O escandaloso julgamento do massacre de Eldorado

CPT Nacional, CPT Pará, CJP da CNBB Norte 2, Cáritas Norte 2

Terminou na madrugada da última quinta-feira, 16 de maio, em Belém, a primeira sessão do julgamento do Massacre do Eldorado do Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, onde 19 trabalhadores sem terra foram assassinados e mais de setenta saíram gravemente feridos pela ação da polícia militar de Parauapebas e Marabá, sudeste do Pará.

O coronel Mário Colares Pantoja, que comandou o batalhão da polícia militar de Marabá, foi condenado pelo júri popular a 228 anos de prisão (12 anos x 19 mortos), mas saiu livre do tribunal e aguardará, em liberdade, o julgamento de recurso impetrado por seus advogados. Já o Capitão Raimundo Almendra Lameiro que comandou, junto ao Pantoja, o batalhão da PM de Marabá foi absolvido pelos jurados. Apesar da condenação pela metade, ela é fruto das pressões feitas pelo MST, CPT e outras entidades populares com o apoio das organizações internacionais, junto a Justiça do Pará, durante todo o curso do processo.

A sessão de julgamento aconteceu com um plenário quase vazio, com total ausência dos familiares das vítimas mutiladas, dos movimentos sociais e religiosos, das entidades de direitos humanos nacionais e internacionais e da imprensa estrangeira. A ausência revelou a insatisfação e a desconfiança das organizações sociais de que o julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará pudesse, de fato, se fazer justiça. A ausência da sociedade civil organizada reflete também a solidariedade ao MST e a seus advogados de não comparecerem ao julgamento por discordarem da forma como o Tribunal de Justiça do Pará conduz o processo e por defenderem que crimes dessa natureza sejam julgados na esfera FEDERAL, onde há maiores condições de ocorrer um julgamento com imparcialidade.

A absolvição do Capitão Almendra, que comandou a tropa juntamente com o Coronel Pantoja e o Major Oliveira, é vergonhosa. Essa decisão indica uma tendência que poderá ocorrer nas demais sessões do julgamento, uma absolvição em massa dos demais acusados, prevalecendo a impunidade em relação aos crimes ocorridos no campo no Pará, repetindo o episódio que ocorreu no julgamento de Carandiru, em São Paulo.

As declarações do Coronel Mário Pantoja, durante o julgamento, mais uma vez, confirmaram o que o MST e as entidades de direitos humanos já anunciaram várias vezes: o governador do Estado (Almir Gabriel – PSDB), o Secretário de Segurança Pública (Paulo Sete Câmara) e o então comandante da polícia militar (Fabiano Lopes), também teriam que estar sentados no banco dos réus. Pantoja afirmou perante o juiz que, a ordem final partiu do governador, afirmou ainda que o governador se recusou a negociar com os sem terra e o obrigou a desobstruir a estrada imediatamente. Acrescentou ainda que, mesmo após o massacre o governador disse novamente que, se houvesse nova ocupação pelo MST ele voltasse com a tropa para lá novamente e fizesse nova desocupação. Na verdade, conforme noticiou na época os jornais da região, a desobstrução da estrada, foi parte de um acordo feito entre o governador e os grandes latifundiários da região. O cumprimento do acordo feito pelo governador resultou em 19 mortos e mais de 70 feridos gravemente.

Por que Almir Gabriel, Sette Câmara e Fabiano Lopes foram excluídos do processo? Por acaso seria pelas influências políticas do governador junto ao Ministério Público Estadual e Tribunal de Justiça? São questões que emergem no silêncio da sociedade civil que clama por uma resposta. Na verdade o julgamento de Eldorado é um exemplo do que vem acontecendo em relação aos inúmeros massacres já ocorridos nesse país. A justiça brasileira nunca pune as principais autoridades que dão as ordens para a execução dessas operações criminosas. A condenação quando ocorre atinge apenas alguns oficiais que não são os únicos responsáveis pelas mortes.

É preciso continuar firme na luta pela justiça no campo e contra a impunidade reinante no Estado do Pará e no Brasil e, a Federalização dos crimes de direitos humanos.