Meio Ambiente

Movimentos da Cúpula dos Povos ganham prêmio Lixo Zero

Premiação se refere ao tratamento de resíduos gestionado durante o evento, que ocorreu em Belém, Pará, em paralelo à COP30

Foto: Breno Thomé Ortega

Por Nadson Ayres

Da Página do MST

A gestão de resíduos e limpeza na Cúpula dos Povos, que ocorreu em Belém do Pará, entre os dias 12 e 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará (UFPA), transcendeu a mera lógica de descarte do lixo para se consolidar como uma poderosa declaração política e um modelo de gestão ambiental, que foi reconhecido, com uma premiação do Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB).

A metodologia desenvolvida pelo Grupo de Trabalho (GT) de Resíduos e Limpeza da Cúpula dos Povos, foi conduzida pelo MST, e articulada com outras organizações que realizaram uma gestão de coleta com o empenho de uma reciclagem que reduz resíduos, gera renda e também é destinada para produção agroecológica, confrontando diretamente o modelo adotado pela COP30, que vem sendo criticada pela falta de gestão de seus rejeitos; e reafirmando que as soluções para a crise ambiental vêm da organização popular. 

Além do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), participaram da iniciativa, cooperativas de catadores, como a Filhos do Sol e a Concaves, que operam em parceria, vinculadas à Central da Amazônia; além do Coletivo de Mulheres do Tapanã, ligado à economia solidária, que também contribui na gestão dos resíduos. Ao todo foram coletados cerca de 10 toneladas de materiais recicláveis e orgânicos durante o evento.

O evento de premiação da categoria Evento Lixo Zero, será realizado nos dias 3 e 4 de dezembro de 2025, em Brasília (DF), durante o Encontro Nacional de Boas Práticas Lixo Zero, organizado pelo Instituto Lixo Zero Brasil (ILZB); uma organização não governamental que atua para promover práticas sustentáveis de gestão de resíduos, inspiradas no conceito internacional Zero Waste.

A premiação reconhece o esforço exemplar da organização na implementação de práticas de gestão de resíduos alinhadas ao conceito Lixo Zero, garantindo alto nível de responsabilidade socioambiental em um evento de enorme relevância internacional.

Kallen Oliveira, coordenadora do GT e militante do Setor de Produção do MST, afirma que, “de maneira antagônica, enquanto na COP 30 apresenta soluções por startups, empresas, que é mais uma forma do capital seguir acumulando em meio à crise climática, nós na Cúpula dos Povos, a partir da organização popular de diversas frentes de movimentos, temos organizado uma metodologia que dá conta de tratar os resíduos e não apenas descartá-los em lixão”.

O trabalho de gestão de resíduos na Cúpula dos Povos não é apenas ambiental, mas também político e social. A iniciativa partiu de um esforço coletivo, conduzido pelo MST, em diminuir o impacto sobre a terra e avançar nas experiências agroecológicas. Kallen explica que a solução se fundamenta em uma relação de respeito com a natureza, que é vista como sujeito de direito, e respeito com aqueles que mais sofrem, demonstrando que “a solução para as mudanças climáticas parte do povo e do povo organizado”.

Outro pilar deste eixo é a pesquisa e a educação: o GT realizou uma pesquisa junto ao público para entender o acesso a saneamento básico (coleta seletiva, água potável, tratamento de esgoto e resíduos). Estes dados serão sistematizados, analisados e publicados. 

Paralelamente, jovens filhos dos catadores e estudantes bolsistas da universidade conduziram a educação ambiental no local, com o objetivo de sensibilizar o público presente na Cúpula dos Povos. A coordenadora destaca que a experiência demonstrou a necessidade de “todos e todas nessa frente de trabalho pra gente poder construir a mudança que a gente quer”.

Gestão da coleta: tecnologia social e de ponta

A metodologia de trabalho foi desenhada para tratar todos os resíduos gerados durante o evento na Universidade Federal do Pará. 

O primeiro passo prático na UFPA foi a instalação de coletores de coleta seletiva (que substituem o termo “lixeira” para reforçar a distinção entre “resíduo” e “lixo”) em pontos estratégicos. Estes coletores garantiram que o público tivesse a oportunidade de jogar seus rejeitos nos locais corretos.

Foto: Breno Thomé Ortega

Em seguida, uma equipe de trabalho de limpeza retira os sacos desses coletores e os transporta para o centro de triagem. Essa etapa logística é crucial, pois garante que o material chegue segregado e pronto para o beneficiamento.

O coração da operação é a Central de Resíduos Carolina Maria de Jesus, um “galpão comum” socializado para várias cooperativas operarem. É nesta instalação que a triagem é realizada por mais de cinco cooperativas de catadores.

A triagem separa os resíduos em duas correntes principais para suas destinações finais:

Reciclagem (Geração de Renda): O material reciclável é triado e destinado à reciclagem, gerando renda para as famílias catadoras para subsistência. Kallen explica que, ao reutilizar materiais, o trabalho contribui para a “diminuição do uso de água na fabricação de novo de materiais” e evita que esses materiais sejam enviados para aterro sanitário.

Compostagem (Tecnologia e Mitigação): O material orgânico é separado e destinado à compostagem. O processo utiliza um reator de compostagem acelerada localizado no galpão da Concaves. A militante do MST enfatiza que esta é uma “tecnologia nova de compostagem sendo experimentada durante a cúpula dos povos a partir de uma iniciativa feita e organizada pelo povo”.

Tratamento de resíduos é um tema central no debate ambiental 

Segundo dados do IBGE, ainda há 4,7 milhões de domicílios que queimam seus resíduos nas próprias moradias. Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em 2023 41,5% do lixo urbano gerado foi destinado de forma inadequada.

O tema dos resíduos também escancara desigualdades regionais no Brasil. Na Região Norte, 73,8% dos municípios ainda têm lixões; no Sudeste, esse número cai para 12,1%. Enquanto no Norte, apenas 33,5% dos municípios têm coleta seletiva, este índice sobe para 81,9% na Região Sul.

Diante deste contexto, o tratamento de resíduos é um tema central no debate ambiental porque o envio de orgânicos para aterros sanitários emite gases de efeito estufa. Ao evitar isso e realizar a compostagem, o movimento contribui diretamente para a mitigação. A dimensão social e produtiva é fechada quando “esse composto ele pode se tornar bioinsumo e voltar para produção de alimentos saudáveis mais uma vez”, afirma Kallen.

A coordenadora do GT conclui que o trabalho na Cúpula demarca o tratamento de resíduos como um “ponto de encontro com a classe trabalhadora do campo e da cidade”. O processo não apenas gera renda para os catadores, mas também cuida do meio ambiente, reforçando que as soluções defendidas para a justiça climática vão partir do povo organizado.

*Editado por Lays Furtado