Reforma Agrária popular, por terra e soberania alimentar
Miguel Stedile
Estamos nos aproximando da realização do nosso 6º Congresso Nacional, que acontece no início de 2014. Será um momento de encontro da militância, de celebração das nossas conquistas, mas principalmente de projetar as linhas políticas que irão organizar e dirigir o nosso Movimento pelos próximos anos.
Miguel Stedile
Estamos nos aproximando da realização do nosso 6º Congresso Nacional, que acontece no início de 2014. Será um momento de encontro da militância, de celebração das nossas conquistas, mas principalmente de projetar as linhas políticas que irão organizar e dirigir o nosso Movimento pelos próximos anos.
Nesse contexto, uma das principais decisões do próximo congresso será a aprovação do novo Programa Agrário o MST e que já está em debate nos nossos assentamentos e acampamentos.
O programa é um conjunto de medidas necessárias para alterar uma situação e atingir um objetivo. O Programa Agrário contém nossas propostas para realizar a Reforma Agrária, melhorar as condições de vida no campo e organizar a agricultura para beneficiar toda a sociedade.
A partir do programa, da correlação de forças e dos espaços da luta concretos essas medidas vão se transformando em pautas e pontos de reivindicações detalhados, correspondentes às necessidades de nossa base social e da classe trabalhadora como um todo.
Nos últimos anos, a agricultura e a luta pela terra passaram por transformações significativas. Empresas e bancos estrangeiros, aliando-se aos latifundiários, passaram a investir pesados recursos na compra de terras e de empresas agrícolas para controlar toda a cadeia produtiva, da semente à agroindústria, fortalecendo o agronegócio.
Duas mudanças nos afetaram diretamente com a ação do agronegócio. Primeiro, o preço das terras disparou, inviabilizando a desapropriação em várias partes do país. Segundo, essas empresas direcionaram o plantio para monoculturas como soja, cana-de-açúcar e eucalipto, que não são destinados para alimentação, mas para a produção de rações, combustíveis e papéis.
Com seu poder econômico, o agronegócio impõe essa produção de monocultivo para toda a sociedade, influenciando para que os bancos liberem mais crédito agrícola para essas culturas do que para outros produtos que não são negociados nas bolsas de valores internacionais.
Por meio das assistências técnicas, ainda incentivam o uso intensivo de agrotóxicos, pois essas empresas também são proprietárias das sementes transgênicas e dos venenos agrícolas. Chamamos essa forma de organização da agricultura de modelo agrícola.
Com isso, a área agrícola de alimentos tem diminuído ano a ano para dar lugar a esses monocultivos. O resultado é que muito do que os brasileiros comem tem que ser produzido e importado de outros países, como é o caso do “feijão com arroz”, nossa comida mais comum.
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Boa parte do feijão e do arroz que consumimos vem do México e da China. Na África e Ásia, esse modelo agrícola já está levando a crises de falta de alimentos em vários países. No dia a dia, o trabalhador urbano percebe as consequências desse modelo no preço dos alimentos, principalmente os que compõem a cesta básica.
Por isso, uma das principais propostas do Novo Programa Agrário é a garantia da Soberania Alimentar, ou seja, o direito dos povos decidirem sobre o que plantar, quanto plantar e que a produção seja destinada em primeiro lugar para alimentação.
Pontos centrais
Para alcançar a Soberania Alimentar, o Programa Agrário considera fundamental democratizar o acesso à terra, a água e os bens da natureza, impedindo que as grandes empresas se apropriem desses recursos naturais.
Também exige que a produção agrícola seja diversificada, utilizando-se técnicas de produção agroecológicas, que busquem o aumento da produtividade das áreas e do trabalho, em equilíbrio com a natureza.
Garantir que todos os brasileiros e brasileiras possam se alimentar com qualidade diariamente exige um novo tipo de Reforma Agrária. Na verdade, até hoje nunca tivemos uma Reforma Agrária no Brasil, apenas uma política de assentamentos, sem enfrentar de fato as causas estruturais da concentração de terras.
Os projetos de assentamentos criados pelos governos sempre seguiram um modelo conhecido como Reforma Agrária clássica, onde se distribui a terra pensando em transformar os camponeses em consumidores das mercadorias industrializadas na cidade.
Em nossas lutas e mobilizações, sempre defendemos que a Reforma Agrária não poderia ser apenas a distribuição de terras, mas também a implantação de infra-estrutura social no campo, como escolas, aparelhos de lazer, posto de saúde, ruas etc.
É preciso pensar em uma Reforma Agrária Popular para dar conta das transformações no campo, enfrentar a pobreza e o êxodo rural que o agronegócio tem imposto, para assim garantir a Soberania Alimentar:
O componente Popular dessa proposta aponta que as medias são voltadas, em primeiro lugar, para atender os interesses do povo – e não do mercado ou do capital. Essa reforma deve ser realizada independente do apoio de setores da burguesia, como no caso da Reforma Agrária clássica, com burgueses interessados em desenvolver o mercado interno.
Por enfrentar os interesses das classes dominantes, a Reforma Agrária que propomos só poderá ser construída pelos seus maiores beneficiários: os trabalhadores do campo e da cidade. Assim, é uma reforma estrutural para o povo e conquistada pelo povo.
Desafios
Nossas propostas para a Reforma Agrária Popular estão organizadas em torno da democratização da terra, da garantia do acesso à água para toda a população, da organização da produção agrícola para alimentos sadios e de qualidade.
Além disso, esse programa prevê a consolidação de matriz agroecológica, um processo de industrialização no campo que desenvolva agroindústrias sob controle dos camponeses, o desenvolvimento da infra-estrutura social nas comunidades rurais, o direito à educação do campo e por uma política agrícola que incentive e qualifique a agricultura camponesa.
Para isso, a realização desta Reforma Agrária Popular exigirá do nosso Movimento capacidade de construir alianças com os trabalhadores urbanos, explicando à sociedade nosso projeto e construindo bandeiras de lutas comuns. Essa articulação e as conquistas do Programa Agrário vão acumular forças – pois vão exigir organização, formação política e mobilização – e esse acúmulo contribuirá para que ocorram mudanças estruturais para o país como um todo.
Aprendizado
Como aprendemos em nossas mobilizações, será preciso pressionar os governos para que o Estado garanta a implementação dessa medidas. Grande parte das medidas do modelo do agronegócio são implementadas pelo Estado, como as definições para a política de crédito ou do preço dos produtos.
O Estado também faz “vista grossa” para as contradições e crimes do agronegócio, seja no uso alarmante de agrotóxicos, seja no uso de milícias para ameaçar e assassinar os camponeses. Porém, sob forte pressão, o Estado pode recuar e ser obrigado a ceder conquistas para os trabalhadores. Foi assim que obtivemos todas as nossas conquistas em quase 30 anos de organização.
É importante percebermos que, ao propormos que os bens e recursos naturais estejam a serviço de toda a população e não sejam privatizados por empresas, assim como quando defendemos que devemos produzir alimentos com qualidade, estamos diretamente batendo contra o centro do modelo do capitalismo.
Hoje em dia, nenhuma outra Reforma Agrária é possível sem que seja dessa forma, pois o projeto dos trabalhadores e o projeto do capitalismo não são conciliáveis. Portanto, a luta pela Reforma Agrária passa a ser mais do que a luta pela terra, mas também a luta pela defesa da natureza, a luta pelo controle do território e a luta contra o grande capital.
Nossa tarefa até o 6º Congresso é nos reunirmos, estudarmos e debatermos essas propostas, ajustar o nosso programa e elaborar novas propostas. O Programa Agrário não é algo que surgiu do nada. Pelo contrário, ele é resultado de todos os aprendizados de luta que tivemos nestes últimos anos e também das experiências que já construímos na resistência e combate ao agronegócio.
Portanto, não precisamos esperar sua aprovação para avançar nas nossas regiões e municípios, nos assentamentos e acampamentos, em ações que combatam o agronegócio e fortaleçam a Reforma Agrária Popular e a Soberania Alimentar, seja mobilizados, seja organizando a produção, seja construindo alianças com os trabalhadores urbanos. Vamos à luta, companheirada!