Abrasco lança dossiê sobre o impacto dos agrotóxicos na Cúpula dos Povos

 

 

Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

 
 
A Via Campesina, em sua primeira atividade na Cúpula dos Povos, debateu a questão dos agrotóxicos no campo, em conjunto com outras organizações, como os Amigos da Terra e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). 
 
Numa das atividades, foi lançado a segunda parte do dossiê da Abrasco sobre agrotóxicos. De acordo com Lia Giraldo, da Fiocruz, a problemática dos agrotóxicos atravessa todos os segmentos da vida, e não só o campo, e por isso, essa luta deveria ser de toda sociedade. “Os inseticidas, que usamos nas cidades para nos proteger de mosquitos, contém as mesmas substâncias que muitos agrotóxicos, mas são vendidos como algo ‘limpo’ para a população”, destaca.

 
Incentivo ao uso
 
“Quando estava na universidade de agronomia, tive que aprender a aplicar agrotóxicos. Fui completamente desprotegida, passei mal e um professor me resgatou de lá”, relata Cláudia Gerônimo, dos Amigos da Terra da Guatemala, ao falar de sua experiência pessoal com os agrotóxicos. Ela afirma que não é possível garantir que as pessoas se protejam, pois as instruções não são claras, além do fato de muitos camponeses não conseguirem ler os rótulos de proteção. 
 
Segundo Cláudia, na Guatemala, assim como no Brasil, os produtores são incentivados pelo governo a utilizar agrotóxicos. “Fiquei perplexa com o fato de que não há incentivo à outra alternativa para produzir. Acredito que devemos adotar o modelo agroecológico, que para mim deve ser amigável ao  meio ambiente, sem uso de venenos e resgatando conhecimentos ancestrais de produção. Ao ver que os agricultores são forçados a usar agrotóxicos, sinto que nossos conhecimentos estão sendo tolhidos”.    
 
Histórico
 
Cléber Folgado, da Via Campesina e coordenador nacional da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida, por sua vez, ao contextualizar o surgimento dos agrotóxicos, destacou o papel fundamental que os governos tiveram na difusão desses venenos agrícolas, ao “surgirem como resto da segunda guerra mundial, para resolver os problemas das indústrias bélicas, adaptando o uso de venenos à agricultura. Por isso os agrotóxicos nunca podem ser chamados de ‘defensivos agrícolas’. As formas que o capitalismo encontra para resolver suas crises é fazer guerra e se apropriar dos bens naturais”.
 
O crédito agrícola concedido pelo governo brasileiro no incentivo aos agrotóxicos é um exemplo do papel do Estado no incentivo a utilização desses produtos. “Os camponeses na década de 60 tinham que pegar o agrotóxico para receber o crédito. Como é hoje? A mesma coisa”, enfatiza Cléber. O membro da Via Campesina desmentiu vários argumentos muito usados pelo agronegócio e os setores que o apoiam. 
O primeiro, é de que há formas seguras de usar agrotóxicos. “Há técnicas e proteções que evitam intoxicações agudas, mas a intoxicação ainda acontece. Também é mentira que ‘não podemos produzir com veneno, pois o preço da comida sobe’, pois quem produz 70% da comida neste país é a agricultura familiar”. 
 
Outro mito, trata-se do argumento de que o camponês também se utiliza dos venenos. “É claro que usa, estão obrigados por conta do crédito agrícola. No entanto, o Censo diz que o agronegócio usa 80% de agrotóxicos, e os camponeses, 30%”. Por fim, a questão da Balança comercial, cujo agronegócio é responsável por 30% do PIB, o que corresponde à 151 bilhões de reais. “Para produzir isso, os latifundiários pegam do orçamento público 110 bilhões. Coloca esse dinheiro nas mãos dos camponeses para ver o que fazemos. O agronegócio é economicamente impotente, além dos custos ambientais, que ninguém calcula”.   
 
Campanha
 
Ao fazer um balanço da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Cléber Folgado, relembra que “a Campanha não trouxe nenhuma novidade, pois desde que o agrotóxico existe há lutas contra ele. O mérito da Campanha está em somar as forças das pessoas que lutam contra os agrotóxicos, para fortificar essa luta, denunciando à sociedade os problemas causados pelo agronegócio. Estamos obtendo resultados, como levar pautas referentes ao tema à mídia burguesa, e a Presidenta Dilma garantiu queira criar um grupo de Política Nacional de Enfrentamento ao Agrotóxico, mas ainda não está nada assinado por ela, então a pressão vai continuar”.
 
Já Flávia Londres, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), apontou que a Campanha contra os agrotóxicos é a culminância de trabalhos que vem sendo desenvolvidos há anos por pesquisadores, ONGs e movimentos sociais. “A Campanha foi um acerto político, pois é absolutamente insustentável sermos o primeiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo, e a sociedade não pode ficar alheia mais a essa questão”.
 
Ela também reforçou o papel da agroecologia como modelo de desenvolvimento alternativo. “Na Rio92, a agroecologia era apenas uma aposta incerta. Hoje, há milhares de experiências de sucesso, com relatórios de organizações como a FAO reconhecendo a importância do modelo para a erradicação da fome”.
 
Apesar do papel da agroecologia estar reconhecido, é necessário que haja políticas públicas para incentivá-la. Nesse sentido, Flávia denuncia que “está prometido para sair na Rio+20 uma Política Nacional de Agroecologia. No entanto, estamos tendo sinais de que a promessa pode não ser cumprida na Cúpula”.