Cooperação
Dirigentes do MST levam experiência brasileira de Reforma Agrária ao Fórum do Sul Global, na China
Lideranças afirmaram que parcerias com país asiático contribuem com objetivo de massificar a agroecologia no Brasil

Por Mauro Ramos | Xangai (China)
Do Brasil de Fato
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destacaram a importância da cooperação tecnológica com instituições chinesas para expandir a agroecologia no Brasil. As parcerias que o movimento vem desenvolvendo com o gigante asiático focam em bioinsumos e mecanização agrícola de pequeno porte, áreas em que a China possui infraestrutura industrial consolidada e tecnologias mais acessíveis que outros países e regiões.
“Nós do Movimento Sem Terra, somos mais de 450 mil famílias assentadas e mais de 100 mil famílias acampadas, temos como tarefa principal a massificação da agroecologia“, disse a dirigente nacional do MST, Tuíra Tule, ao Brasil de Fato. Ela conta que as cooperações com a China se concentram em dois elementos fundamentais para alcançar esse objetivo.
“Um deles é a autoprodução dos nossos fertilizantes orgânicos. O bioinsumo é um pilar fundamental para que a gente possa avançar tendo autonomia da produção dos insumos necessários para essa grande transição agroecológica”, explicou Tuíra. “Outro pilar fundamental é a mecanização. Hoje no Brasil, diferente daqui na China que tem mais de 2,5 mil fábricas de pequenos tratores, o Brasil não tem nenhuma”, completou.
A quantidade de empresas mencionadas pela liderança do MST se refere às maiores empresas do setor. Na China há uma classificação para empresas grandes, cujo critério é de que tenham uma receita anual de 20 milhões de yuan ou mais em sua atividade principal. Ao todo, a China possui mais de 18 mil empresas dedicadas à fabricação de maquinário agrícola, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Industrial Visão Futura, na China.
O dirigente do setor de produção do MST, Adalberto Martins, ressaltou a importância específica da parceria com o gigante asiático. “É muito importante essa relação e essa parceria com a China, porque a produção que eles desenvolvem aqui são de máquinas agrícolas, de equipamentos de pequeno porte”, explicou. “Na realidade latino-americana e brasileira, você não vai ver uma indústria de mecânica agrícola com esse porte, voltada para essas dimensões”, disse Martins, conhecido também como Pardal.
Diálogo sino-brasileiro sobre Reforma Agrária
Ambos os dirigentes estiveram na China recentemente para participar do Fórum Acadêmico do Sul Global, realizado em Xangai entre 13 e 14 de novembro. O evento, organizado pela Universidade Normal do Leste da China, Universidade de Joanesburgo e Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, reuniu delegações de 31 países para discutir a ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial e os desafios contemporâneos enfrentados pelos países do Sul Global.
Os representantes do MST participaram do painel “Lutas Históricas pela Terra e Revitalização Rural Contemporânea: A História da Cooperação China-Brasil na Agricultura Familiar”, dentro da sessão “Compartilhando Histórias Rurais do Sul Global: Desenvolvimento e Paz”.
Cooperação se consolida
Tuíra Tule destaca as diferentes parcerias com o gigante asiático resultaram no envio de mais de 60 máquinas diferentes para o Brasil. “Hoje contribuem para a gente pensar e desenvolver mais de sete cadeias produtivas, dentre elas o arroz, mandioca, hortaliças, frutas, sementes, variadas espécies que a gente vai conseguir avançar na produção ainda em pequena escala e na média escala com a mecanização”, celebrou.
Em novembro de 2024, foi inaugurado na UnB o Centro Brasil-China de Pesquisa, Desenvolvimento e Promoção de Tecnologia e Mecanização para Agricultura Familiar, com a presença do ministro da Educação chinês, Huai Jinpeng. A iniciativa prevê intercâmbio de estudantes entre os dois países, com pós-graduandos chineses realizando vivências em escolas de formação técnica do MST, como a Escola Latino Americana de Agroecologia e o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra).

Outro dos projetos de cooperação é a Unidade Demonstrativa Brasil-China de Máquinas Agrícolas, instalada no município potiguar de Apodi. A iniciativa resulta de um memorando de entendimento assinado em 2022 entre o Consórcio Nordeste, o Instituto Internacional de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente da Universidade Agrícola da China e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas chinesa. Cerca de 30 máquinas, incluindo micro-tratores, colheitadeiras, semeadeiras e plantadeiras, estão sendo testadas em 20 tipos de cultivos em áreas de agricultura familiar no Ceará, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte.
O projeto com a UnB também inclui o Laboratório de Agroecologia Familiar Digital, instalado no Parque Científico e Tecnológico da universidade, equipado com mais de 20 equipamentos digitais para monitorar dados como solo, clima e produtividade.
“Então para nós, do Movimento Sem Terra, ter esse grande termo de cooperação com a China, nesses dois pilares fundamentais para nós (o bioinsumo e também a mecanização), é um passo muito grande para aquilo que a gente está querendo com muita força construir que é uma transição agroecológica massiva para o povo brasileiro”, afirmou Tuíra.
Revitalização rural chinesa como inspiração
Durante a participação no fórum, a delegação brasileira teve oportunidade de conhecer de perto o processo de revitalização rural chinês, uma estratégia desenvolvida pelo governo chinês para consolidar as conquistas da erradicação da pobreza extrema alcançada em 2020. Segundo documento oficial do Comitê Central do Partido Comunista da China e do Conselho de Estado divulgado pela Agência Xinhua, a revitalização rural é considerada fundamental para “acelerar a revitalização abrangente das áreas rurais” e alcançar “a modernização ao estilo chinês”.
“Para nós é uma inspiração poder compreender esses passos e chegando depois desses passos do que foi concretizar a reforma agrária dentro da revolução, ainda em construção, mas também desse processo da revitalização rural”, afirmou Tuíra Tule. A dirigente destacou que o modelo chinês reorganiza o conceito de vida no campo através do turismo, esporte, cooperação e agroindustrialização.
Adalberto Martins observou que a China está há 15 anos em um processo de revitalização do interior, em uma campanha exitosa contra a fome que envolveu mais de 3 milhões de pessoas. “Nós aqui viemos compartilhar um pouco a experiência do MST, seja na leitura histórica do porquê que não houve a reforma agrária em nosso país”, explicou o dirigente. “E, apesar disso, como contradição desse processo de concentração da terra, o MST surge, aparece, se organiza e, ao conquistar a terra, coloca a agricultura num outro patamar, que é o patamar da produção de alimentos saudáveis, na recuperação dos bens comuns da natureza e nessa grande campanha, plantando árvores e garantindo a produção de alimentos”, completou.
O Fórum Acadêmico do Sul Global 2025 teve como tema “A Vitória da Guerra Mundial Antifascista e a Ordem Internacional Pós-Guerra: Passado e Futuro”, marcando o 80º aniversário da vitória contra o fascismo na Segunda Guerra Mundial e da fundação das Nações Unidas. Segundo os organizadores, o evento buscou fortalecer a solidariedade entre países do Sul Global diante de desafios como fragmentação geopolítica, monopolização da hegemonia militar e tecnológica, e reascensão do fascismo.
Para Tuíra Tule, a participação no fórum representou “uma experiência única de poder estar aqui em nome do Movimento Sem Terra e poder compreender melhor, principalmente, essa conjuntura aqui da Ásia, que às vezes fica tão distante da nossa realidade”. A dirigente destacou a oportunidade de conhecer “as diversas formas de resistência contra o fascismo e também formas que a gente pode cooperar e se articular” com movimentos dos países do Sul Global presentes.
Editado por: Nathallia Fonseca



