Crise Ambiental
Alternativas populares da Reforma Agrária à crise ambiental
A crise climática não é uma ameaça futura, mas uma realidade presente. O que se projetava para 2070 já acontece hoje, pois a massa de gases de efeito estufa na atmosfera já vem gerando eventos extremos cotidianos

Por Gilmar Mauro*
Da Página do MST
A lógica do capital, cujo coração é o lucro, é incapaz de oferecer soluções reais para as crises que o próprio capitalismo cria, pois exigiria uma contração econômica que o sistema não pode suportar. O sistema capitalista só existe se acumular e expandir. Diante disso, a crise climática não pode ser resolvida pelas mesmas ferramentas que a criaram.
Nesse contexto, as soluções de mercado, como a “financeirização da natureza” e os créditos de carbono, funcionam como uma firula. Elas permitem que empresas paguem por um suposto “cuidado ambiental” em um lugar para continuar emitindo gases em outro, sem resolver o problema estrutural. Trata-se de uma tentativa de lucrar com um patrimônio que é da humanidade, transformando a floresta e os recursos naturais em expectativas de lucro futuro, assim como já fazem com safras agrícolas ainda não plantadas ou o petróleo ainda não explorado.
Frente a esse diagnóstico, a Reforma Agrária Popular surge não apenas como uma pauta de democratização da terra, mas como uma revolução necessária na agricultura e no modo de vida.

As alternativas populares partem de um princípio fundamental: a verdadeira Reforma Agrária não ocorrerá plenamente dentro do capitalismo, pois exige uma mudança estrutural no sistema. Contudo, a luta por ela é o que constrói as bases para essa mudança. O objetivo não é uma pura distribuição de terras, mas uma transformação profunda no modelo de produção, industrialização e distribuição agrícola.
As propostas centrais dessa alternativa popular são profundas e interconectadas, começando por uma revolução na forma como a sociedade se alimenta. Exige-se uma nova cultura alimentar, que deve ser tratada como uma emergência de saúde pública. Essa abordagem significa combater ativamente o consumo de ultraprocessadas encontradas nos supermercados, que estão gerando uma epidemia de doenças. Garantir comida saudável evitaria essas doenças e, consequentemente, reduziria a massiva quantidade de dinheiro público gasta no tratamento de condições que poderiam ser prevenidas com uma boa alimentação.
Paralelamente, o modelo propõe uma agroecologia modernizada, que não significa um retorno ao passado, como o uso da “junta de boi”, por exemplo, mas sim a aplicação inteligente de novas tecnologias. O objetivo é diminuir a penosidade (o trabalho pesado e desgastante) do trabalho agrícola e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade. Isso inclui o uso de drones na agroecologia, o desenvolvimento de bioinsumos e biodefensivos, inclusive através de parcerias internacionais e a transformação em larga escala de resíduos orgânicos, que hoje vão para os lixões emitindo metano, em adubos e fertilizantes.
Essa revolução agrícola, por sua vez, exige uma completa reorganização industrial e urbana. O modelo popular exige repensar as indústrias, abolindo praticamente por completo a “indústria de quinquilharias”, com foco especial na indústria do plástico, e substituindo-a por uma produção focada na durabilidade. Isso se estende ao espaço urbano, pois as atuais megalópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, são consideradas insustentáveis não apenas econômica e socialmente, mas também esteticamente. A alternativa é descentralizar, criando produção de alimentos diversos no entorno das cidades, o que reduz drasticamente a dependência de transportes poluentes, como os caminhões a óleo diesel que hoje cruzam o país.
Fundamentalmente, todas essas mudanças se apoiam em um pilar ético: o conhecimento como patrimônio da humanidade. As soluções para a crise, assim como a água, a biodiversidade e as sementes que são um patrimônio histórico construído por agricultores/as ao longo de milênios e não podem ser patenteadas ou transformadas em mercadorias.
Em última análise, a Reforma Agrária Popular redefine o que é “ser feliz”. Enquanto a lógica do capital oferece uma felicidade baseada na riqueza e no poder, acessível apenas a uma minoria, o projeto popular propõe o “bem viver”. Essa felicidade se baseia em alimentação saudável, moradia digna, festa, alegria e, crucialmente, tempo livre: tempo para estudar, para namorar, para festejar e para “enriquecer a subjetividade humana”. Concluindo a proposta, essa é a verdadeira condição para prolongar a vida humana no planeta.
*Militante do MST, membro da Coordenação Nacional do MST/ Artigo produzido a partir da Formação Rumo à Cúpula dos Povos, oferecida à militância do MST.
**Editado por Érica Vanzin e Solange Engelmann



