Reforma Agrária Popular

Filme “Luta por Reforma Agrária na Amazônia” traz MST em Rondônia para tela

Produção retrata a formação e consolidação do MST em Rondônia no coração da Floresta Amazônica

Foto: Divulgação

Por Solange Struwka e Zonalia Neris dos Santos*
Da Página do MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) comemorou, em 2024, seus quarenta anos de vida. Uma trajetória marcada não só pelo enfrentamento ao latifúndio – definidor da estrutura agrária de nosso país e consequentemente da persistente desigualdade que aqui se instala–, mas também da construção de uma outra realidade a partir da luta coletiva. De norte a sul do Brasil, as características da luta por acesso à terra se assemelham, nas quais as famílias expulsas do campo ou já nascidas nas periferias dos centros urbanos, ocupam áreas improdutivas para transformá-las em território de trabalho, moradia e vida digna.

Na Amazônia, todavia, encontramos características específicas nessa trajetória, marcada pelos projetos de “integração” da região ao restante do país e ao contínuo apagamento da presença dos povos originários e das comunidades tradicionais que construíram a sociobiodiversidade deste território. Essa negligência favoreceu a grilagem dos territórios, violências e violações de direitos e genocídios, intensificando ainda mais os conflitos socioambientais.

O material audiovisual que apresentamos retoma esse processo a partir dos momentos significativos da formação do MST no estado de Rondônia. O primeiro momento foi marcado pela “Operação Amazônia”, no início dos anos 1970, realizada pela ditadura empresarial-militar, em que o estado de Rondônia foi reconfigurado a partir das políticas de colonização agrícola dirigidas que visavam integrar a região ao projeto desenvolvimentista nacional. Assim, se produziu um intenso fluxo migratório na região, que passou a receber inúmeras famílias mobilizadas pela esperança de acessar um pedaço de terra, as mesmas que já haviam sido expulsas de suas regiões de origem devido ao avanço do capital no campo.

Porém, a esperança de acesso à terra não se efetivou para a grande maioria das famílias, mais uma vez, abandonadas à própria sorte pelo Estado brasileiro. Este mesmo Estado reprimiu, perseguiu e efetivou diversas violências contra aqueles que reivindicavam o direito à terra então prometida. As décadas seguintes, sem intervalo, teriam como principal marca a presença dos despejos violentos, assassinatos, pistolagem e repressão policial.

É nesse contexto que surge a luta pela posse da terra e as ocupações espontâneas, às quais as lideranças do MST se somaram num primeiro momento. Também são fundamentais nesse processo a mobilização e organização realizada pelas Comunidades Eclesiais de Base e Pastorais das igrejas (Pastoral da Juventude, Comissão Pastoral da Terra, dentre outras) e o Movimento Sindical ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores).

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A análise das lideranças sobre a história do Movimento no estado de Rondônia indica que o período entre 1984 e 1989 foi de acúmulo de experiências, caracterizado pela incidência junto às ocupações de luta pela posse da terra e no sentido de superar o individualismo em que, como nos conta Leôncio, uma das principais lideranças do Movimento, “cada um estava preocupado apenas com seu lote”. Estes anos iniciais de resistência e organização do MST no estado foram fundamentais para o salto organizativo efetivado em 1989. Um momento marcado pela avaliação de suas táticas e estratégia e consolidação das mudanças significativas na construção de um novo momento organizativo, nomeado como “a retomada do MST”, agora orientado pelas condições concretas da região e pelas definições políticas do movimento nacional. Assim, foram definidos os seguintes princípios para as áreas que seriam ocupadas: a) terras já inseridas no mercado, ou seja, fazendas improdutivas; b) áreas localizadas próximas às cidades ou rodovias e, consequentemente, de fácil acesso; c) locais sem incidência das doenças tropicais, em especial de malária. A partir destes princípios passa a ser orientada a construção da Reforma Agrária Popular na Amazônia, se diferenciando da atuação das ocupações espontâneas, usadas como a ponta de lança do avanço da fronteira agrícola, do desmatamento na região e da inserção das áreas da união no mercado de terras.

A partir destes princípios, o Movimento se expande para todas as regiões do estado e se consolida na justa luta por acesso à terra, moradia, trabalho, saúde, educação e uma vida digna. O assentamento 25 de Julho, na antiga Fazenda Seringal, se tornou um marco dessa luta, sendo a primeira área conquistada. Ali, trezentas e duas famílias passaram a viver nos nove mil hectares de terra. De lá para cá, são aproximadamente sessenta mil hectares de terra destinada à Reforma Agrária no estado e que significam moradia e trabalho para mais de duas mil famílias, além de serem um importante instrumento político e econômico na produção de alimentos saudáveis para quem vive na cidade. Importante destacar que essa trajetória de luta sempre esteve marcada pela intensa repressão dos braços do Estado e dos capangas do latifúndio, não por acaso Rondônia foi o chão pelo qual correu o sangue dos torturados e assassinados no massacre de Corumbiara, assim como segue na dianteira como um dos estados que mais persegue e mata as lideranças sociais.

A questão agrária em Rondônia e na Amazônia segue como espinha dorsal dos conflitos socioambientais, da destruição das florestas e dos rios e do roubo dos nossos bens comuns, em que o Estado brasileiro continua financiando projetos que beneficiam apenas o capital financeiro e as elites nacionais e internacionais. Atualmente a principal expressão dessa atuação é a AMACRO, projeto nomeado como Zona de Desenvolvimento Sustentável e que envolve os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, projeto que tem catalisado o avanço da fronteira agrícola na Amazônia.

No que se refere ao material produzido, buscamos, a partir dele, oferecer uma singela contribuição ao registro e à sistematização desta história, por entendermos que a memória não é apenas o passado, mas sim disputa de sentidos sobre o presente e sobre as possibilidades de construção de outro futuro. Disputar as narrativas da história também é construir as condições objetivas e subjetivas para a superação do capitalismo e de suas mazelas.

A proposta de produção surge da insistência das mulheres lideranças do MST que nos lembravam: “muitos pesquisadores já escreveram sobre nós, mas falta nós contarmos a nossa própria história”. Desta intencionalidade vêm os trabalhos realizados pelo projeto de extensão “Registrar a Memória de quem faz a história”, vinculado ao departamento de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), que produziu este material audiovisual, podcasts e escritos a partir das entrevistas e rodas de conversa realizadas nos assentamentos de Rondônia.

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Iniciamos nossas andanças pelos assentamentos do estado em outubro de 2023. Em sete meses de trabalho percorremos mais de 5.000 quilômetros, no período pós-pandêmico em que o retorno à mobilização das atividades coletivas e presenciais era um importante esforço a ser construído. Depois das rodas de conversa e entrevistas realizamos diversas reuniões com as lideranças para alinhamento e avaliação dos produtos. Este trabalho foi feito sem financiamento externo ou equipamentos profissionais, contou apenas com nossos esforços e a força das lideranças de cada assentamento. Também se somaram neste processo o trabalho de estudantes extensionistas da graduação e da pós-graduação – estes que são “o sal da terra” na universidade. Sem elas e eles este material não teria condições de ser produzido. Destacamos que a parceria entre a Universidade Pública e gratuita e os movimentos populares de luta por terra é uma importante trincheira na qual se encontram a disputa na construção da Reforma Agrária Popular e da soberania tecnológica e científica.

Ouvimos e registramos muitas e diversas histórias sobre como o MST em Rondônia transformou a vida das pessoas e famílias. Choramos e rimos com as histórias vividas por aquelas e aqueles que ousaram transformar a terra improdutiva em terra de vida, moradia e trabalho. Alimentamos-nos e fortalecemos-nos tanto com as memórias das lutas quanto com os alimentos produzidos nos lotes.

Enfim, o que vocês estão acessando nesta Grande Reportagem é apenas uma pequena parte deste processo, um recorte deste trabalho e da grandeza que é o MST em Rondônia.

Que o lançamento deste material nos instigue a seguir contribuindo na disputa de um sentido comum, da justa Reforma Agrária e Popular, vinculada a um projeto socialista e genuinamente latino-americano.
Vida Longa ao MST de Rondônia.

Vida longa às pessoas que lutam contra a cerca do latifúndio e contra todas as cercas impostas pela exploração e opressão das trabalhadoras/es e da natureza.

Acesse o vídeo aqui.

Material produzido no âmbito do projeto de extensão “Registrar a Memória de quem faz a história: práxis da Psicologia Social junto a Comunidades, Povos e Coletivos da Amazônia”, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Rondônia, entre 2023 e 2024.

*Solange Struwka – É professora da graduação e da pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR); e Zonalia Neris dos Santos – Assentada e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do estado de Rondônia.

*Editado por Fernanda Alcântara