MST se prepara para comemorar 20 anos de luta

Rafael Pereira e Rafael Sento Sé

Centenas de propriedades rurais de vários Estados, consideradas ociosas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, serão invadidas de uma vez só no início de novembro, em protesto contra a morosidade do governo em aplicar a reforma agrária.

A ameaça não é atual. Perfeitamente publicável nos dias de hoje, o trecho acima abria uma reportagem do Jornal do Brasil em 8 de outubro de 1985, um ano depois da fundação do MST. Às vésperas de completar 20 anos, o movimento conquistou uma projeção internacional jamais sonhada pelos agricultores que testemunharam o nascimento da explosiva sigla num congresso, realizado na cidade paranaense de Cascavel, entre os dias 20 e 22 de janeiro de 1984.

Concebida durante o regime militar, a organização que se apresenta como porta-voz do homem do campo virou realidade no 1° Encontro Nacional dos Sem Terra. João Pedro Stédile, um dos principais líderes do movimento, estava lá, com muito menos cabelos brancos, discursando, empolgado, para uma platéia de trabalhadores rurais de 12 Estados.

– Estamos orgulhosos de completar 20 anos. Por termos sobrevivido a tantos ataques, da imprensa, das elites e dos latifundiários – disse Stédile.

A motivação daquele grupo de lavradores reunidos num despretensioso encontro em Cascavel era conquistar um meio de sustento.

– Na época as pessoas não sabiam que o movimento teria tanta importância. Nos acampamentos, começamos a perceber a forma de organização da sociedade. Era a grande escola da vida. Passei a perceber que a terra não era o fim – conta Isaías Vedovatto, um líder gaúcho do movimento, na época da fundação, com 19 anos.

O deputado federal Adão Pretto (PT-RS) era, então, o conselheiro fiscal do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miraguaí (RS), Noroeste do Estado. As dificuldades foram muitas.

– Uma vez, percorri com um amigo, a pé, uns 6km para explicar o que era a reforma agrária numa cidade vizinha. Chegamos lá e só encontramos quatro bêbados. Explicamos tudo para eles, que responderam: ‘Podem ir tranqüilos que a gente vota em vocês.’ A gente dizia que não era candidato e eles insistiam: ‘a gente vota de qualquer jeito’. Voltamos nos perguntando se tudo aquilo valia a pena. Hoje sabemos que sim.

O MST foi uma das grandes novidades surgidas no cenário político brasileiro, diz o antropólogo Mário Grynszpan, da Fundação Getúlio Vargas. Se houve alguma medida pró-reforma agrária no país nesses 20 anos, argumenta, deve-se em grande parte ao movimento.

– O MST joga um papel fundamental, que é a pressão sobre o poder público – ressalta.

Como representante das classes menos favorecidas, continua o antropólogo, ”é um interlocutor incontornável. Quando você fala em reforma agrária, fala em MST”.

Os preparativos para as comemorações do ano que vem incluem uma exposição itinerante, com obras especialmente produzidas, para a ocasião, por artistas plásticos que apóiam o movimento.

– Existirmos já é uma vitória. Mais de 500 mil famílias conquistaram a terra, têm trabalho, dignidade, consciência – argumenta Stédile. ”

Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil