A intolerância política da mídia

Por Hamilton Octavio de Souza

A grande imprensa comercial – principais jornais, revistas e emissoras de rádio e TV – costuma autoproclamar-se livre, independente, imparcial e comprometida com o jornalismo democrático e transparante, que seja expressão fiel da diversidade social e cultural do País.

No entanto, na prática diária essa mídia expressa mesmo – através da pauta, das fontes e dos enfoques – os pensamentos e os interesses dos setores dominantes na sociedade, especialmente das classes que controlam a economia, a propriedade privada e a riqueza.

Os grandes jornais brasileiros nasceram sob as bandeiras políticas das elites e foram sustentados, ao longo dos anos, pelos proprietários (latifundiários, empresários, banqueiros) e pelo Estado, também representante – no Império e na República – dos mesmos interesses.

A imprensa comercial, defensora politicamente das propostas liberais, sempre teve intolerância com as manifestações e as lutas populares, e particularmente com os movimentos sociais organizados.

Durante muito tempo tratou os movimentos do povo com preconceito, como algo inferior, ou com rótulos pejorativos, geralmente com a alegação de que eram insuflados por anarquistas e por comunistas.

É claro que os movimentos sociais sempre representaram ameaça concreta aos privilégios das elites brasileiras, ao seu modo de vida (exploração do trabalho, acumulação da riqueza e idolatria aos países centrais) e principalmente ao seu controle do poder político, concentrado, baseado nos esquemas oligárquicos locais e regionais.

Boa parte dos direitos consagrados na legislação brasileira foi conquistada através das lutas dos movimentos sociais, tanto dos direitos civis, os direitos trabalhistas, os direitos sindicais, como também os direitos políticos, ambientais, das mulheres, dos negros e até mesmo os direitos dos consumidores.

Na ditadura militar (1964-1985), os movimentos por moradia, por creches, por postos de saúde, por escolas, contra a carestia, mobilizaram e organizaram milhões de pessoas e, juntos com os movimentos sindicais de oposição aos pelegos, contribuíram para a conquista da anistia, da liberdade partidária, da Constituição de 1988 e das eleições diretas de 1989. E contribuíram especialmente para a construção do PT, que neste ano de 2003 assumiu o governo federal.

Durante todos esses anos, a grande imprensa fez oposição sistemática aos movimentos sociais. Raramente tratou com isenção e com respeito democrático os movimentos surgidos no meio do povo, no seio das classes trabalhadoras, subalternas e “perigosas”.

Todas as conquistas realizadas aconteceram à revelia da grande imprensa, que sempre se manteve fiel aos interesses do capital, do empresariado, dos latifundiários, das entidades patronais, das multinacionais e dos governos burguesas, inclusive dos regimes ditatoriais.

As divergências que alguns veículos tiveram com os governos militares aconteceram muito mais em função dos modelos econômicos da burguesia (menos ou mais liberal para as empresas privadas) e da abertura para os capitais internacionais, do que em função das exigências e demandas populares expressas nos movimentos sociais.

Isso tem acontecido até o presente momento: a grande imprensa faz marcação cerrada contra os movimentos sociais atuais, em especial contra o MST, que é tratado como organização criminosa, violenta, responsável pelo clima de intranqüilidade e de insegurança existente no meio rural e na sociedade brasileira.

Raramente a mídia registra a contribuição do MST para organizar uma população desamparada e sem perspectivas; raramente credita ao MST o mérito de acelerar o processo de reforma agrária e tentar consolidar no campo um caminho de ocupação produtiva, de produção de alimentos, distribuição da renda e de melhoria da qualidade de vida; raramente verifica as obras concretas nos assentamentos, as escolas e as cooperativas em funcionamento, e, o mais importante, raramente mostra as pessoas vivendo com auto-estima e com dignidade.

Por isso mesmo, os movimentos sociais, os partidos democráticos e de esquerda, precisam lutar para a democratização dos meios de comunicação de massas, em especial as emissoras de rádio e TV, que funcionam como concessão pública. É preciso reorganizar o sistema de comunicação de forma a garantir o acesso a todos os setores da sociedade, sem discriminação e sem exclusão. É preciso construir e consolidar veículos de comunicação que expressem as propostas políticas e culturais dos movimentos sociais.

Nesta luta, um governo comprometido com as forças populares e com os movimentos, pode fazer a diferença, pode ter papel decisivo na construção de uma imprensa verdadeiramente democrática. Desde que não entre no jogo das elites que controlam a grande imprensa comercial e nem fique intimidado por usar ou não um determinado boné.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor universitário