Pernambuco, a sua expulsão, como resultado da Batalha dos Guararapes e do Cerco do Recife, também acarretou em uma forte crise que se espalhou pela região de Pernambuco e que acometeu principalmente os senhores de engenho.
Em 1654, os holandeses, após serem expulsos, migraram para as Antilhas e as Ilhas do Caribe. Quando lá se estabeleceram, começaram a produzir açúcar, tornando-se um forte concorrente com o Brasil que mais se favorecia economicamente com esta produção.
Em Olinda, o peso dessa realidade foi desafiador. Os senhores de engenho estavam a enfrentar um novo cenário: o endividamento devido à queda dos valores em todo o mercado internacional do que produziam.
Tensões que antecederam a guerra
Com a crise declarada, a queda do açúcar no Brasil resultou também na queda dos senhores de engenho em Olinda, que apesar de ainda manter seu poder político, perderam em termos de poder econômico, o que fez com que a cidade perdesse cada vez mais o prestígio e o lugar de importância e poder em Pernambuco.
Os senhores precisavam encarar a realidade de solicitar empréstimos aos comerciantes portugueses e, mais tarde, não possuíam condições de arcar com as dívidas. E em uma tentativa de manterem sua posição, começaram a aumentar drasticamente os impostos em toda a capitania, o que fez com que os comerciantes de Recife lutassem para conquistar sua própria Câmara Municipal para poder se livrar das garras dominantes de Olinda.
Os senhores de engenho sentiram-se ameaçados com os avanços dos comerciantes de Recife pois temiam sua perda também de poder político. A soma desses acontecimentos foi deixando a relação entre os territórios cada vez mais inflamada.
A ascensão dos “Mascates”

Enquanto Olinda enfrentava a crise, os comerciantes portugueses em Recife chamados de “mascates” ascendiam dentro da economia brasileira. A cidade foi se tornando um centro importante dentro do comércio colonial, visto que possuía um porto que favorecia a exportação e importação de diversas mercadorias.
Os comerciantes também se tornaram credores dos senhores de engenho devido à crise do açúcar, o que os fez conquistar uma espécie de poder sobre Olinda que antes sempre manteve Recife subordinada através da Câmara Municipal em seu território.
A conquista de poderes não parou por aí: em 1709, os mascates avançaram também em poder político, quando conseguiram que a Coroa Portuguesa elevasse Recife à condição de vila, resultando na construção de sua própria Câmara Municipal. Esta foi a decisão final que fez a tensão tomar corpo e se transformar em guerra.
Os senhores de engenho acreditavam que os comerciantes de Recife os estavam prejudicando não apenas economicamente, mas também em termos da sua própria história. Eles confiavam na ideia de que a Coroa Portuguesa estava beneficiando aqueles “estrangeiros” em detrimento deles que eram os veteranos de Olinda, os antigos senhores que representavam uma espécie de “elite rural tradicional”.
O conflito
Em 1710, a Guerra dos Mascates eclode. Liderada pelos senhores de engenho de Olinda, Bernardo Vieira de Melo e pelo capitão-mor Pedro Ribeiro da Silva, que se recusavam a aceitar que Recife fosse elevada à condição de vila, a guerra se inicia quando eles invadem o território com o intuito de anular a decisão e retomar a subordinação da cidade a Olinda.
O resultado da invasão foi a liberação de presos e a destruição do Pelourinho, que havia sido levantado na cidade do Recife como marco da autonomia e da justiça da nova vila.
O governador da Capitania de Pernambuco da época, Sebastião de Castro e Caldas, apoiador dos mascates, fugiu para a Bahia depois de uma tentativa de homicídio pelos senhores de engenho.
Os olindenses conseguiram restabelecer o seu domínio político, mas essa realidade estava com seus dias contados.
Em 1711, os mascates se organizaram em uma contra-ofensiva. Com forte poder de capital, contaram com tropas e milícias pagas para o contra-ataque, além do apoio velado da Coroa Portuguesa. Com novos confrontos nas ruas, invadem Olinda a fim de reafirmar a independência de Recife.
O conflito não pôde ser cessado apenas com apoio das forças locais, o que fez com que a Coroa Portuguesa intervisse. Com a nomeação e chegada de um novo governador, Félix José de Mendonça, uma nova “ordem” foi restaurada, mas que apenas beneficiava os comerciantes portugueses do Recife, com o mandado de prisão às lideranças de Olinda e na reafirmação de Recife como o novo centro de poder da Capitania.
O conflito armado terminou, portanto, com a vitória política e militar imposta pelo poder metropolitano em favor do grupo que representava o poder econômico crescente, os comerciantes do Recife.
A memória desse conflito permanece como um marco do embate entre o poder agrário tradicional e o poder do capital comercial que reconfigurou a política local e regional. Ainda se sentem as marcas desta guerra que se fincaram nas cidades de Olinda e Recife como divisora do que foi a aristocracia rural e do avanço do capital urbano que triunfou.
*Editado por Fernanda Alcântara



