Política agrária dos EUA para a América Latina

Por James Petras*

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a política dos Estados Unidos para a América Latina mudou drasticamente. Essencialmente, podemos dividi-la em três fases distintas, baseados em seus diferentes interesses político-econômicos, nas alianças sócio-políticas com as elites latinoamericanas e na relação particular com o interesse global dos Estados Unidos.

Este artigo apóia várias teses:

A política agrária estadunidense não tem aliados permanentes, apenas interesses permanentes. As alianças mudam dependendo das transformações no poder político e social dentro da América Latina.

Os Estados Unidos sempre apoiaram uma política seletiva de livre comércio para a América Latina. Começando com o Caribe e a América Central nas décadas de 40 e 50 e estendendo-se para o sul do continente depois da metade da década de 70.

A política de livre comércio nos Estados Unidos foi interrompida na década de 60 e começo da de 1970 por regimes nacionalistas e de esquerda na América do Sul e México, durante longos períodos, particularmente depois da Revolução Cubana. Por isso, eles foram obrigados a adotar uma política de ajuste à Reforma Agrária como uma estratégia para evitar que a revolução socialista se espalhasse no hemisfério.

A abertura da agricultura latino-americana desde os anos 80 é parte de uma estratégia neoliberal que afeta a todos os setores da economia. As forças sócio-políticas dentro da América Latina promovem a desregularização, a especialização da agricultura, a privatização e a redução do gasto social.

A política de livre comércio dos Estados Unidos está provocando o crescimento de movimentos rurais de resistência e de mobilização social na América Latina. Tanto os movimentos sociais estão sendo fortalecidos como estão construindo importantes alianças com partidos políticos e movimentos urbanos, os quais desafiam não só as políticas agrícolas estadunidenses (que prejudicam o abastecimento de alimentos e os pequenos produtores), mas também a sócio-política do modelo neoliberal.

Fase extrativista: 1945/1959

Depois da Segunda Guerra Mundial, os investidores norte-americanos concentraram seus investimentos no minério e na agricultura. As áreas de maior interesse foram Caribe e América Central. O governo estadunidense se aliou às classes latifundiárias e com os regimes autoritários estabelecidos: Trujillo na República Dominicana, Batista em Cuba e Somoza na Nicarágua. Os ditadores ofereceram livre entrada ao mercado internacional e à seus investidores. Como consequência, estes foram os tempos de uma prematura liberalização, onde o interesse dos estadunidenses era extrair dos territórios do país suas minas e plantações.

Na Bolívia, por exemplo, os Estados Unidos aceitaram uma reforma agrária e expropriaram os latifundiários do país e se aliaram com os nacionalistas de classe média com o objetivo de evitar uma revolução socialista organizada por mineiros. Estas diferentes atitudes demonstram tanto a rigidez como a flexibilidade dos Estados Unidos nos assuntos agrários. A rigidez quando as reformas no campo afetam seus interesses, a flexibilidade quando não.

O significado da Revolução Cubana para a política agrária dos Estados Unidos – 1959/1962

A revolução cubana teve um grande impacto na política norteamericana para a agricultura da América Latina. Em seus primeiros três anos, desapropriou a maior parte dos latifúndios e repartiu a terra entre os pequenos produtores rurais.

A primeira e a segunda reformas agrárias criaram uma base rural de apoio político para a socialização do resto da economia, transformando Cuba no primeiro país socialista do hemisfério. Quando os Estados Unidos cortaram a cota de açucar de Cuba, o regime de Fidel Castro desenvolveu laços comerciais com a ex-União Soviética e China e manteve seus elos com o Canadá e a Europa Ocidental. Como resposta à revolução cubana, os donos do poder nos Estados Unidos começaram a repensar a política para a América Latina tendo em mente dois pontos: limitar a expansão da Revolução Cubana no resto da América Latina e evitar que as lutas sociais para a reforma agrária se unissem com os movimentos dos trabalhadores das cidades para produzir uma revolução social.

Modernização: 1974/2000

Depois da metade da década de 70, o vocabulário da economia agrária mudou drasticamente, refletindo a mudança do poder. Termos como “reforma agrária”, “cooperativas”, “política redestributiva” e outros associados com as lutas camponesas, perderam lugar para a linguagem da “modernização”, “forças de mercado”, “estratégias de exportação”, mostrando a ideologia e o poder da política corporativista.

Os Estados Unidos estavam interessados em acabar com a agricultura baseada no pequeno produtor e intensificar a agricultura capitalista para o mercado internacional, utilizando insumos caros (fertilizantes, pesticidas, sementes, máquinário). O Brasil foi a vanguarda desta estratégia. Os ditadores militares do país promoveram a profissionalização da produção em grande escala para a exportação de itens como a soja, café e suco de laranja.

A repressão militar aos movimentos sociais do campo e a eliminação da reforma agrária, conduziram a uma intensa diminuição da população do campo e a migração massiva destas pessoas para as favelas e periferias das grandes cidades. No Chile, o ditador Pinochet, seguiu a experiência brasileira. O que aconteceu lá foi o desmantelamento do processo de reforma agrária e o crescimento de uma agricultura estritamente ligada ao mercado externo.

No começo da década de 90, representantes do Banco Mundial financiaram os projetos de irrigação e de transporte dos grandes exportadores. Isso uniu ainda mais os latifundiários ao mercado externo e isolou consideravelmente os pequenos produtores do mercado local.

Atualmente, o especulador estadunidense George Soros é o maior exportador de gado da Argentina. Isto se aplica também na Venezuela, México e Brasil, com outros grandes investidores europeus e japoneses. As principais companhias agroquímicas e exportadoras de sementes, têm financiado experiências para a geração de sementes mais produtivas , porém mais caras em termos de insumos. Desta forma, se despreza os pequenos produtores, reduzindo a diversidade das espécies, intensificando a vulnerabilidade para novas pragas que criam imunidade para os produtos químicos atuais em um ciclo que nunca tem fim.

Esta estratégia de modernização promovida pelos Estados Unidos tem como resultado uma sociedade de classes altamente polarizadas e com crescimento desigual. Uma nova classe de agricultores latinoamericanos milionários em contradição a uma massa camponesa cada vez mais pobre.

Porém toda esta hegemonia estadunidense está criando reações e oposições como: o empobrecimento dos produtores tradicionais de grãos está motivando a plantação de drogas como a coca e a maconha. Os quais há repercussões negativas sob a sociedade dos Estados Unidos; movimentos sociais, como o MST no Brasil e os zapatistas no México, têm desenvolvido um importante papel de oposição não só as políticas de agro-negócio, mas também ao regime neoliberal vigente; o uso intensivo de produtos químicos, exigido pelo agronegócio, está mobilizando também os movimentos ecologistas. A união entre assuntos de justiça social e questão ambiental cria uma importante base em torno de uma oposição política nacional que une camponeses e classe média; uma nova geração de agrônomos está tecnicamente preparada e socialmente unida a movimenots populares para desenvolver um novo sistema de agricultura nacional.

Conclusão

É uma das maiores ironias do nosso tempo que o laço mais frágil do novo império global seja as áreas rurais. A transformação capitalista da agricultora pôs em movimento uma nova geração de trabalhadores rurais disposta a mobilizar movimentos urbanos e organizações internacionais como a Via Campesina. O mesmo êxito do neoliberalismo para concentar riquezas está conduzindo à acumulação de novas forças para lutar contra este sistema, unindo sem terra, agrônomos, operários, classe média e pequenos produtores rurais. A classe dominante estadunidense não é onipotente. As políticas agrícolas não se implementam automaticamente. Elas são frutos de relações de poder. Quando está no poder, os Estados Unidos desempenham uma politica de cooperação, mas quando emergem regimes nacionalistas com uma polítca alternativa, eles tentam miná-los com pressão econômica e militar.

As alternativas para as políticas de livre comércio surgiram nos anos 60 e 70, precedidos por uma fase de intensa mobilização social. Hoje podemos tomar a lição do passado. Contra aqueles que dizem que a globalização e o imperialismo são inevitáveis, apontamos um passado recente, quando a pressão de movimentos políticos forçaram os Estados Unidos a modificar sua agenda agrícola.

A história nos ensina a não sermos escravos dos donos do poder: Dentro de cada movimento rural se cria a esperança e a realidade de novas sociedades.

James Petras é sociólogo norte-americano, professor da universidade de Nova Iorque.