Direitos Humanos
Fraude e coação: famílias do acampamento Taboca Sítio II no Tocantins denunciam uso de liminar revogada em terra pública da União
Mesmo com decisões judiciais definitivas e a formalização do assentamento pelo INCRA, trabalhadores rurais em Palmas enfrentam intimidação por indivíduos que se passam por servidores do Judiciário para impedir a Reforma Agrária.

Por Vicente Santos
O conflito fundiário na zona rural de Palmas, especificamente na área que abriga o Acampamento Taboca Sítio II, revela um cenário de flagrante desrespeito à coisa pública e ao Estado Democrático de Direito. A área em questão é um bem público da União, formalmente destinada à Reforma Agrária após um longo histórico jurídico que inclui o Decreto Presidencial de 10 de abril de 2007 e decisões com trânsito em julgado desde 2012. Documentos oficiais, como a certidão de averbação da matrícula nº 5.846 e o recente despacho decisório de dezembro de 2025, comprovam que o domínio pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. O território, outrora sob disputa, já possui autorização para a criação do projeto de assentamento, visando garantir a função social da terra e o sustento de dezenas de famílias camponesas.
Apesar da clareza jurídica, o dia 23 de dezembro foi marcado por um episódio de grave violência simbólica e potencial criminalidade. Enquanto as famílias trabalhavam coletivamente no plantio de uma roça de mandioca, foram surpreendidas por uma mulher identificada como Sandra, acompanhada por policiais militares e um indivíduo que, de maneira fraudulenta, apresentou-se como oficial de justiça. O grupo portava uma liminar de reintegração de posse que, na realidade, havia sido revogada pelo Tribunal de Justiça no dia 12 de dezembro, com a subsequente declinação de competência para a Justiça Federal. A ação visava intimidar os trabalhadores com base em um documento sem validade, configurando uma tentativa espúria de reaver uma área que já é, por direito e sentença, patrimônio da União destinado aos trabalhadores Sem Terra.

O advogado das famílias, Cristian Ribas, classifica a abordagem como uma afronta direta às instituições brasileiras. Segundo ele, a gravidade reside no uso da máquina pública e da identidade de servidores para fins particulares escusos. “Além de um possível crime de falsidade ideológica, o que aconteceu no dia 23 é um ato contra a administração pública e contra a dignidade da justiça. Nós, enquanto sociedade, precisamos confiar nos nossos servidores públicos e nas nossas instituições. Esse tipo de situação, de alguém se apresentar como servidor público do judiciário para intimidar alguém, é absolutamente inadmissível”, afirmou Ribas, ressaltando que o sistema de justiça deve agir com severidade diante de tais irregularidades.
Para os acampados, a investida representa um ataque à sua própria sobrevivência e dignidade. Um dos representantes das famílias relatou o clima de tensão gerado pela presença policial e pela desinformação utilizada como arma de pressão. “Nós estávamos na lida, preparando a terra para produzir alimento para nossas mesas, quando chegaram nos acuando com papéis mentirosos. É revoltante ver pessoas usando a autoridade do Estado para tentar nos expulsar de um chão que o próprio governo já disse que é nosso para trabalhar. Estão tentando nos tirar no grito o que a lei já nos garantiu”, desabafou o trabalhador, denunciando a coação e a pressão psicológica como uma das modalidades de violência que é utilizada para intimidar as famílias.

Diante do registro do Boletim de Ocorrência na 2ª Central de Atendimento da Polícia Civil de Palmas, torna-se imperativo que os órgãos competentes, como o Ministério Público Federal e a Corregedoria da Polícia Militar, promovam uma investigação minuciosa. É necessário apurar a responsabilidade criminal dos indivíduos que usurparam funções públicas e o uso de liminares revogadas para coagir cidadãos. A denúncia formalizada exige que o Estado investigue não apenas a falsidade ideológica, mas também a conduta dos agentes que deram suporte a uma diligência ilegal em terra pública da União, garantindo que os responsáveis por esses atos contra a administração pública sejam punidos conforme o rigor da lei.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reafirma sua posição inabalável na defesa do Acampamento Taboca Sítio II, reiterando seu compromisso histórico com a luta pela terra e pela democratização do acesso aos meios de produção. O movimento sustenta que a Reforma Agrária é o único caminho para a justiça social e para a produção de alimentos saudáveis que abasteçam as cidades e combatam a fome. Contra toda e qualquer forma de injustiça e latifúndio, o MST mantém sua trajetória de resistência e solidariedade de classe, denunciando as manobras daqueles que tentam se sobrepor ao interesse social. Pela dignidade de quem planta e pela soberania do povo sobre seu território, não recuaremos nenhum centímetro da luta pela terra.



