Agenda de trabalho

Grupos de Trabalho do BRICS discutem medidas para o desenvolvimento do Sul Global 

Debate ressaltou necessidade de fortalecer a participação social, construir alternativas a partir do Sul Global e enfrentar desigualdades estruturais

Painel dedicado às agendas dos Grupos de Trabalho (GTs) do Conselho Popular. Foto: Priscila Ramos / MST

Por Leon Continetino
Da Página do MST

A Cúpula Popular dos BRICS promoveu, nesta terça-feira (02), no Rio de Janeiro, um painel dedicado às agendas dos Grupos de Trabalho (GTs) do Conselho Popular, reunindo representantes das áreas de Saúde, Educação, Ecologia, Cultura, Finanças, Segurança de Ciber Informação, Tecnologias Avançadas e Inteligência Artificial, além da apresentação de um relatório sobre participação social na trilha financeira. As falas ressaltaram a necessidade de fortalecer a participação social, construir alternativas a partir do Sul Global e enfrentar desigualdades estruturais ainda presentes nas dinâmicas culturais e financeiras internacionais.

No GT de Cultura, Sérgio Cohn, presidente da Brics Arts Association, apresentou uma análise crítica sobre o papel das instituições culturais internacionais e os desafios para ampliar o protagonismo dos países do Sul Global. “Há décadas, a produção cultural internacional tem sido moldada por uma dinâmica de eventos efêmeros, feiras e festivais cuja curadoria se concentra majoritariamente em poucos centros no Norte Global”, afirmou, complementando que essa lógica, reproduzida pela indústria cultural, “trata países do Sul como reservas de mercado, muito mais espectadores do que produtores de cultura”.

Cohn ressaltou que, mesmo com o avanço tecnológico que possibilita “a difusão direta e descentralizada do conhecimento e da produção artística”, a concentração dos mecanismos de legitimação continua praticamente inalterada. Para ele, “se há uma contradição gritante no nosso tempo, é esta: quanto mais os meios de comunicação e difusão se tornam ágeis com as novas tecnologias, mais as estruturas de legitimação permanecem concentradas”.

Já no GT de Finanças, o professor Samuel André Spellmann destacou a importância da cooperação financeira e institucional entre países do Sul Global no âmbito dos BRICS. Ele explicou que o grupo atua a partir de três eixos: cooperação financeira internacional e inclusão financeira; comércio e investimento; e financiamento ao desenvolvimento. 

Spellmann ressaltou o apoio do GT às negociações das Nações Unidas sobre taxação internacional, consideradas por ele um passo relevante para “uma arquitetura financeira internacional mais justa”.

O professor destacou ainda que a legitimidade institucional e a participação das populações são centrais para orientar novos modelos de desenvolvimento. “Será tanto mais eficaz quanto maiores forem a legitimidade das instituições, o reconhecimento da natureza como bem comum e a participação das forças civis e populares no desenho de alternativas”, afirmou.

Responsável pela coordenação do BRICS Social na Trilha de Finanças pelo Brasil, Mariana Davi, do Ministério da Fazenda, destacou o caráter inédito da participação plena dos países do BRICS ampliado nas atividades de 2025. Segundo ela, o ano foi marcado pela necessidade de integrar novos Estados-membros a agendas já em andamento. 

Mariana Davi, do Ministério da Fazenda. Foto: Priscila Ramos

Mariana explicou que a heterogeneidade influenciou os debates e também o diálogo com organizações sociais envolvidas no BRICS Social. “Essa heterogeneidade passa por todos os âmbitos e agendas de debate e também se coloca pelas trocas que a gente teve com as organizações que estavam coordenando, como aqui no Brasil, esse processo de mobilização”, disse. 

A médica-chefe do Hospital Clínico Federal nº 85 e vice-presidente da Organização Pública de Toda a Rússia “União das Mulheres da Rússia na Esfera Médica e Social”, Natalia Bondarenko, fez um balanço sobre os principais desafios e prioridades do GT Saúde, destacando a necessidade de uma visão ampla da saúde – “A saúde não é só sobre hospitais e medicamentos. É um fim de sustentável desenvolvimento.” Ela defendeu o fortalecimento da cooperação médico-social entre os países do BRICS, a prevenção de doenças crônicas por meio de escolhas saudáveis acessíveis, o acesso universal aos serviços de saúde e a importância da alfabetização em saúde.

A representante do GT Educação, Margaret Molefe, apresentou um balanço das prioridades do grupo, enfatizando a necessidade de fortalecer a cooperação científica e educacional entre os países do BRICS, especialmente nas áreas de tecnologias digitais e inteligência artificial, além de construir parcerias entre governos, sociedade civil e academia. 

Segundo ela, o GT também propõe a criação de um conselho consultivo de liderança acadêmica e de um sistema de ranking universitário do bloco, além de estudos comparativos, pesquisas conjuntas – inclusive envolvendo saberes indígenas – e programas preparatórios em línguas nacionais para atrair estudantes.

Em sua fala, Margaret sintetizou a visão do grupo ao afirmar que “o Grupo de Trabalho acredita firmemente que fomentar cooperações entre as nações BRICS na educação permitirá aproveitar o potencial dos sistemas educacionais nacionais, da ciência e da sociedade civil para desenvolver soluções que garantam educação equitativa e de alta qualidade, desenvolvimento humano, bem-estar humano e prosperidade do Estado.”

A representante do GT Ecologia, Maria Beatriz, defendeu princípios de justiça climática, o papel central das comunidades tradicionais e a necessidade de uma transição justa que considere responsabilidades diferenciadas entre países e garanta novos caminhos econômicos para trabalhadores de setores poluentes.

Apresentação das propostas do Grupo de Trabalho de Ecologia. Foto: Priscila Ramos

Entre as propostas, citou um seminário multilíngue e um mutirão internacional pelo Bem Viver, além do fortalecimento do Conselho Civil Popular dos BRICS. Em sua fala, afirmou que “o GT Ecologia reconhece os BRICS como uma força política emergente […] que corresponde a parcela significativa do PIB e da população mundial”, concluiu Maria Beatriz.

A diretora-adjunta da Fundação Infrasvyaz e integrante do Conselho de Especialistas do BRICS, Irina Kostetskaya, apresentou um panorama das desigualdades digitais entre os países do bloco, marcadas por níveis muito distintos de desenvolvimento tecnológico, fortes contrastes urbanos e rurais e déficit de infraestrutura. Ela alertou para a dependência de tecnologias e modelos ocidentais, defendendo o incentivo a soluções locais de IA, centros de dados próprios e ecossistemas tecnológicos autônomos.

Kostetskaya destacou ainda a importância da alfabetização digital e da inclusão de grupos marginalizados, afirmando que “a alfabetização digital é a chave para garantir que as tecnologias beneficiem toda a população, e não apenas as elites urbanas.” Também abordou a proteção do trabalho diante da automação, a necessidade de financiamento via estruturas do BRICS e do NDB e a construção de normas conjuntas de governança digital e de IA que respeitem as jurisdições nacionais.

*Editado por Solange Engelmann