Projeto da chapada do Apodi é um contrassenso, diz sociólogo
Da IHU On-Line
“Essa luta não é apenas dos camponeses e camponesas de Apodi. A luta em defesa da Chapada do Apodi se tornou uma luta nacional de todos aqueles e aquelas que defendem a dignidade das comunidades camponesas”, diz o sociólogo.
Da IHU On-Line
“Essa luta não é apenas dos camponeses e camponesas de Apodi. A luta em defesa da Chapada do Apodi se tornou uma luta nacional de todos aqueles e aquelas que defendem a dignidade das comunidades camponesas”, diz o sociólogo.
Na chapada do Apodi, localizada na divisa dos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará, há uma “disputa por dois modelos de agricultura”, diz Antonio Nilton Bezerra Júnior, da Comissão Pastoral da Terra de Mossoró à IHU On-Line. Um dos modelos está “enraizado” nas comunidades da região, e tem uma preocupação com a biodiversidade, a distribuição de renda e democratização da água e da terra. O outro, ao contrário, “provoca a concentração de terra, de água e de renda, que destrói a natureza, polui as águas e o solo, destrói a vida”.
Segundo Bezerra Júnior, a subsistência de milhares de famílias que trabalham com a agricultura e pecuária está ameaçada pelo projeto “Perímetro Irrigado de Apodi”, que prevê entregar as “terras da chapada do Apodi e a água da barragem de Santa Cruz, que tem capacidade de armazenar 600 milhões de metros cúbicos, a cinco grandes empresas da fruticultura irrigada”. Para ele, o projeto é inviável e o governo, apesar de reconhecer que “os perímetros irrigados do Nordeste não foram viáveis”, insiste na iniciativa. “Dados do próprio governo mostram que há no Nordeste mais de 140 mil hectares de terras em perímetro irrigados ociosos, sem funcionar”, argumenta. E dispara: “Querem transformar um território camponês produtor de alimentos saudáveis em uma zona de produção de frutas para exportação com base na utilização em grande escala de agrotóxicos. E, com isso, transformar uma pequena parcela da população local em mão de obra barata e em condições sub-humanas, características do agronegócio brasileiro”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o sociólogo assinala que o projeto “Perímetro Irrigado de Apodi” é uma iniciativa do deputado Henrique Alves (PMDB – RN). “Em uma visita ao município de Apodi chegou a afirmar que o projeto de irrigação irá sair porque ele tem poder, que a presidenta Dilma precisa do seu apoio, pois ele é líder de 80 deputados, e a partir de fevereiro de 2013 será o presidente da Câmara dos Deputados. Essas afirmações de demonstração de soberba são constantes”, assinala.
Antonio Nilton Bezerra Júnior é sociólogo e membro da Comissão Pastoral da Terra – CPT de Mossoró-RN.
Confira a entrevista:
Na chapada do Apodi, localizada na divisa entre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará se trava uma intensa disputa entre agricultores e o agronegócio. O que está em jogo nessa região?
Está muito clara a disputa por dois modelos de agricultura. Um que preserva a vida, a biodiversidade, que distribui renda, democratiza a terra e a água, ou seja, que tem como objetivo principal a reprodução da vida. Esse modelo está enraizado nas diversas comunidades da Chapada, seja nas áreas de assentamentos da reforma agrária ou comunidades de pequenos agricultores e agricultoras. Essas comunidades e assentamentos vêm demonstrando que é possível viver bem no campo, produzindo alimentos saudáveis apesar do pouco investimento por parte dos governos.
Por outro lado, há outro modelo que provoca a concentração de terra, de água e de renda, que destrói a natureza, polui as águas e o solo, destrói a vida. Esse modelo tem como principal objetivo o lucro das grandes empresas em detrimento da vida dos camponeses e camponesas. Portanto, o que está em jogo é a água, a terra fértil, a biodiversidade, a vida das pessoas.
Qual é a importância da chapada do Apodi para a agricultura do Rio Grande do Norte. Quem são os agricultores que se encontram no território, o que produzem e que técnicas de cultivo utilizam?
O município de Apodi, no Rio Grande do Norte, tem na agricultura sua principal atividade econômica. Uma característica dessa agricultura é que ela está praticamente nas pequenas propriedades camponesas. Toda a produção agrícola e pecuária de Apodi está nas pequenas propriedades. É na Chapada do Apodi que está a segunda maior produção de mel de abelha do Brasil, um dos maiores rebanhos de caprinos do país.
Na chapada do Apodi vivem hoje milhares de famílias que têm na agricultura e pecuária a sua principal atividade. São nas comunidades e nos assentamentos da Chapada do Apodi que diversas experiências de produção agroecológicas estão sendo desenvolvidas. Tudo isso faz com que o município de Apodi tenha o terceiro PIB agropecuário do Rio Grande do Norte, estando à frente de municípios que têm a forte presença do agronegócio como Assú, Ipanguassu, Carnaubais, Baraúna, além de outros. E repito: toda a produção agropecuária do município de Apodi está nas pequenas propriedades dos camponeses e camponesas.
Essa população camponesa de Apodi há vários anos vem desenvolvendo técnicas de produção agroecológicas. Destacamos a produção e beneficiamento do mel de abelha, a produção de algodão orgânico, arroz orgânico, produção de polpas de frutas da região etc. Tudo isso faz de Apodi uma referência em agricultura agroecológica.
O que propõe o projeto apresentado pelo governo para a Chapada do Apodi?
Esse projeto do perímetro irrigado da Chapada do Apodi é um contrassenso a tudo o que hoje se constrói na chapada e se discute no mundo. É um projeto que prevê entregar as terras da chapada do Apodi e a água da barragem de Santa Cruz, que tem capacidade de armazenar 600 milhões de metros cúbicos, a cinco grandes empresas da fruticultura irrigada. É um projeto que não deu certo em lugar algum. O próprio governo reconhece que os perímetros irrigados do Nordeste não foram viáveis. Dados do próprio governo mostra que há no Nordeste mais de 140 mil hectares de terras em perímetro irrigados ociosos, sem funcionar.
Esse projeto está propondo irrigar cinco mil hectares de terra em sua primeira fase para produzir cacau – que é totalmente desconhecido na região –, uva, goiaba, com base na utilização em grande escala de agrotóxicos e sob o domínio de cinco grande empresas. Querem transformar um território camponês produtor de alimentos saudáveis em uma zona de produção de frutas para exportação com base na utilização em grande escala de agrotóxicos. E, com isso, transformar uma pequena parcela da população local em mão de obra barata e em condições sub-humanas, características do agronegócio brasileiro.
Quais serão os principais impactos ambientais e sociais se o projeto for executado?
Em primeiro lugar, terá a expulsão de centenas de famílias de suas terras, fazendo com que comunidades inteiras desapareçam. Isso irá causar graves problemas sociais no município e região. Basta ver o exemplo da Chapada do Apodi pelo lado do Ceará, nos município de Limoeiro do Norte e Russas. Aumentarão também a prostituição, o número de pessoas com câncer, o trabalho precarizado etc. Por outro lado, haverá fortes impactos ambientais, como o desmatamento da Caatinga, a contaminação das águas e do solo, a morte das abelhas, o desaparecimento dos animais silvestres etc.
Quais são as principais irregularidades do projeto?
São várias as aberrações. Em primeiro lugar, as famílias que serão removidas de suas comunidades não foram consultadas. No Relatório de Impacto Ambiental – EIA-RIMA não se fala na remoção de famílias; é como se no local não existissem pessoas. Ele também não leva em conta a produção agropecuária, omite os impactos dos agrotóxicos para a população local, não faz nenhuma referência à questão da saúde humana. Na área existe um sítio arqueológico, Lajedo de Soledade, que também passa despercebido pelo EIA-RIMA. Além disso, especialistas questionam a viabilidade desse projeto, pois a capacidade da barragem não é suficiente para irrigar cinco mil hectares. Além do mais, existem outros projetos vinculados à barragem, como duas adutoras que irão abastecer dezenas de cidades da região.
Por que as organizações sociais da região afirmam que o projeto se trata
de uma “reforma agrária ao contrário”?
Isso está muito claro. O decreto desapropria 13.855 hectares. Toda essa terra está hoje localizada em pequenas propriedades. Com o projeto haverá uma concentração de terra por cinco grandes empresas. Na região, nos anos 1990, ocorreram muitas desapropriações para a reforma agrária. Ocorreu uma descentralização da terra e a constituição de um território camponês. Caso esse projeto seja aprovado, tudo isso vai por “água abaixo”.
Se fizermos um comparativo com desapropriação para a reforma agrária, teremos clareza da dimensão desastrosa desse projeto para com a reforma agrária. Nos últimos sete anos, último mandato do governo Lula e início do mandato de Dilma, no Rio Grande do Norte, a desapropriação para reforma agrária praticamente não aconteceu. Com o decreto para o projeto do perímetro irrigado, destinado às cinco grandes empresas, tiram-se aproximadamente 14.000 hectares das pequenas propriedades. É um contrassenso muito grande. Uma estupidez.
Quem é que está por trás do projeto e a que interesses atende?
O principal defensor desse projeto até agora tem sido o deputado federal Henrique Alves (PMDB/RN), líder do partido na Câmara. O diretor geral do Departamento Nacional de Obras Contras as Secas – DNOCS é indicação sua. Ele tem pressionado muito o governo federal para que essa obra seja executada. O grande interessado nesse projeto é o agronegócio. Mas há também interesse por parte das empresas da construção que irão construir o canal. Com certeza há muitos interesses nada republicanos envolvidos nessas grandes obras. É bom lembrar que, no mês de janeiro deste ano, a Controladoria Geral da União – CGU divulgou um relatório, fruto da fiscalização em projetos do DNOCS, e constatou várias irregularidades que, segundo ela, causou um prejuízo de aproximadamente 300 milhões aos cofres públicos. Desses projetos que apresentaram irregularidades estavam vários em execução no Rio Grande do Norte.
Foram constatadas também diversas irregularidades no perímetro irrigado da Chapada do Apodi no lado do Ceará, Limoeiro do Norte e Russas. Foram constatados superfaturamentos nas obras, pagamento de serviços sem serem executados, empresas fantasmas etc. Esse escândalo derrubou o então diretor geral do DNOCS, apadrinhado político do deputado Henrique Alves. O que nos estranha é que antes de qualquer explicação a respeito dessas irregularidades, o mesmo deputado consegue indicar um novo apadrinhado seu para o cargo de diretor geral, como se não tivesse nada a explicar.
É verdade que o deputado Henrique Alves (PMDB/RN) se orgulha de dizer
nas rádios da região que o projeto de irrigação do Apodi sairá porque ele manda na presidente Dilma: “Ela come na minha mão!”, diz ele?
Constantemente o deputado Henrique Alves procura demonstrar que tem influência no governo Dilma. Em uma visita ao município de Apodi chegou a afirmar que o projeto de irrigação irá sair porque ele tem poder, disse que a presidente Dilma precisa do seu apoio, pois ele é líder de 80 deputados. Afirmou que a partir de fevereiro de 2013 será o presidente da Câmara dos Deputados. Essas afirmações de demonstração de soberba são constantes.
Como se encontra no momento a execução do projeto?
O projeto se encontra na fase de pagamento de indenizações para as famílias que irão ser atingidas pela construção do canal. Segundo o DNOCS, 35 propriedades serão atingidas nessa fase. A ordem de serviço já foi assinada.
Como os agricultores estão organizados para resistir ao projeto?
Existe uma unidade de todos os movimentos sociais em se contrapor a esse projeto, e um compromisso de resistir a sua implementação. Estamos trabalhando em três frentes de atuação: junto com as comunidades locais, trabalhando a conscientização das famílias e organizando a resistência; questionando judicialmente a execução do projeto, visto que ele apresenta diversas irregularidades; e dialogando com a sociedade sobre o que está ocorrendo em Apodi, demonstrando os desmandos com o meio ambiente e a vida da população.
Gostaria de acrescentar algo?
Gostaria de dizer que essa luta não é apenas dos camponeses e camponesas de Apodi. A luta em defesa da Chapada do Apodi se tornou uma luta nacional de todos aqueles e aquelas que defendem a dignidade das comunidades camponesas. Essa luta está sintonizada com outras grandes lutas que estão sendo travadas pelo Brasil em defesa dos territórios camponeses.